Se não bastasse o fato de estar em recuperação judicial desde 2022, a Rossi viu seus alicerces serem ainda mais abalados nos últimos meses. O imbróglio envolve, de um lado, o ex-CEO, Fernando Miziara, e os irmãos Renata e João Paulo Rossi, ex-diretores e membros da família fundadora da empresa.
No canto oposto desse ringue está a atual gestão da construtora e incorporadora, que destituiu o trio de suas funções a partir de outubro de 2024, quando assumiu o comando da operação. E que apresentou novas armas, nesta semana, para esse confronto.
Em um fato relevante divulgado na noite da terça-feira, 11 de fevereiro, a Rossi anunciou a convocação de uma assembleia geral extraordinária (AGE) para submeter uma proposta de ação de responsabilidade civil contra seus três “oponentes”. Além da destituição dos irmãos do conselho de administração.
Distribuída em 381 páginas, a convocação foi acompanhada de um extenso pacote de documentos fruto de uma apuração interna realizada nos últimos dois meses e meio pela Kroll, empresa de auditoria. E promete aquecer ainda mais essa disputa.
“Ainda temos muitos documentos para serem analisados. Mas é possível identificar indícios, aparentemente, desde 2016”, diz Nicolas Paiva, presidente do conselho de administração da Rossi, ao NeoFeed.
“A administração optou, por ora, por indicar esses três nomes, porque já tem provas robustas em relação a eles”, afirma ele. “Temos e-mails mostrando que havia uma administração paralela entre os irmãos, onde se negligenciou toda a administração e a governança da companhia.”
Entre o amplo leque de supostas fraudes identificadas, há casos de celebração de contratos irregulares com parentes do trio. Além da transferência de ativos da Rossi com declaração de quitação, mas sem comprovações de pagamento. E com a anuência dos irmãos.
Procurados pelo NeoFeed, os irmãos Rossi e Fernando Miziara se posicionaram por meio de uma nota conjunta (leia a íntegra no fim da reportagem). Entre outros pontos, eles ressaltaram que a ação de responsabilidade civil proposta pela atual gestão não é resultado de uma investigação formal. E fazem menção a outro ator nesse caldeirão.
“Os conselheiros que capitanearam a investida são indicados por um acionista condenado em diversas ocasiões pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e que, recentemente, teve seus direitos políticos na Rossi cassados”, afirmam, em uma referência ao investidor Silvio Tini.
Sobre essas alegações, Paiva diz que ele, que está no conselho há dois anos e que preside o board desde agosto de 2024, foi eleito por unanimidade. Inclusive pelos membros da família. Assim como os demais membros do colegiado.
“A participação do Silvio Tini na companhia não é nova. Ele é acionista, se não me engano, desde 2017. Então, não é nem um fato novo”, diz. “É claramente uma cortina de fumaça para tentar desqualificar e colocar em xeque o trabalho que está sendo realizado.”
Nesta entrevista, Paiva dá mais detalhes sobre algumas das supostas fraudes cometidas e comenta os possíveis impactos dessas práticas, inclusive, para que a companhia entrasse em recuperação judicial. Confira:
Como é presidir o conselho de uma empresa em meio a esse turbilhão, que já estende por meses?
Vou completar dois anos no conselho e nunca houve um ponto divergente. Essa ruptura ocorreu quando começamos a pedir informações. A ponto de ter uma agressividade desproporcional. O que chamou nossa atenção foi o fato de que não era natural que o até então CEO se manifestasse dessa maneira, o que acabou sendo corroborado pelos outros dois conselheiros. A partir daí, houve a ruptura. Foi de zero a 180 graus de uma vez só. Até o ponto de precisar da participação de advogados no conselho.
E o que levou à decisão de instaurar uma apuração interna?
Antes disso, a substituição do CEO foi porque ele começou a não cumprir as ordens do conselho. E, como qualquer empresa, sempre que há uma destituição, se pede para entregar os computadores e os bens da companhia. E houve uma resistência muito grande. E quando foi entregue, foi alterado o HD, tudo foi deletado. A partir daí, a Renata Rossi também começou a atuar de uma forma ativa para tentar negligenciar informações, a ponto de também precisar ser substituída. E ela também se opôs a entregar o computador. Então, a gestão começou a fazer um levantamento do que poderia ter acontecido. E não só por esses atos, mas até por uma questão diligente de tirar uma fotografia do que aconteceu para respaldar o daqui para frente. E começaram a surgir documentos e informações internas graves.
Quais foram as principais irregularidades detectadas?
A lista é grande. A primeira foi o pagamento para empresas de familiares. Tem empresa em nome do pai do antigo CEO, da esposa do antigo CEO, em nome do marido da Renata. E em valores altos. Isso, por si só, já é uma irregularidade grave, especialmente numa companhia aberta.
Há outros exemplos?
