Ele tinha apenas 18 anos. A caminho da faculdade de publicidade, na Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP), em São Paulo, o pneu do carro fura. Do outro lado da rua, um casarão e a placa: “HGP Publicidade”. Cabelo nos ombros, tamancos coloridos e “jeitão de hippie”, como contaria tempos depois, o jovem entra:
— Quero falar com o dono.
O proprietário acabara de chegar. O estudante explica:
— É que o meu pneu furou do outro lado da rua e eu resolvi vir aqui pedir um estágio. Tenho certeza de que eu vou ser muito bom nesse negócio da publicidade. Na verdade, o senhor está no seu dia de sorte. Trata-se de uma ótima oportunidade que o senhor não pode perder, até porque o meu pneu não costuma furar duas vezes na mesma rua.
Assim Washington Olivetto conseguiu, em 1969, seu primeiro trabalho. Começava ali uma revolução na publicidade brasileira. Ao morrer no domingo, 13 de outubro, aos 73 anos, no Rio de Janeiro, vítima de problemas pulmonares, ele deixa um legado de criatividade, irreverência e ousadia.
Até sua chegada ao mercado, as campanhas aqui, no país, eram pautadas muito pelo o que se fazia nos Estados Unidos. O publicitário inverteu a lógica predominante até então. Encheu a propaganda de brasilidade e a globalizou.
Celebrado como uma das mentes mais criativas do país, era o “mago dos filmes de 30 segundos”, como definido pela plataforma Meio & Mensagem. “Publicidade é sedução”, costumava dizer Olivetto. Inovador e audacioso, ele soube seduzir como ninguém. O Brasil e o mundo.
É de sua autoria algumas das obras-primas da publicidade brasileira. Criou bordões lembrados até hoje. Sua agência W/Brasil virou música de Jorge Benjor. Um dos fundadores da Democracia Corintiana, em 2013, ganhou homenagem da escola de samba Gaviões da Fiel.
Quatro meses depois do pneu furado, Olivetto escreveu seu primeiro comercial e se transformou no primeiro brasileiro a conquistar um prêmio no Festival de Publicidade de Cannes, o Oscar da criatividade global. Ganhou um Leão de bronze com O Pingo, para a Deca.
“Como eu não tinha nenhuma experiência (era o meu primeiro comercial), fiquei na dúvida. Quem teria errado? Eu ou o júri?”, contou, em 2015, no discurso de agradecimento por entrar para o Creative Hall of Fame, do The One Club, em Nova York. Ele foi o primeiro publicitário não anglo-saxão a receber a honraria da ONG, cuja missão é apoiar a comunidade criativa global.
Prêmios e mais prêmios
Em 55 anos de carreira, Olivetto conquistou mais de 50 Leões em Cannes — o primeiro de Ouro foi, em 1972, com a campanha Homem com mais de 40, em que condenava o etarismo, muito tempo antes de o termo virar bandeira.
Ele foi o único latino-americano a ganhar um Clio Awards. Foi nomeado um dos 25 publicitários-chave do mundo pela revista britânica Media International e eleito duas vezes publicitário do século pela ALAP (Associação de Agências Latino-Americana) e pelo site de notícias Monitor Mercantil.
Sagrou-se ainda o criativo mais premiado dos últimos 30 anos no Profissionais do Ano, festival de publicidade organizado pela Rede Globo. Apesar dos convites, nunca aceitou fazer campanha política.
Duas de suas propagandas são as únicas brasileiras na listas dos 100 melhores comerciais de todos os tempos.
Uma delas é de 1987, para a Valisère. No filme, uma pré-adolescente, às voltas com transformações de seu corpo, fica maravilhada ao ganhar um sutiã de presente da mãe. O sucesso foi tanto que seu slogan virou bordão: “O primeiro Valisère a gente nunca esquece”.
O outro anúncio tido como um dos mais criativos da história da publicidade foi para o jornal Folha de S. Paulo, no ano seguinte.
Batizado Hitler, o filme começa com pontos pretos sobre fundo branco. Conforme a imagem vai se abrindo, o locutor narra: “Este homem pegou uma nação destruída, recuperou sua economia e devolveu o orgulho a seu povo...”. Finalmente, quando o retrato do ditador nazista aparece na tela, o narrador encerra com “é possível contar um monte de mentiras só falando a verdade”.
"Ficou espetacular"
Teve (muito) mais. Quem esquece o Garoto Bombril? Tímido e desajeitado, o ator Carlos Moreno ficou no ar por 26 anos ininterruptos. Foram mais de 300 filmes, entre 1978 e 2004.
Por muito tempo, os cachorros da raça dachshund foram identificados como “os cachorrinhos da Cofap”, por causa do comercial criado para a empresa de peças automotivas e levado ao ar em 1990. Dois anos depois, o slogan para um dos chocolates mais populares do Brasil também se transformou em bordão. “Compre Baton, compre Baton...”, dizia a garotinha, caracterizada como cartomante.
Houve ainda o “casal Unibanco”, lançado em 1993. Ao longo de uma década, várias duplas protagonizaram a propaganda, entre elas Debora Bloch e Luiz Fernando Guimarães. Mais um bordão: “Aquela Lúcia Helena, do Unibanco, mima muito você, Flávio Horácio”, dizia a velhinha, interpretada pela atriz, enaltecendo a gentileza dos gerentes do banco.
Olivetto era um inovador nato. Em algumas peças, citou e mostrou concorrentes de produtos para os quais havia sido contratado para anunciar. Em 1988, por exemplo, na campanha para o amaciante Mon Bijou, da Bombril, o garoto-propaganda diz: “Impressionante o sucesso que este produto está fazendo. E olha que fazer sucesso tendo um concorrente como o Comfort não é fácil (...) Comfort você também é bom. Não precisa ficar chateado”.
O publicitário aproveitava com maestria os acontecimentos do momento para criar anúncios de oportunidade.
Quando o papa João Paulo II condenou, em 1979, o uso de anticoncepcionais, Olivetto desenvolveu uma ação para a marca de preservativos Jontex: "o anticoncepcional sem contraindicações".
"Acertamos em cheio! Ficou espetacular", comemorou ele, recentemente, na apresentação da propaganda, em seu podcast W/Cast. "Inclusive ganhou o Leão de Ouro, em Cannes. Valeu a pena."
O "W" imortalizado
Nascido em 29 de setembro, no bairro paulistano da Lapa, o publicitário descendia de italianos da Ligúria. Na virada de 2001 para 2002, viveu o período mais aterrador de sua vida. Na noite de 10 de dezembro, enquanto ia do trabalho para casa, na capital paulista, Olivetto foi sequestrado. Passou 53 dias em poder dos bandidos.
Em 2017, ele se mudou para Londres com a mulher Patrícia Viotti e os filhos Homero, Antônia e Theo. Mas sempre vinha ao Brasil. Nessas ocasiões, ficava no apartamento da família em Ipanema, no Rio.
Por 16 anos, Olivetto trabalhou na agência DPZ, uma das mais respeitadas da época. Saiu em 1986, passou um tempo na suíça GGK, mas logo depois fundou a W/Brasil.
Cerca de 14 anos atrás, ele se associou à americana McCann Erickson. Insistiu, insistiu e conseguiu incluir o W no nome da empresa. Como conta em O que a vida me ensinou, um dos vários livros escritos pelo publicitário: “Percebi o óbvio: não sou eterno e gostaria de deixar a marca W imortalizada”. Era sobre isso — a herança do legado W para a publicidade global.