Depois de participar, no Rio de Janeiro, da Cúpula do G20, Xi Jinping estendeu sua estadia no Brasil. Na quarta-feira, 20 de novembro, já em Brasília, ele e Luiz Inácio Lula da Silva assinaram 37 acordos comerciais nas mais diversas áreas, do agronegócio à tecnologia. Desde 2009, a China é a principal parceira comercial do Brasil. Nesse caminho sem volta, em meio a um mercado global vacilante e instável, é importante deixar qualquer discussão ideológica de lado e conhecer mais e melhor nosso maior cliente.

O livro A Nova China – Para Além do Capitalismo e do Socialismo, de Keyu Jin, que acaba de ser lançado por aqui, é uma opção para compreender a segunda maior potência econômica do planeta. Sobretudo porque é uma das raras análises sobre a economia chinesa feita por uma economista chinesa, que conhece muito bem o Ocidente.

Não é novidade que, embora a economia da China tenha tamanho poder, a compreensão ocidental geralmente se baseia em suposições ultrapassadas e informações incompletas. Não por acaso, A Nova China tem recomendação ilustre de Tony Blair, o ex-primeiro-ministro do Reino Unido.

Para ele, a autora aprofunda o estudo dos mecanismos de um sistema único, dando um olhar sutil, claro e baseado em dados sobre o funcionamento de um país que se identifica como comunista, mas que opera segundo os preceitos do capitalismo.

"A maior mudança geopolítica do século 20 será o fim do domínio político e econômico exclusivo do Ocidente. A ascensão da China está no cerne dessa mudança e Keyu Jin é uma pensadora brilhante para nos levar através de suas implicações da perspectiva de alguém que entende tanto a China quanto o Ocidente. É essa combinação de percepção interna e externa que torna seu livro uma leitura essencial”, afirma Blair.

Além de contar como tudo isso aconteceu nos últimos 35 anos, ela mostra que a China está entrando em uma nova era, que em breve será moldada por uma geração mais jovem — e radicalmente diferente.

Das consequências de longo alcance e inesperadas da política do filho único da China ao relacionamento complexo do governo com empreendedores, de seu turbulento sistema financeiro ao seu último surto de tecnonacionalismo, o país mostrado revelado pela economista avança por meio de uma dinâmica frequentemente mal compreendida.

Keyu Jin é professora associada de economia da London School of Economics (LSE). Sua carreira inclui atuação por um longo tempo no Banco da China, no Banco Mundial e no Fundo Monetário Internacional (FMI). Nascida e criada na China, graduou-se e se pós-graduou em economia pela Harvard University, nos Estados Unidos. Atualmente, vive com sua família entre Londres e Pequim.

Nessa espécie de guia, ela explica que o país opera segundo um novo manual para inovação e tecnologia que deve ter enorme impacto na economia global nesta década. Como especialista em economia bicultural, ela busca desmistificar também uma série de pontos sobre a China, por conhecer tão bem não só economia como os hábitos e costumes tanto orientais quanto ocidentais.

O peso da desinformação

A “nova China” é produto de um modelo próprio, desenvolvido em alinhamento com suas condições e sua cultura. “Uma abordagem que desafia conceitos convencionais e vem demonstrando resultados há décadas”, escreve Keyu Jin.

Keyu Jin desvenda o que chama de enigma chinês — de seu mercado consumidor ao desenvolvimento de grandes empresas, da atuação do Estado à inserção na economia global. A Nova China descreve os passos que levaram os chineses à formação de um novo paradigma econômico mundial. E mostra como é possível conciliar tudo isso — o que costuma parecer contraditório aos olhos ocidentais.

Para isso, a autora vai do passado comunista radical do país entre as décadas de 1940 e 1970 à mudança de rota nas três últimas décadas e seu potencial futuro.

