Na semana passada, a XP Inc. e seu sócio Itaú Unibanco foram os protagonistas de uma troca pública de farpas. O estopim da guerra declarada foi uma campanha na qual o banco colocava em xeque a transparência do modelo de agentes autônomos, do qual a corretora é a maior referência no País.

As discussões acaloradas trouxeram à tona acusações mútuas de conflito de interesses nos modelos praticados pela dupla na gestão de investimentos. E ganharam mais um capítulo no fim da tarde de ontem, dia 2 de julho. Mas desta vez, com a participação de um novo personagem.

Fundador e CEO da gestora Magnetis, Luciano Tavares travou um debate, via LinkedIn, com Guilherme Benchimol, cofundador e CEO da XP. Uma conversa que foi deletada, mas que ele printou e compartilhou, novamente, na rede social.

“Meu caro, me diga em qual profissão não há conflito de interesse? O problema não é o conflito, e sim, como você lida com ele. Nosso NPS (índice de satisfação do cliente) é 71, auditado pela KPMG”, afirmou Benchimol, em uma de suas intervenções.

Tavares discordou “respeitosamente”. E rebateu: “Acho que você está se referindo a incentivos que, sim, todos nós temos. Mas o conflito de interesses acontece quando a recomendação de investimento do cliente é influenciada pela remuneração do assessor.”

O diálogo foi encerrado com mais uma postagem de cada lado. Mas é certo que as discordâncias serão tema de novos episódios. “Os argumentos dele desviam do assunto”, diz Tavares, em entrevista ao NeoFeed. “E só mostram que é preciso aprofundar a discussão sobre modelos de remuneração.”

Com uma experiência de mais de 25 anos no setor, que inclui passagens como vice-presidente da Merril Lynch no Brasil e fundador da gestora Nest Investimentos, Tavares já escolheu seus argumentos e suas armas nessa disputa.

Fundada em 2015, a Magnetis usa um batalhão de robôs e algoritmos para criar e gerenciar, de forma automatizada, portfólios de investimento de acordo com os objetivos de cada cliente. A empresa é uma das pioneiras dessa corrente digital no País, ao lado de empresas como Warren, Vérios e Monetus.

No modelo, o usuário acessa o site ou o aplicativo da Magnetis e responde a perguntas que permitem traçar o seu perfil e montar um plano de investimentos personalizado. Com aplicação mínima de R$ 1 mil, o serviço dá acesso a carteiras com ativos como fundos multimercado e ações brasileiras e internacionais. A fintech cobra uma taxa anual fixa, em média, de 0,6% sobre o valor investido.

A Magnetis atraiu mais de R$ 20 milhões em aportes de fundos como Monashees, Redpoint eventures e 500 Startups, além da gestora de patrimônio GPS Investimentos

A partir dessa proposta, a fintech atraiu mais de R$ 20 milhões em aportes de fundos como Monashees, Redpoint eventures e 500 Startups, além da gestora de patrimônio GPS Investimentos. E já tem cerca de R$ 420 milhões sob gestão. A meta é encerrar o ano com um volume de R$ 1 bilhão.

A cifra, a princípio, pode parecer tímida quando comparada aos montantes gerenciados por bancos como o Itaú Unibanco e corretoras como a própria XP. Mas Tavares entende que as gestoras digitais são o contraponto necessário aos formatos personificados pela dupla.

“Eu vejo a Magnetis e outras gestoras digitais como a terceira geração desse mercado”, diz Tavares. “E esse modelo, que já nasce digital, com investimentos baseados em algoritmos e, principalmente, sem intermediários e conflito de interesses, tem tudo pra ser vencedor”

Em entrevista ao NeoFeed, ele fala sobre esse e outros temas. Confira:

Você já tinha uma carreira sólida no mercado financeiro quando começou a empreender. Como foi essa transição até chegar ao mundo das fintechs?
Em 2005, eu montei a Nest, uma gestora tradicional de investimentos. Nossos clientes eram as grandes fortunas do Brasil e muitos deles queriam que nós cuidássemos dos seus patrimônios. Pensamos em criar uma área de wealth management, mas o negócio não escalava no modelo tradicional. Ao mesmo tempo, 99% dos brasileiros não tinham acesso a um private de um banco ou a uma grande casa de wealth management. Havia um abismo e isso ficou na minha cabeça. Nessa época, nós automatizamos muitos processos na Nest e eu comecei a pensar se não era possível fazer o mesmo em gestão de patrimônio. Foi quando eu decidi sair e criar a Magnetis.

