Entre 2007 e 2015, o ex-governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, três ex-secretários de saúde do estado, 12 servidores, executivos e empresários, causaram um prejuízo de R$ 173 milhões, superfaturando contratos e gerando desperdícios de materiais hospitalares e de medicamentos.

O mesmo cenário, de desperdício, mau uso e desvio de dinheiro público na área de saúde, pode ser visto do Oiapoque ao Chuí em prefeituras e estados espalhados pelo Brasil. Em 2016, por exemplo, as fraudes no setor causaram prejuízos superiores a R$ 20 bilhões.

“Ainda vamos fazer um ranking por secretaria de saúde. Pegar uma cesta de produtos e mostrar quanto cada um está pagando”, diz Mauricio Barbosa, sócio e presidente do conselho da Bionexo, empresa que atua como uma espécie de marketplace para o setor de saúde. “Tem estado que paga R$ 1 mil, outro R$ 2 mil e, acredite, até R$ 15 mil”, diz ele.

O empresário sabe o que está falando e tem as informações precisas para fazer isso. Prestes a completar 20 anos de fundação, a companhia atua exatamente na área onde há mais desvios: o setor de compras de um hospital.

A Bionexo é uma plataforma que, na verdade, faz a interface entre os hospitais e os fornecedores. “Temos 1,7 mil hospitais e 10 mil fornecedores na nossa plataforma”, diz Rafael Barbosa, CEO da companhia e filho de Mauricio.

1,7 mil hospitais e 10 mil fornecedores estão plugados na plataforma

É quase uma eminência parda no mercado de saúde nacional. O paciente não sabe, mas boa parte dos esparadrapos, remédios, alimentos e até as roupas usadas por médicos e enfermeiros na maioria dos hospitais privados do Brasil, passam pela plataforma. Instituições como Albert Einstein, Hospital São Luiz, Beneficência Portuguesa, entre outras, são clientes da companhia.

Rafael Barbosa é o CEO da Bionexo, empresa com operações no Brasil, Argentina, Colômbia, México e Espanha

Trata-se de um negócio robusto, que movimenta R$ 12 bilhões por ano, e, além do Brasil, tem presença na Argentina, Colômbia, México e Espanha. “Oitenta por cento do nosso movimento vêm do mercado nacional”, diz Rafael. E, ao contrário do que se faz em marketplaces tradicionais, a Bionexo não ganha nem um centavo sobre qualquer transação que ocorra na plataforma.

“Somos uma empresa de software as a service”, diz Rafael. “Cobramos a assinatura do serviço.” Foi a partir dessa mentalidade que a companhia conquistou o mercado, ao mostrar para os hospitais que não tinha interesse em ganhar dinheiro em cima de qualquer transação. “Escolhemos o lado do hospital, o nosso interesse é que ele compre bem, não mais caro, e isso colou no mercado.”

O "banco" Bionexo

Mas, diante de um volume de R$ 12 bilhões transacionados e da quantidade de dados que a companhia tem acesso, chegou a hora de explorar esse ativo valioso. A Bionexo contratou recentemente o executivo João Rabello, ex-presidente do Tribanco, para estruturar serviços financeiros. “Vamos criar um banco dentro da Bionexo”, diz Mauricio Barbosa, com exclusividade ao NeoFeed.

A ideia é fazer a ponte financeira entre hospitais e fornecedores. “Poderemos, por exemplo, antecipar pagamentos para os fornecedores, criar seguros”, diz ele. “O fabricante quer vender e receber, ter um agente no meio que torne essa operação mais segura. Se, por exemplo, o hospital não pagar a Bayer, o seguro vai pagar.”

O produto ainda está sendo estruturado, mas não deverá faltar capital para a empreitada. Além da família Barbosa, a Bionexo conta com investimento de Marcelo Hallack, ex-chefe da área de private equity do BTG, e também do Temasek, fundo soberano de Cingapura, que aportou R$ 95 milhões na Bionexo no fim do ano passado.

O Temasek, fundo soberano de Cingapura, aportou R$ 95 milhões na Bionexo no fim do ano passado

Com o tamanho que atingiram no mercado, os clientes vêm quase por osmose. No Brasil, sua plataforma impacta 38% dos leitos privados e 64% dos de alta complexidade. “Tem empresa que conta com uma equipe de 50 funcionários só para acompanhar os pedidos que acontecem na plataforma Bionexo”, diz Rafael. “Alguns fornecedores faturam R$ 250 milhões por mês vendendo na plataforma.”

O negócio funciona da seguinte maneira. O comprador acessa o sistema e vai colocando os produtos e a quantidade necessária no carrinho de compras. A plataforma dispara a informação para a sua base e se inicia uma espécie de leilão eletrônico no qual ninguém tem acesso às informações.

Mauricio Barbosa, sócio e presidente do conselho de administração da Bionexo

Os fornecedores enviam as propostas, mas não conseguem saber os preços dos concorrentes. E o hospital só sabe os preços de cada um quando se encerra o período de oferta. Esse é um jeito de evitar preços combinados e desvios, que também acontecem no setor privado. Mas nem sempre foi assim. Antigamente, os hospitais conseguiam ver em tempo real os preços dos fornecedores.

Mauricio lembra, por exemplo, de um caso em que um fornecedor sempre ganhava a concorrência e ele sempre entrava faltando 30 segundos para os lances acabarem. “O que acontecia era que o comprador passava as informações para o fornecedor”, diz Mauricio. Ou seja, a senha do hospital estava nas mãos do fornecedor e isso foi descoberto identificando o IP de onde a senha era acessada.

“A Bionexo trouxe mais transparência para o setor”, diz André Pacheco, diretor de marketing, novos negócios e compras do Grupo Mafra Hospitalar, dono da marca Cremer e um dos maiores distribuidores de medicamentos do País. Para se ter uma ideia de como a relação é crucial para a empresa, basta ver que dos R$ 3,8 bilhões de faturamento, estima-se que metade passe pela plataforma da Bionexo.

Além da ferramenta de compra, a empresa ao longo dos anos passou a desenvolver outras utilidades. Entre elas, uma plataforma de gestão de estoque. “Isso me deu controle absoluto do que tenho de comprar e do que está parado”, diz Pedro Meneleu, CEO do Instituto do Câncer do Ceará, que mantém o Hospital Haroldo Juaçaba.

O hospital, com 24 mil atendimentos por mês, chegou a ter um estoque com um giro de 72 dias. Ao instalar a plataforma, reduziu para sete dias. “O dinheiro que ficava imobilizado no estoque voltou para o caixa”, diz Meneleu. Isso também ajudou a padronizar os produtos dos 4 mil para 1,8 mil e reduziu a metragem dos estoques.

“Tínhamos sete farmácias satélites dentro do hospital. Agora não temos nenhuma.” Resultado: uma área de 300 metros quadrados foi transformada em um espaço para novos leitos. Na plataforma de compras, a economia, num primeiro momento, foi de R$ 4 milhões. “Em algumas cotações, chegamos a economizar R$ 1 milhão”, diz o executivo.

Olhando esses números e analisando a quantidade de fraudes que acontece no setor público percebe-se por que os negócios com os governos ainda não ganharam tração dentro da Bionexo. “Sabe o que acontece?”, indaga Mauricio, emendando a resposta. “O secretário de saúde te contrata, aí ele sai, entra outro no lugar e, para renovar, te pede dinheiro por fora.”, diz o empresário. “Aí não. Minha proposta é gerar valor para a cadeia.”

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