Uma questão básica de qualquer companhia é sempre ter a assinatura de dois diretores. E começou a se verificar que houve assinaturas da Renata, exclusivamente como diretora, representante da Rossi, com ela mesmo contratada do outro lado. Ela contratando, assinando sozinha. E aí tem uma sucessão. Ela sozinha assinando pela Rossi contratando o pai do Fernando Miziara. E é uma rede. Havia outros fatores bastante graves.
Quais?
Eles faziam uma forma de dação em pagamento como bônus. Supostamente havia um bônus de R$ 600 mil a ser pago para esse diretor, ele emitia uma nota nesse valor, escolhia um apartamento da Rossi em valores de mercado equivalente a R$ 2 milhões, R$ 2,5 milhões. E temos troca de e-mail entre eles, dizendo: escolhe quanto desconto você quer nesse apartamento. E transferia para ele R$ 600 mil. E na escritura, ao invés de constar a dação em pagamento, era uma compra e venda, com os diretores assinando como anteriormente quitado. Esse dinheiro não entrava na companhia e depois de dois anos eles pediam para fazer uma baixa contábil, como se fosse um crédito a receber. É fraude do início ao fim.
E, do que foi apurado, qual era a participação do João Paulo Rossi?
Nós identificamos escrituras trocadas, assinadas por ele, dando quitação dentro dessas fraudes que eu comentei. Então, evidentemente, ele sabia que o dinheiro não havia entrado na companhia e estava dando quitação. Ou seja, estava diluindo o patrimônio da companhia, transferindo um ativo sem contrapartida. E temos e-mails mostrando que havia uma administração paralela entre os irmãos, onde se negligenciou toda a administração e a governança da companhia.
Essas supostas fraudes vinham sendo cometidas há quanto tempo?
Ainda tem muitos documentos para serem analisados e alguns relatórios que vão ser emitidos. Mas é possível identificar indícios, aparentemente, desde 2016.
Se a apuração aponta para um período tão extenso, houve falha do conselho nesse processo?
Nós temos e-mail deles combinando o jogo para não passar informações sobre ativos da companhia para o conselho. Há questionamentos de conselheiros e eles combinam o jogo entre eles para sonegar essa informação. O mesmo foi feito em relação a questionamento de remuneração para sonegar o conselho fiscal. Então, tudo isso foi passando. Passou por auditoria independente, passou pelo conselho fiscal. E é preciso levar em consideração que estamos falando de uma empresa que, embora seja de capital aberto, foi sempre administrada pela família fundadora. Da diretoria até o conselho, tudo era centralizado na família. Então, até a chance de ter algum tipo de denúncia era inócua.
"Temos e-mails mostrando que havia uma administração paralela entre os irmãos, onde se negligenciou toda a administração e a governança da companhia"
E já é possível estimar qual é o tamanho do prejuízo gerado por essas práticas?
Ainda não. Certamente, são valores consideráveis. Nós estamos num cenário que, possivelmente, se esses atos não tivessem acontecido, a companhia sequer estaria em recuperação judicial. Só para se ter uma dimensão. A companhia pediu recuperação no fim de 2022. E, apenas nesse ano, foram pagos R$ 10 milhões para o CEO, muito acima do que a AGO havia determinado como remuneração.
Essas práticas estavam restritas aos irmãos Rossi e ao Fernando Miziara ou há outros nomes envolvidos?
Eu não posso abrir ainda nome de possíveis pessoas envolvidas, por uma questão de sigilo e fiduciária. Mas, aparentemente, pode ter outros envolvidos. Não necessariamente da companhia, além dos parentes dessas pessoas que já mencionamos. A administração optou, por ora, por indicar esses três nomes, porque já tem provas robustas em relação a eles. Até porque dois deles ainda estão no conselho da companhia, então, seria até negligente mantê-los e não tomar uma atitude.
O conselho e a gestão estudam outras medidas além da ação de responsabilidade civil?
Eu não posso ser taxativo, mas outras medidas estão em análise. Quando tivermos o relatório final, que deve ser concluído antes da AGE, iremos compartilhar com o escritório que está nos assessorando para avaliar todas as medidas cabíveis para que a empresa seja indenizada.
A outra parte alega que a ação não é resultado de uma auditoria independente e é fruto de sucessivas derrotas da atual gestão na Justiça. Como você enxerga essas afirmações?
Primeiro, existem quatro arbitragens e há muito mais decisões desfavoráveis para os irmãos Rossi do que favoráveis. E há, sim, uma auditoria independente que foi contratada e que já é de conhecimento dos irmãos, inclusive porque isso foi mencionado em reunião do conselho. Essa questão da auditoria independente faz parte da argumentação deles, no sentido de tentar desqualificar o trabalho que foi feito. Mas os e-mails falam por si só, né? As escrituras públicas falam por si só.
Outra questão é a acusação de que a atual gestão e o board estariam agindo sob a orientação do Silvio Tini, que estaria tomando a companhia de assalto. Como você rebate essa alegação?