Como chinesa, formada economista nos Estados Unidos e professora na Inglaterra, Keyu Jin conhece bem as culturas oriental e ocidental (Foto: Edipro)

Com 320 páginas, o livro custa R$ 89 (Foto: Edipro)

Na apresentação, ela escreve que seu objetivo é fazer com que a China possa ser lida em sua língua original, e seu povo, sua economia e seu governo ser compreendidos de tal modo que a verdade não se perca na tradução, como tantas vezes acontece. E ela percebeu isso, quando foi estudar nos Estados Unidos, em um programa de intercâmbio, aos 17 anos de idade:

“Fora da escola, toda vez que eu dizia que vinha da China continental, era bombardeada com perguntas. Quando a China se tornará uma democracia? Vocês se sentem oprimidos? Como conseguem se levantar pela manhã sabendo que não podem eleger seu próprio presidente? Quando a economia chinesa vai parar de crescer?”.

Graças à família americana com quem morou, a jovem estudante teve contato direto com a vida política dos Estados Unidos. “Fiz contato com muita gente bem-informada, que conhecia profundamente a política, mas essas pessoas me surpreenderam ao fazer as mesmas perguntas que meus colegas faziam. Estava ficando claro para mim que até os estadunidenses mais cultos tinham um entendimento simplista da vida na China”, lembra.

Mas a China que eles imaginavam não tinha nada a ver com aquela que ela conhecera em sua vida cotidiana. “Além do que, em 1997, uma mudança imensa já estava em curso em meu país”, conta.

“E todo verão, quando eu voltava a Pequim durante os anos em que fiz graduação e pós-graduação em Harvard, a silhueta da cidade me espantava com suas últimas transformações”, conta. “Ainda assim, boa parte do mundo continua fazendo as mesmas perguntas e comparando a China com os antigos países comunistas, cujos regimes eram repressivos e autocráticos”.

A importância dos "prefeitos"

Entre as transformações de grande impacto, Keyu Jin cita a confluência entre os consumidores, as empresas e o Estado (que exerce um poder significativo sobre o sistema financeiro), que resultou em um sistema híbrido que incorpora elementos tanto da economia de mercado quanto da "economia dos prefeitos".

Para a autora, “o tamanho e o poder do Estado chinês são maiores que o tamanho e o poder dos Estados ocidentais, o que se reflete no fato de que o Estado chinês tem à sua disposição um número muito maior de ferramentas e instrumentos, além de um leque mais amplo de missões e objetivos”.

Por outro lado, o Estado tem uma capacidade única de mobilizar a ação coletiva em favor das metas da nação. Além de poder alocar recursos e criar incentivos, pode impor obrigações e executar penas.

Uma segunda característica que diferencia o sistema chinês é o fato de a centralização política ser combinada com a descentralização econômica. O governo central estabelece a direção estratégica, mas são as autoridades locais que executam as diretrizes.

Os “prefeitos” são partes interessadas no desenvolvimento do território sob sua jurisdição. Fazem isso ao dar apoio a boas empresas privadas, constroem um polo industrial e uma economia pujante cujos efeitos se multiplicam: mais PIB, mais empregos e um aumento nos preços dos imóveis.

Desse modo, na busca por resultados, eles arrecadam mais impostos e sobem na hierarquia política. “É por isso que, ao contrário das nossas suposições mais arraigadas sobre o Estado, as autoridades locais tendem mais a ajudar do que a tomar tudo para si”, escreve a autora.

A terceira característica do modelo chinês de crescimento é que aspectos de sua economia ainda estão nascendo: suas instituições, como os sistemas jurídicos, os órgãos reguladores e as normas contratuais têm melhorado, mas ainda são fracas.

Em uma economia com muitas falhas e lacunas institucionais, é o Estado quem abre ou fecha as portas para qualquer negócio que pretenda superar uma grande variedade de obstáculos para se estabelecer e poder funcionar.

Com isso, explica a economista, surgiu na China uma intimidade entre o Estado e o setor privado que não tem paralelo em nenhum outro lugar do mundo. Em mercados imaturos, o Estado pode fazer muitas coisas boas.