Você tinha alguma referência para esse formato?
Nos Estados Unidos, no começo dessa década, surgiram empresas como a Betterment e a Wealthfront, que investiam nesse modelo. Nós nos inspiramos nelas, mas sabíamos que não poderíamos copiar por n motivos. A cultura do brasileiro é diferente, os ativos que o brasileiro investe são diferentes, a tecnologia empregada não estava disponível no País, produtos como ETFs não existiam aqui. Nós tivemos que adaptar muito pra realidade brasileira.

Qual é, na prática, a proposta da Magnetis?
Nós temos os mesmos princípios de uma casa de wealth management tradicional, que é fee based, cobra uma taxa explícita, com a alocação da carteira do cliente segregada da remuneração do gestor e onde a decisão de investimento não é influenciada por motivos comerciais. Esse formato já existe há muitos anos, mas era restrito a uma pequena camada da população. Nós trouxemos isso para o digital, com forte uso de tecnologia para tornar a decisão de investimento mais fácil e acessível. Hoje, com R$ 1 mil, o cliente tem acesso a um modelo com zero conflito de interesses e a uma carteira tão sofisticada quanto a de um cliente de R$ 100 milhões. Essa é a grande inovação.

Qual é o tíquete médio de investimentos dos clientes da empresa?
Temos clientes que investem desde R$ 1 mil, nosso valor mínimo de aplicação, até pessoas que têm R$ 10 milhões conosco. Mas a média fica na faixa entre R$ 50 mil e R$ 500 mil.

Você frisou o fato de o modelo não ter conflito de interesses. Esse foi justamente o tema de uma discussão que você travou com o Guilherme Benchimol nesta semana. Como você avalia os pontos que ele colocou?
Eu discordo da justificativa de que o problema não é o conflito de interesses. Os argumentos dele desviam do assunto e só mostram que é preciso aprofundar a discussão sobre modelos de remuneração e conflito de interesses.

Esse também foi o ponto central no imbróglio recente entre a XP e o Itaú Unibanco. O que você achou dessa troca de farpas?
Nós achamos a conversa ótima, porque essa foi uma bandeira que nós defendemos desde o primeiro dia da empresa. E quando o maior banco privado e a maior corretora do País começam a discutir isso, o debate fica mais visível. Então, ficamos gratos pelo Itaú trazer o assunto à mesa. E pela XP vestir a carapuça. Nessa briga, os dois estão certos.

Por quê?
Um acusa o outro, mas os dois têm telhado de vidro. A grande verdade é que o modelo vigente, seja em banco ou em corretora, é conflitado. O cliente que está no banco não confia no seu gerente porque sabe que ele vai empurrar os produtos próprios ou agora, que tem plataforma aberta, que vai ser comissionado da mesma forma que os agentes autônomos. E na corretora, o agente autônomo tem incentivo para empurrar o produto A em detrimento do produto B, porque o produto A vai pagar mais comissão pra ele. É um debate que já acontece há algum tempo no mundo. Muitos países estão um estágio à frente, inclusive, com regulamentação, que proíbe ou coíbe esconder do cliente as taxas do intermediário. E já adotam o modelo fiduciário, onde a pessoa que está recomendando os investimentos cobra uma taxa fixa e transparente sobre aquele serviço e não recebe nenhum rebate.

"Ficamos gratos pelo Itaú trazer o assunto à mesa. E pela XP vestir a carapuça. Nessa briga, os dois estão certos. Um acusa o outro, mas os dois têm telhado de vidro"

Como você enxerga o potencial desse modelo no Brasil?
Nos últimos anos, alguns players, como a própria XP, mostraram que existem alternativas ao oligopólio dos bancos. Mas o fato é que a Charles Schwab, que é a inspiração da XP e de outras corretoras, foi disruptiva no fim da década de 1970, nos Estados Unidos. É um modelo que foi concebido antes da internet e que, apesar de ser novidade para os brasileiros, já nasceu antiquado no País. Eu vejo a Magnetis e outras gestoras digitais como a terceira geração desse mercado. E acho que, 40, 50 anos depois, esse modelo que já nasce digital, com decisões de investimento baseadas em algoritmos e, principalmente, sem intermediários e conflito de interesses, tem tudo pra ser vencedor.

