Muito tempo antes das pautas identitárias começarem a ecoar no cenário da arte no Brasil, teve início no país uma retomada da produção do pintor e escultor baiano Rubem Valentim (1922-1991).
Famosas por mesclar a abstração geométrica com elementos das religiões de matriz africana, suas obras valorizaram de 21,46% por ano nas últimas duas décas, segundo a plataforma de investimentos alternativos Hurst Capital.
E os valores tendem a aumentar, com a inserção internacional da produção do artista em feiras, galerias e leilões. Em março, por exemplo, a Almeida & Dale realiza uma mostra solo de Valentim, em seu estande na feira ARCO Madri, na Espanha.
Como conta ao NeoFeed, Carlos Dale vai levar ao evento madrilenho cerca de 20 obras de Valentim, de diversos períodos e suportes, avaliadas entre US$ 25 mil e US$ 300 mil.
Além disso, vários europeus já o contataram, com o desejo de inserir criações do artista baiano em seus acervos. O mesmo vale para colecionadores particulares.
O galerista afirma ainda que, à medida que as obras forem sendo vendidas, a oferta ficará escassa, e “facilmente o valor deve ultrapassar sete dígitos em dólar”. “Hoje em dia, não se conta a história da arte brasileira e internacional sem se levar em conta Rubem Valentim”, defende Dale.
Muitos fatores contribuem para valorização de um artista e a internacionalização, certamente, é um deles, diz Ana Maria Carvalho, head de investimentos em obras de arte da Hurst, em conversa com o NeoFeed.
“Valentim tem um mercado já bem consolidado no Brasil, há períodos em que é difícil encontrar obras nas galerias”, diz Carvalho. “Mas ele ainda não esteve em leilões de casas como a Christie’s e Sotheby’s e só começa agora a ir para feiras internacionais”.
Recentemente, a Hurst Capital estruturou uma operação tokenizada com duas telas do artista - Emblema 81 e Emblema 85, adquiridas junto à Pinakotheke Cultural e à Almeida & Dale, respectivamente. As telas estão estimadas em R$ 350 mil cada uma.
Para o galerista e editor Max Perlingeiro, da Pinakotheke, a obra de Valentim vem passando por uma revisão histórica, com reverberação mercadológica, nos últimos 15 anos. “A obra de Valentim é de uma consistência muito grande”, diz ele, ao NeoFeed.
O grande público brasileiro foi (re)apresentado à produção do artista baiano – cujo auge aconteceu no fim dos anos 1970 – em grandes panorâmicas, como Rubem Valentim: construções afro-atlânticas (Masp, 2018) e Rubem Valentim (1922-1991) – Sagrada Geometria” (Pinakotheke Cultural, 2022), em celebração ao centenário de seu nascimento.
A mostra, também levada à sede da Pinakotheke, no Rio de Janeiro, foi eleita a melhor retrospectiva de 2022 pela Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA). E o livro, de mesmo título, do artista e curador Bené Fonteles, foi finalista do prêmio Jabuti, de 2022.
Também em 2023, o Instituto Inhotim apresentou a mostra Fazer o moderno, construir o contemporâneo: Rubem Valentim, e a instalação Templo de Oxalá”, de 1977, foi vista de forma integral na 35ª edição da Bienal de São Paulo, no ano passado.
"Manifesto ainda que tardio"
Valentim nasceu em 9 de novembro de 1922, em Salvador. Formou-se em 1946 em odontologia, exercendo o ofício por apenas dois anos.
Já em 1948 começou a participar da cena artística da capital baiana, ao lado de Mário Cravo Jr. e Jenner Augusto, entre outros. Em 1953, graduou-se em jornalismo e passou a publicar crônicas sobre arte na imprensa.
“Na virada dos anos 1940 para os anos 1950, ele era um pintor formal, de paisagens e naturezas mortas, fazia cópias de grandes mestres”, conta Perlingeiro. “A partir de meados da década de 1950, passou a seguir o viés da geometria ligada às religiões de matriz africana”.
Em 1964, Valentim fixou residência em Roma, na Itália, com um prêmio obtido no Salão Nacional de Arte Moderna (SNAM).
Cinco anos depois, ele integrou, ao lado de Waldemar Cordeiro (1925-1973), a representação brasileira na 1ª Bienal Internacional de Arte Construtiva, em Nuremberg, Alemanha.
A trajetória e o legado de Rubem Valentim têm grande peso institucional. O artista participou sete vezes da Bienal de São Paulo, e duas, da Bienal de Veneza.
Neste ano, suas obras voltam a ser apresentadas na exposição italiana, que tem curadoria do brasileiro Adriano Pedrosa, diretor artístico do Masp.
Os trabalhos de Valentim estão presentes em coleções no Brasil –MAM Rio, Pinacoteca do Estado de São Paulo e MAC USP, entre outros.
No exterior, integram os acervos do Museu de Arte Moderna de Paris e do MoMA de Nova York. Um painel feito pelo artista está exposto no saguão do auditório do Palácio do Itamaraty, sede do Ministério das Relações Exteriores, em Brasília.
Em seu Manifesto ainda que tardio, de 1976, Valentim afirma que vinha “pregando há muitos anos contra o colonialismo cultural, contra a aceitação passiva, sem nenhuma análise crítica, das fórmulas que nos vêm do exterior”.
Lançando mão de linhas horizontais e verticais, triângulos, círculos e quadrados em composições geométricas que aludem a símbolos e emblemas das religiões afro-brasileiros, dizia querer “estabelecer um ‘design’”, a que chamava de Riscadura Brasileira, “uma estrutura apta a revelar a nossa realidade”.