PARIS - Um país muito diferente da Índia que povoa nosso imaginário está na exposição que acaba de ser inaugurada na Fundação Cartier para a Arte Contemporânea, em Paris. A estrela da mostra é o arquiteto Bijoy Jain, fundador do Studio Mumbai, um artista fora dos cânones, transversal, que vai da escultura à construção e da pintura ao design.
Intitulada Le souffle de l’architecte ("O sopro do arquiteto"), a mostra foi desenvolvida especialmente para a instituição francesa e demorou três semanas até ficar pronta, com Jain e sua equipe trabalhando no local. Por sugestão do curador, Hervé Chandès, a exposição é um conjunto que traz também desenhos em grafite da artista chinesa Hu Liu e da ceramista dinamarquesa de origem turca Alev Ebüzziya Siesbye.
Bijoy Jain estava presente na vernissage para a imprensa, mas falou muito pouco, porque é um homem que prefere o silêncio às palavras. Alto, magro, de cabelos grisalhos, vestia uma saia calça comprida marrom café e um casaco de lã azul-marinho até os quadris.
Ao falar, disse que “o sopro do arquiteto é também um sopro coletivo, na medida em que nos ajuda a reencontrar a esperança que existe ao nosso lado”. E explicou que aquele trabalho, que demandou quase um mês para ser construído, em Paris, estava há cerca de um ano e meio sendo gestado em sua cabeça.
"Meu objetivo foi trazer a cidade para dentro da Fundação Cartier”, afirmou. Pouco depois, disse que “trabalhar em lugares diferentes – Japão, França ou qualquer outro ambiente – é mais do que nada uma construção da mente, uma maneira de perceber e de se adaptar aos limites e às dimensões físicas e geográficas.
O artista indiano tem 58 anos, se formou em Washington e trabalhou em Los Angeles e Londres antes de voltar para seu país. Ganhou o mundo a partir de 2010, quando sua obra teve destaque na Bienal Internacional de Arquitetura de Veneza.
Ao conhecer seu trabalho, desde então, o diretor-geral da Fundação Cartier, Cris Dercon, passou a acalentar o desejo de levá-lo para Paris. “A sua apresentação em Veneza foi um marco. A partir daí todos começaram a falar dele e do Studio Mumbai, porque ele não é um arquiteto convencional, trabalha entre o design e a literatura, as artes plásticas e a arquitetura”, disse, ao apresentar Jain.
Outra coisa que atraiu Dercon foi o fato de o indiano ser um multiartista com dimensão para dialogar com o edifício da Fundação, que foi projetado pelo francês Jean Nouvel, vencedor do prêmio Pritzker em 2008, considerado o Oscar da Arquitetura.
A Fundação fica no Boulevard Raspail, no bairro parisiense de Montparnasse, onde há um século nas mesas dos bares e cafés se reuniam os artistas dos “Anos Loucos”, que marcaram uma década de efervescência cultural.
O lugar da Fundação é particularmente significativo, pois também está diante da “École Speciale d'Architeture”, onde expoentes mais abastados da nova geração se preparam para seguir a profissão, definida por alguns arquitetos como uma aventura humana na construção das cidades.
A exposição se desenvolve em vários ambientes, ocupa o jardim e dois andares, e cada sala tem um clima particular, que vai do desvendar de formas arquitetônicas ao silêncio. Reúne esculturas, painéis rebocados, molduras de bambu e estruturas que evocam casas tradicionais indianas. Jain descreve essa exposição como um novo espaço de contemplação e devaneio silenciosos.
Iogue, ele afirma que a grande conexão de sua obra é com a natureza. Isso está presente essencialmente nos materiais usados seja nos bancos feitos com bambu, nas pequenas esculturas em pedra ou nos quadros.
Mas cal, pedra ou argila são materiais que não surpreendem. Já esterco de vaca, sim. E ele usa muito o esterco – que, depois de trabalhado e seco, lembra argila – em quadros elaborados com bambu e fios de algodão e em pequenas esculturas que usam bambu, pigmentos e cal.
Apesar da escolha por um material tão raiz e tão orgânico, numa época em que impera o marketing da sustentabilidade, Jain faz o contrário. Numa recente entrevista ao jornal inglês Financial Times, em seu estúdio-casa em Mumbai, disse que “gostaria que você riscasse tudo o que leu ou pensa que sabe sobre ele".
Seja o seu elogiado uso de materiais naturais, a sua linguagem de design enraizada, a fusão da tradição com a modernidade e a sua sustentabilidade. E declarou que “sustenta apenas a si mesmo e ao seu ambiente”.
Em um projeto complementar à exposição, a Fundação Cartier é coprodutora do filme “O sopro do arquiteto", dirigido por Ela Bêka e Louise Lemoine, dupla de cineastas que se dedica ao tema da arquitetura e dos espaços urbanos em várias cidades.
A obra percorre do dia a dia de Jain no Studio Mumbai até a montagem da exposição em Paris, para acompanhar e desvendar o processo criativo do artista.
“O sopro do arquiteto” fica em cartaz até 21 abril de 2024. A Fundação Cartier fecha às segundas-feiras.