Qual é a perspectiva do modelo proposto hoje pelos bancos e corretoras nesse cenário?
Os modelos vão conviver, mas os bancos e corretoras vão perder relevância e deixar de ser o canal preponderante de investimentos. E talvez isso não demore pra acontecer. Eu acho que em cinco anos teremos um movimento forte nessa direção. O futuro é o modelo que nós estamos criando.

Há um avanço no número de investidores pessoa física no País, mas boa parte dos brasileiros não tem uma cultura de investimentos. Isso não é um desafio para o modelo que vocês propõem? Essas pessoas estão preparadas para investir sem a ajuda de gerente ou consultor financeiro?
De fato, se eu viro para uma pessoa que tinha um CDB no banco e um conhecimento financeiro muito raso e falo, olha, você tem que sair da poupança e montar uma carteira diversificada, com fundos de crédito privado, fundos multimercado, ações internacionais e brasileiras, ela vai ficar perdida. E essa é justamente a grande vantagem desse modelo digital. Não é preciso ser um especialista para investir como especialista. A pessoa só precisa dizer o que quer, o que tem como objetivo de vida, e nós fazemos toda a otimização, com a nossa equipe de especialistas e os algoritmos para aquele perfil. O mercado criou um mito que se você sai do banco ou quer fazer um investimento diversificado, precisa virar um especialista. Tem gente que não quer pilotar o avião. Só quer sentar na primeira classe e viajar.

Ao mesmo tempo, há uma saturação de plataformas no mercado?
Se pensarmos nas plataformas de acesso direto, onde você escolhe os investimentos por conta própria, de fato, há muitas opções. Por outro lado, o mercado é muito grande, 90% dos investimentos ainda estão nos bancos. Quando isso migrar pra plataformas, vai ter espaço para muitas aproveitarem. Então, não acho que o Brasil vai ser um país com apenas uma corretora listada em Bolsa. O Brasil terá quatro, cinco, quem sabe até mais. Mas essas plataformas, de certa forma, são muito semelhantes. O que nós estamos propondo é outro modelo.

Mesmo nesse modelo digital, há outras empresas atuando. Como vocês pretendem se diferenciar?
Nós fomos pioneiros nesse espaço. Agora, já temos um histórico para mostrar, o que por si só é um diferencial. E outras casas estão tentando fazer muitas coisas. Nós somos muito focados em sermos apenas uma gestora, em ter os melhores produtos. A ideia não é ter uma plataforma aberta, com todos os produtos, e sim, fazer uma curadoria para o usuário. Essa é a diferenciação que queremos ter.

Como vocês estão fazendo isso na prática?
Em 2019, por exemplo, nós fizemos uma parceria com a GPS, que é a maior empresa independente de gestão de patrimônio do País e foi adquirida pelo banco suíço Julius Baer. Eles compraram inclusive uma fatia minoritária na Magnetis. Com a parceria, nosso cliente tem acesso à equipe de gestão e a alguns produtos deles. Então, podemos dizer que a nossa carteira é tão boa quanto aquela que está sendo acessada pelas grandes fortunas. Nós nos associamos a um serviço que é muito bom, mas que era exclusivo e escalamos para praticamente qualquer pessoa.

Ter uma chancela como essa é crucial para vingar nesse mercado?
É claro que ajuda, porque é um banco suíço muito tradicional. É um selo muito forte de qualidade. Mas não é preciso ter necessariamente um grande banco te apoiando. A XP não ficou grande por causa do Itaú. Ela já era grande quando o Itaú investiu, valia R$ 12 bilhões. O Brasil tem espaço pra muitas empresas independentes. É uma falácia achar que só com um grande banco por trás você consegue estabelecer uma marca de confiança. As pessoas estão superando isso.