Os fatos também comprovam isso. Começa com essa questão da suposta falta de independência dos conselheiros. Eu entrei na companhia no comitê imobiliário, trabalhando diretamente com o senhor João Paulo Rossi. E depois de meses trabalhando com ele, meu nome foi submetido à Assembleia Geral e ele, enquanto acionista, também me elegeu. Eu fui eleito por unanimidade pelos acionistas. Não estou ligado a nenhum acordo de votos. Eu e todos os outros conselheiros, que foram eleitos da mesma maneira. Se essa narrativa fosse verdade, porque que essa ruptura só aconteceu, coincidentemente, no momento em que identificamos a necessidade de melhorar a governança da companhia?
E quanto às acusações relacionadas ao Silvio Tini?
A participação do Silvio Tini na companhia não é nova. Ele é acionista, se não me engano, desde 2017. Então, não é nem um fato novo. E a única coisa que poderia desqualificar os conselheiros era justamente tentar vincular ao Silvio Tini. É claramente cortina de fumaça para tentar desqualificar e colocar em xeque o trabalho que está sendo realizado. Agora, independentemente da participação do Silvio Tini na companhia ou não, o que está em jogo aqui são as fraudes que foram identificadas por má gestão dos antigos administradores.
"Nós estamos num cenário que, possivelmente, se esses atos não tivessem acontecido, a companhia sequer estaria em recuperação judicial"
O quanto todo esse imbróglio torna o cenário da Rossi, que está em recuperação judicial, ainda mais desafiador?
É evidente que isso foi pesado, mas tem uma questão de responsabilidade fiduciária, de trazer isso ao mercado, a partir do momento que você toma conhecimento. Não há escolha. Acho que a mensagem como presidente do conselho é que, desde outubro, houve uma profissionalização da diretoria. Não tenho como fazer uma previsão, mas estamos otimistas sobre perspectiva de sair da RJ. E, de qualquer maneira, o que foi identificado veio de pessoas que, a partir de agora, não estariam mais relacionadas à gestão da companhia. O Miziara já saiu da empresa e, se assim os acionistas entenderem e aprovarem, os irmãos também deixarão de ser membros do conselho.
Caso esse seja o caminho decidido pelos acionistas, qual é o saldo que fica para a Rossi?
Com a profissionalização da companhia, a perspectiva tende a melhorar, porque agora, depois de uma bomba como essa, o que resta, evidentemente, com todos os holofotes sobre a empresa, é trabalhar na governança e, cada vez mais, na transparência.
* Confira abaixo, a íntegra do posicionamento dos irmãos Rossi e de Fernando Miziara
A ação de responsabilidade civil proposta pelos atuais administradores não é resultado de auditoria independente, ou seja, não existe investigação formal.
A investida persecutória dos atuais administradores ocorre depois de sucessivas derrotas sofridas na Justiça, nos processos de arbitragem e na CVM, envolvendo disputa societária.
Os conselheiros que capitanearam a investida são indicados por um acionista condenado em diversas ocasiões pela CVM e que, recentemente, teve seus direitos políticos na Rossi cassados.
Os citados reiteram o compromisso com as melhores práticas de governança corporativa e jamais cometeram qualquer irregularidade.
Seguem comentários sobre alguns pontos específicos:
A Rossi diz que pagou uma remuneração total acima do teto permitido pelo assembleia geral ordinária (de acionistas)
Isso nunca ocorreu: os atuais administradores levaram em consideração valores de remunerações referentes a diferentes anos/exercícios, como se fossem de um só, ou seja, propositalmente, misturam fluxo de caixa com ano de competência; Consideraram verbas de reembolso, que não são remuneração; Todas as remunerações foram previamente aprovadas em assembleia; Todas as contas foram auditadas e aprovadas posteriormente pelos acionistas.
A Companhia pagou executivos com imóveis (não havia caixa)
É praxe de qualquer companhia em recuperação judicial, a Rossi estabeleceu garantias de remuneração aos executivos para o caso de não haver recursos em caixa, o que acabou acontecendo; Tal modalidade de remuneração foi aprovada pelo Conselho de Administração da companhia;
Outros diversos colaboradores receberam nesta modalidade e não estão sendo responsabilizados.
Os antigos administradores se negaram a passar informações a respeito da Acro
Isso nunca ocorreu: há atas de dezenas de reuniões mensais com o presidente do Conselho de Administração em que havia total e irrestrito compartilhamento das informações, além de debates sobre ações a serem tomadas a respeito do ativo; essa mesma questão foi objeto de uma das várias decisões judiciais em que os atuais administradores saíram derrotados; a mudança de estrutura teve como objetivo proteger os ativos, como atesta uma sentença judicial que tratou do tema;
Um dos sócios da companhia – na prática, o atual controlador, Silvio Tini – tentou se apossar do ativo com uma investida objetiva: nomear uma funcionária de uma de suas empresas como diretora operacional com plenos poderes sobre a Acro. Há áudios de um dos atuais conselheiros confessando a trama.