Um aplicativo tem "surfado" na onda dos protestos que tomam as ruas das principais cidades dos Estados Unidos. É o app Citizen, que mais parece um mix de Instagram, Twitter e Big Brother, por ter uma pegada de mídia social, feed vertical e vigilância constante. 

Neste domingo, 31 de maio, a empresa que desenvolveu o aplicativo divulgou que quebrou seu recorde de download diário ao ser baixado 15 mil vezes. Ao longo do final de semana, foram 48 mil downloads. Agora, mais de quatro milhões de usuários estão na plataforma.

Por trás desse interesse em massa estão as manifestações pela morte do afro-americano George Floyd, morto asfixiado, em 25 de maio, pelo agente Derek Chauvin, em Minneapolis, deflagrando uma série de protestos nos Estados Unindos.

Embora a maior parte das manifestações sejam pacíficas, atos de vandalismo foram registrados. E a população, com medo, recorre a aplicativos como o Citizen, que as alerta de possíveis perigos, como pessoas armadas, pontos de furtos, atividades suspeitas, incêndios e outras situações de risco. 

Totalmente colaborativo, o aplicativo nasceu com o nome de "Vigilante", em 2016, pelas mãos do programador Andrew Frame, que antes se dedicava à sua empresa Ooma, uma companhia de telecomunicações avaliada em US$ 295 milhões, cujos papéis são negociados na Bolsa de Nova York. 

Na época de sua estréia, a Vigilante ganhou tração na mídia por se tratar da primeira empresa a conseguir acessar à rede 911, número de emergência nos Estados Unidos, e reportar as denúncias aos usuários. "Com a Vigilante, informações vitais são destravadas e liberadas para que todos possam saber", disse Frame à época.

O problema é que muitos dos usuários entenderam isso como um chamado ao combate de crimes. Na época, o Departamento de Polícia de Nova York precisou, inclusive, fazer um pronunciamento sobre o caso: "furtos, assaltos e demais crimes devem ser conduzidos pela polícia, não por pessoas com um celular". A Apple chegou a retirar o aplicativo de sua App Store, alegando que sua conduta violava as políticas da casa. 

Depois de um rápido apagão e um reposicionamento de marca, a Vigilante voltou como Citizen em 2017, enfatizando que sua missão era evitar que as pessoas se colocassem em situações de perigo e não encorajá-las a resolver tudo por conta própria. 

O Citizen, que pertence a Sp0n, já levantou US$ 60 milhões com fundos de investimento, entre eles Sequoia Capital, 8 VC e Founders Fund, este último o fundo de Peter Thiel, CEO da Palantir, uma das startups mais misteriosas do Vale do Silício.

Depois de se firmar em Nova York, seu primeiro mercado, o app desembarcou em São Francisco em 2018. Em março do ano passado, chegou a Los Angeles.

Hoje, a companhia está presente em 18 cidades e tem uma rede suficientemente grande para disparar e movimentar mais de 1 bilhão de alertas registrados na plataforma.

Disponível gratuitamente tanto nos sistemas iOS e Android, o aplicativo é bastante intuitivo. São apenas quatro telas. A principal mostra sua localização e os alertas mais próximos.

A segunda é chamada "Citizen News". Ali, numa linha do tempo de rolagem vertical, os usuários podem ler comunicados oficiais e ver vídeos-denúncia de outros usuários.

Na aba central está a terceira tela. Por ela, o usuário acessa a câmera de seu celular para registrar o que quiser e transmitir vídeos via streaming. Moderadores avaliam o material antes de torná-lo público.  

Na quarta aba ficam as postagens e alertas mais recentes, enquanto a última página diz respeito ao perfil do usuário – onde cada um pode escolher uma foto e o nome de exibição, e onde se controla os amigos que se tem ali, o número de postagens e afins.

Esse ambiente meio Big Brother, que sabe passo a passo a localização dos usuários, fez do Citizen um dos primeiros apps a colocar em prática a ideia de monitorar a disseminação da Covid-19.

Caso o usuário autorize que o aplicativo use o bluetooth de seu aparelho, ele seria capaz de avisá-lo caso tenha interagido ou cruzado com alguma outra pessoa que tenha sido diagnosticada com o novo coronavírus. 

https://www.youtube.com/watch?v=f9jnYoTo1ag

Essa metodologia de enfrentamento à pandemia gerou controvérsias. Ativistas apontam que essa solução poderia violar a privacidade dos usuários e citam um estudo que determina que a eficácia desse tipo de ação só seria sentida se pelo menos 60% da população a aderisse – o que é bem pouco provável. 

Em meio à discussão sobre o uso de dados, o Citizen é um dos aplicativos que mais preocupam certos usuários. George Lilly, de 27 anos, fez o download do aplicativo em seu aparelho por sugestão de um amigo.

"Eu moro em Santa Mônica e sei que lojas na região foram vandalizadas. Resolvi baixar o app para saber exatamente quais lugares deveria evitar", contou ao NeoFeed.

Mas poucas horas após interagir com o app, Lilly achou por bem removê-lo. "Me parece, no mínimo, suspeito um aplicativo com fins lucrativos, que monitora constantemente a minha localização, mas que não me deixa claro como monetiza sua operação." 

O Citizen, de fato, não explica seu modelo de negócios. A plataforma não aceita propaganda ou publicidade de nenhum tipo e não dispõe de uma categoria paga, por exemplo. "A companhia está focada, exclusivamente, em aumentar a segurança em comunidades", disse Frame em entrevista ao jornal The New York Times

O que se sabe, porém, é que o Citizen pede acesso total aos dados de localização dos celulares onde roda e pede, também, acesso aos contatos de cada um. Esses dados, por si só, poderiam ser comercializados, mas o fundador insiste em afirmar que "o app não vende os dados de seus usuários para nenhuma finalidade". 

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