Não é surpresa que a China tem se transformado na terra dos unicórnios, como são chamadas as startups que valem pelo menos US$ 1 bilhão. Segundo a consultoria CBInsights, há 82 deles por lá, avaliados, conjuntamente, em US$ 350 bilhões.

Mas até agora os unicórnios que se desgarravam e ficavam gigantes buscavam como alternativa para levantar dinheiro no mercado de capitais americano. Foi o caso de duas das maiores empresas da China: o Alibaba e o Baidu.

O site de comércio eletrônico fundado por Jack Ma fez o maior IPO da história na Bolsa de Nova York (Nyse), quando captou, em 2014, US$ 25 bilhões. O Google chinês optou pela bolsa eletrônica Nasdaq. Só a Tencent, que completa essa Santíssima Trindade da China, escolheu Hong Kong.

Mas agora a China está criando uma alternativa para que os unicórnios chineses abram o seu capital sem precisar cruzar o oceano. Nesta segunda-feira 22, a Star, baseada em Xangai, começou a operar. E ela já está sendo chamada de “a Nasdaq chinesa.”

Das mais de 140 empresas inscritas para estrearem na nova bolsa, 25 conseguiram. Em média, as ações das empresas novatas subiram 140% no fechamento do pregão, sendo que a maior alta foi de 520%, da Anji Microtechnology, que produz e distribui semicondutores. Elas captaram US$ 5,4 bilhões em recursos, 20% mais do que o planejado, segundo reportagem do The Wall Street Journal.

O movimento de lançar a própria bolsa nos moldes da Nasdaq reforça a estratégia chinesa de buscar soberania pela inovação. Desde os anos 1980, o governo local já implementou mais de 280 políticas para fomentar o empreendedorismo tecnológico e científico. As medidas mais eficazes não são nenhuma surpresa: cortes de taxas, juros e impostos para novos negócios, além, de apoio financeiro e estrutural para empreendedores promissores.

Essa revolução começou a surtir efeito mesmo em 2015, quando o número de empregos nas áreas urbanas mais do que dobrou. Foram criados 3,2 milhões novos postos de trabalho apenas no primeiro trimestre de 2015, enquanto, no mesmo período, 844 mil novas companhias foram registradas. Em janeiro do mesmo ano, o governo chinês anunciou um fundo de mais de US$ 5 bilhões para apoiar novos mercados.

A Star vai oxigenar ainda mais o setor de inovação chinesa ao permitir que pequenos investidores locais tenham a chance de comprar participação em companhias de tecnologia que, até então, precisavam recorrer aos Estados Unidos.

"Esse é um passo importante e animador para o mercado chinês, que carecia desse espaço de negociação", afirma ao NeoFeed Rich Lyons, professor de finanças internacionais da Berkeley University. "No final das contas, a Star é um movimento necessário para acompanhar o desenvolvimento institucional chinês e o processo de liberalização local."

Vale lembrar ainda que a China tem outras bolsas de valores, estabelecidas no início da década de 1990, mas essas são majoritariamente dominadas por companhias estatais, como a petrolífera PetroChina e operadora China Mobile.

Nos próximos dias, mais empresas devem se juntar às 25 já listadas na Star, uma vez que a bolsa está trabalhando na revisão de pedidos de outros 116 empreendimentos para ofertas públicas.

O boom chinês

A Star tem potencial de atrair os unicórnios chineses. No ano passado, 37 empresas da China atingiram avaliações bilionárias. Segundo o jornal britânico Financial Times, metade delas alcançaram esse status num período de dois anos ou menos. Um espaço de tempo notável, se levarmos em consideração que as empresas americanas levam, em média, nove anos para chegar ao mesmo patamar.

São muitos os fatores que explicam o "boom" dos unicórnios chineses, sendo um deles a controversa "996" cultura de trabalho. Isso significa que, enquanto boa parte dos países ocidentais trabalha 8 horas por dia, 5 dias por semana, os chineses são submetidos a jornadas laborais das 9 horas da manhã às 9 horas da noite, seis dias por semana. Em abril deste ano,  Jack Ma, fundador do Alibaba, apoiou o regime com uma frase polêmica: "se gostamos do trabalho, o regime '996' não é um problema", escreveu em um post publicado na rede social Weibo.

Outro fator que impacta positivamente a economia chinesa é o mercado interno. De acordo com dados governamentais, 802 milhões de pessoas são ativas na internet, o que correspondente a "apenas" 57,7% da população – ou seja, há margem para crescimento.

Uma grande vantagem que os unicórnios chineses têm sobre os americanos é o acesso quase exclusivo a um enorme e crescente mercado interno de consumidores recém-prósperos, que buscam melhoria dos padrões de vida. O Bureau Nacional de Estatísticas da China afirma que os gastos do consumidor representaram 58,8% do crescimento econômico geral do país em 2017.

As possibilidades internas, porém, não limitam as ambições globais. No último relatório da PWC foram ouvidos 101 CEOs de empresas unicórnios, e 70% deles disseram já estão trabalhando em estratégias para expansão internacional.

À imagem e semelhança da Nasdaq

A criação da Star fará frente às bolsas americanas. A Nasdaq sua premiere em 1971, enquanto a New York Stock Exchange (Nyse) começou a negociar ações em 1792.

Uma das principais diferenças é que a Nyse é focada em leilões, enquanto a Nasdaq opera na base da negociação. Isso abre espaço para empresas mais "arriscadas", como as gigantes de tecnologia Google, Apple, Microsoft, Amazon e outras.

Diante desse cenário, é quase inevitável que a Nasdaq criasse a reputação de terreno para crescimento, enquanto a Nyse fosse mais relacionado a negócios já provados e sólidos.

De uma forma simplificada, a Nasdaq era a bolsa para empresas de tecnologia e internet. A Nyse, o espaço das companhias tradicionais.

Mas isso tem mudado. A Nyse tem avançado em ganhado a preferência de muitas empresas de tecnologia e internet. O Alibaba, por exemplo, fez seu IPO ali. A rede social Snapchat e o aplicativo de transporte Uber também optaram pela Bolsa de Nova York. A empresa brasileira de meio de pagamentos PagSeguro escolheu a Nyse para abrir seu capital.

É um sinal de que a Nasdaq, que era quase soberana no quesito inovação, começa a perder espaço para a bolsa compatriota. "Nos próximos cinco ou dez anos, é pouco provável que Nasdaq ou qualquer outra grande bolsa sinta o impacto da novata", afirma Lyons, da Berkeley University. Será mesmo?

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