"O mercado criou um mito que se você sai do banco ou quer fazer um investimento diversificado, precisa virar um especialista. Tem gente que não quer pilotar o avião. Só quer sentar na primeira classe e viajar"

Qual é o tamanho hoje da Magnetis?
Temos em torno de R$ 420 milhões sob gestão e já fizemos mais de 300 mil planos de investimento. E nossa meta para esse ano é atingir R$ 1 bilhão sob gestão.

O que estão fazendo para alcançar essa meta?
Nós sempre investimos a maior parte dos nossos recursos em tecnologia e na experiência do cliente. Preferimos seguir fazendo isso do que gastar dinheiro com ator da Globo, no Jornal Nacional, em horário nobre. Claro que também fazemos marketing, mas ele é muito mais voltado a educar as pessoas a conhecer melhor o mercado de investimentos.

Em termos do produto, o que há de mais recente?
Nós lançamos há um mês uma ferramenta para o usuário construir todos os seus objetivos de vida, enxergar isso numa linha do tempo e saber se está próximo ou não de alcançar cada meta. Com isso, nós conseguimos montar uma carteira muito mais personalizada. Nosso algoritmo otimiza automaticamente a carteira pra esses objetivos. E nas próprias carteiras, nós sempre fazemos uma atualização. No decorrer da crise, por exemplo, nós começamos a fazer alocações em proteções, em opções de venda (puts), em instrumentos que protegem cenários de queda. Foi uma coisa que entrou automaticamente nas carteiras dos clientes. É como uma atualização de software.

E tem algo prestes a ser lançado?
Durante a crise, muita gente percebeu que não tinha reserva de segurança. Não posso dar detalhes, mas estamos criando um objetivo específico de reserva, orientando as pessoas sobre quanto elas teriam que colocar para ter essa segurança. O investimento é feito em um ativo super seguro, sem risco e com alta liquidez. E para esse componente da carteira não vamos cobrar nenhuma taxa.

A pandemia trouxe algum impacto na operação?
Nós tivemos pouquíssimos saques. Quem já era cliente não mudou o comportamento e seguiu investindo. Claro que, no auge da crise, teve quem entrou em pânico e pediu resgate. Nosso papel foi falar calma, está caindo agora, mas vai voltar, não tome decisão precipitada pra não se arrepender depois. Porque é muito comum vender na hora de pânico e aí você perde a recuperação do mercado que acontece na sequência. Então, essa consistência de investimento é importante. Não ficar em pânico quando o mercado cai e também não ficar entusiasmado demais quando a Bolsa está subindo. Sempre pregamos manter uma posição estável, com o risco que foi determinado para aquele plano.

"Nós sempre investimos a maior parte dos nossos recursos em tecnologia e na experiência do cliente. Preferimos seguir fazendo isso do que gastar dinheiro com ator da Globo, no Jornal Nacional, em horário nobre"

Você acredita que as Bolsas estão descoladas da realidade?
Ainda estamos no meio da pandemia, sabemos que a economia real já está sofrendo e vai sofrer um baque grande. Então, quando olhamos a Bolsa subindo, de fato estão descoladas. Só que tem alguns fenômenos. Há uma expectativa de que em algum momento, nos próximos meses, a pandemia vai passar e a atividade econômica vai recuperar. E também reflete o que já está acontecendo em outros mercados, como China e Europa, onde a atividade já está retomando. Então, a Bolsa antecipa que o pior já passou ou que, ao menos, a incerteza diminuiu. Nesse aspecto, não há um descolamento. Mas tem também o fato que os Bancos Centrais no mundo injetaram um volume recorde de liquidez na economia. E esse dinheiro impacta desproporcionalmente determinados ativos. Uma parte da Bolsa também é fruto desse estímulo econômico, que não é natural, mas artificial e extraordinário.

Como o investidor deve lidar com esse cenário?
Tentar ficar adivinhando se o mercado vai subir ou cair é um jogo difícil. Até gestores profissionais que tentam fazer isso perdem. No longo prazo, o mercado tem um comportamento mais previsível, e os ativos de maior risco, como Bolsa, tendem a performar melhor do que renda fixa. Então, o investidor pode ter perda no curto prazo. Mas se ficar e esperar tempo suficiente, vai ganhar dinheiro.

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