A última fase da decisão da Ford de encerrar a produção de veículos no Brasil terminou na segunda-feira, 23 de setembro. Três anos após anunciar o fechamento de todas as suas fábricas no Brasil, a montadora americana assinou um acordo com o governo do Ceará para transferir ao Estado a unidade no município de Horizonte, que será repassada à Comexport, empresa de comércio exterior.
Encerrar as fábricas do Brasil fazia parte de um grande plano da Ford para recalcular a rota em razão de resultados financeiros amargos. A estratégia foi deixar categorias de carros populares, como veículos comerciais de entrada, hatches e sedãs, e focar nas áreas em que a Ford realmente era rentável: picapes, SUVs e comerciais leves, por exemplo as vans.
“Nós tivemos um período bastante prolongado onde tivemos prejuízo na região”, diz Martín Galdeano, presidente da Ford América do Sul, ao NeoFeed. “De três anos para cá, conseguimos transformar essa perda em lucro.”
Por causa dessa mudança, o número de licenciamentos despencou, saindo de 196 mil em 2019 para 3 mil em 2023, segundo dados da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea). O market share da montadora, que chegou a ser de 8,1% em 2019, hoje está próximo de 1%.
“A produção no Brasil é cara, o que gera perda de competitividade. Não tenho dúvidas de que as picapes e SUVs vieram para ficar e outros fabricantes podem fazer o mesmo movimento da Ford”, afirma Ricardo Jacomassi, sócio e estrategista-chefe da consultoria TCP Partners. “A estimativa é que as picapes gerem um retorno três a quatro vezes maior do que os veículos de entrada.”
A transformação da Ford atendeu tanto o consumidor como os acionistas. Galdeano avalia que o alto volume de vendas não se traduzia em boa rentabilidade para a companhia. Além disso, o interesse do consumidor pelas linhas que a Ford adotou como prioritárias no Brasil segue crescendo. Entre janeiro e julho de 2024, as vendas no Brasil aumentaram 67% em relação ao mesmo período do ano passado.
“Somos a montadora que mais renovou seu portfólio. Com isso, estamos atingindo níveis de participação que não tínhamos antes porque o cliente está escolhendo nosso produto”, conta Galdeano.
A montadora optou pela importação de todos os seus veículos e por ser uma marca de nicho. Com isso, busca capturar o consumidor pelo desejo. A apresentação do Mustang GT Performance para celebrar os 60 anos do esportivo (onde Galdeano concedeu a entrevista que você vê no topo da reportagem) é um exemplo. Única no mundo, essa unidade foi a primeira da sétima geração a desembarcar no Brasil e possui uma cor exclusiva, que não será comercializada no País: a prata Orvalho.
No Brasil, cérebros e inovação
Sem fábricas no País, a Ford manteve funcionários para trabalhar na inovação de seus veículos. De 2021 para cá, a montadora aumentou o total de engenheiros brasileiros de 700 para 1,5 mil. Eles são responsáveis por pensar em cada detalhe dos carros e no desenvolvimento de suas tecnologias.
A Ford está expandindo o Centro de Desenvolvimento e Tecnologia que fica em Camaçari, cidade da Bahia que já teve uma fábrica da empresa. O plano é abrigar mais mil profissionais no futuro.
Na visão de Antônio Jorge Martins, coordenador da área automotiva da FGV, ao concentrar a área de tecnologia no Brasil e realizar a montagem dos carros em outras regiões, a Ford conseguiu diluir os custos globais de produção para bater de frente com concorrentes chinesas.
“As montadoras chinesas possuem escala não só pelo volume de vendas no mercado interno, mas pela possibilidade de exportação para vários continentes, o que reduz os custos. Com o desmembramento da produção, a Ford também consegue custos menores”, diz Martins.
De acordo com o presidente da Ford América do Sul, atualmente, um terço de toda a tecnologia presente nos carros Ford vendidos ao redor do mundo é desenvolvida por brasileiros. Um exemplo é o dispositivo One Pedal Drive do Mustang Mach-E, que torna possível dirigir usando exclusivamente o acelerador, sem recrutar o freio.