São tempos paradoxais. Se quisermos sobreviver ao caos climático, precisamos desacelerar. Mas precisamos correr, como concluiu o escritor e professor israelense Yuval Noah Harari, autor do best-seller Sapiens e do recém-lançado Nexus, em palestra, na semana passada, na Feira de Frankfurt, na Alemanha.
E a corrida rumo a um planeta mais verde depende de nossa competência (e celeridade) em levar uma economia movida, há séculos, por combustíveis fósseis para um sistema baseado em fontes renováveis.
Nessa jornada, os minerais e minérios são imprescindíveis para alimentar os carros elétricos, as fazendas solares, os parques eólicos... e, assim, a mineração se torna ainda mais importante no futuro do que jamais foi no passado.
Os esforços para levar a atividade nas minas à transformação socioambiental não dependem apenas das mineradoras. Todas as parte interessadas devem se mobilizar — o que inclui os governos, as companhias clientes e os donos do dinheiro.
"Os investidores têm tanto o poder de incentivar empresas e ações realmente sustentáveis quanto o de cobrar a criação e a prática de parâmetros ambiental e socialmente corretos", diz Julio Nery, diretor de sustentabilidade e assuntos regulatórios do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), em entrevista ao NeoFeed.
Publicado recentemente, o novo relatório do Global Investor Commission on Mining 2030 serve como uma espécie de bússola para os investimentos no setor. Batizado Landscape Report: The Role of Investors in Realising an Environmentally and Socially Responsible Mining Industry, o documento esmiúça os princípios-chave para adequar os financiamentos da indústria minerária às metas estabelecidas para conter o aquecimento global.
Fundada em 2022, a coalizão reúne gestoras e fundos de pensão interessados em tornar a mineração mais sustentável. Com cerca de US$ 15 trilhões em ativos sob administração, o grupo reúne alguns dos mais investidores do mundo, como a Allianz Investment Management e o California State Teachers' Retirement System.
"Quando o assunto é mudança climática, as apostas são altas. Portanto, mineração sustentável é fundamental para incentivar as tecnologias limpas para uma economia de baixo carbono", diz Barend Peterson, vice-presidente da comissão, em comunicado. "Precisamos traçar parâmetros efetivos de sustentabilidade para gerenciamento de sistemas e a comunidade de investidores institucionais é ideal para isso."
Entre as recomendações estão, por exemplo, a necessidade de priorizar a alocação de capital na promoção de incentivos a companhias que demonstrem estar adotando as melhores práticas.
Os gestores também devem apoiar o crescimento financeiro da economia circular, inclusive cobrando dos governos políticas de incentivo à infraestrutura para o desenvolvimento e a consolidação do modelo. Ponto importante, o Landscape Report sugere também suporte à restauração da lavra, depois de encerrado um projeto de mineração.
Apoio aos países ricos em minerais
"Investidores responsáveis não podem ignorar a necessidade de expandir o setor mineral e os desafios atrelados a isso. Eles também não podem ignorar o papel sistêmico que devem desempenhar para permitir que as demandas futuras sejam atendidas por operações mais responsáveis e para que países ricos em minerais sejam recompensados com benefícios duradouros", lê-se no relatório.
Para Leandro Rossi, diretor do Mining Hub, os investidores são agentes fundamentais da transformação. “Não apenas fornecendo capital, mas ajudando a moldar o futuro da mineração através do suporte às startups que estão impulsionando a inovação sustentável", diz ele, em conversa com o NeoFeed.
Lançado em 2019, em Belo Horizonte, o Mining Hub é a primeira comunidade de inovação aberta do mundo focada única e exclusivamente na cadeia da indústria minerária
Rossi cita exemplos de iniciativas já em curso. "Na Finlândia, há um ecossistema robusto onde investidores e startups trabalham juntos para criar tecnologias que aumentam a recuperação de minerais e minimizam os resíduos”, conta ele. “Outra prática é a parceria com universidades para criar hubs de pesquisa voltados para tecnologias limpas, como está sendo feito na Universidade de Queensland, na Austrália, fortalecendo a conexão entre inovação e o setor minerador."
Na opinião do executivo, os gestores estão cada vez mais conscientes do papel que exercem na mineração sustentável. Muitos já enxergam, inclusive, o valor estratégico de práticas ESG nas operações.
"A tendência é clara: os investidores não estão apenas procurando retornos financeiros, mas também impactos positivos. Países como o Canadá e a Austrália estão adotando normas rigorosas e criando incentivos para práticas sustentáveis na mineração, servindo de modelo para outras regiões”, conta Rossi. “A implementação de padrões globais, como os da Iniciativa de Mineração Responsável (IRMA), tem permitido que empresas se destaquem pela transparência e boas práticas, atraindo investidores que buscam mitigar riscos e promover mudanças positivas."