A decisão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de vetar 63 dispositivos do Projeto de Lei Geral do Licenciamento Ambiental (PL 2159/2021), na última sexta-feira, 8 de agosto, voltou a criar uma nuvem de incerteza em torno da pavimentação completa da BR-319, rodovia de 885 km que liga Manaus e Porto Velho.

Entre os dispositivos alvos do veto presidencial estava o que autorizava a dispensa de licenciamento para rodovias pavimentadas - incluído no PL pelo senador Eduardo Braga (MDB-AM), um dos parlamentares engajados nas obras da rodovia, assunto que há anos opõe as bancadas do Amazonas e de Rondônia e ambientalistas.

O veto presidencial jogou por terra uma grande articulação política amarrada em julho envolvendo o Ministério dos Transportes, o Ministério do Meio Ambiente, os governos do Amazonas e Rondônia e as bancadas desses estados no Congresso Nacional para pôr fim a um dos maiores símbolos de abandono do poder público de décadas em relação à Amazônia.

Trata-se do chamado “trecho do meio” da rodovia – um corredor de 400 km, cercado pela floresta e comunidades indígenas, que desde 1988 deixou de receber manutenção por disputas ambientais.

Com isso, durante o inverno amazônico - o período chuvoso que vai de novembro a maio -, o trecho do meio da BR-319 fica intransitável, com a lama tornando a viagem num rally interminável na única rodovia que liga Manaus ao resto do País.

“Entre ouvir o povo do Amazonas, que clama há mais de 30 anos pela BR-319, e ouvir a opinião da Marina Silva, o presidente Lula ficou com a ministra “, lamentou o deputado federal Fausto Júnior (União-AM), numa mostra da polarização que sempre marcou o debate sobre a BR-319.

O governo federal informou que os dispositivos vetados serão substituídos por um novo projeto de lei com texto alternativo, a ser analisado em regime de urgência, para evitar lacunas regulatórias e unificar normas ambientais em um marco legal único.

Mas é indisfarçável o clima de desânimo que se abateu sobre políticos e boa parte da comunidade empresarial da Zona Franca de Manaus após o anúncio do veto que atinge a a rodovia.

Concebida pelo governo militar e inaugurada em 1976, a BR-319 só operou por 12 anos com asfalto ao longo dos seus 885 quilômetros. Dois fatores levaram à deterioração do chamado trecho do meio – a crise econômica dos anos 1980, que drenou recursos de sua manutenção e, depois, as seguidas disputas ambientais, que acabaram levando ao seu completo abandono.

Trajeto da BR-319, de 855 km de extensão

Trecho do meio da BR-319: 400 km de terra e lama

A BR-319 atravessa uma das regiões mais sensíveis do ponto de vista socioambiental na Amazônia. Ao longo de seu trajeto, encontram-se terras indígenas, que correspondem a 19% da área de influência da rodovia, além de 32,8% ocupados por unidades de conservação, assentamentos rurais, glebas públicas sem destinação definida e propriedades privadas sem regularização fundiária.

Durante o período de seca, a rodovia é transitável em toda a sua extensão. Mas ambientalistas alegam que, caso seja inteiramente reconstruída, o movimento ao longo do ano poderá irradiar o desmatamento em um raio de até 150 quilômetros a partir de suas margens.

Augusto César Barreto Rocha, doutor em engenharia de transporte e acadêmico da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), afirma que é preciso tomar uma atitude em relação ao trecho do meio.

Rocha admite que a questão ambiental é importante, mas manter a BR-319 abandonada no trecho em que mais afeta o bioma com medo de uma suposta ocupação irregular é ainda pior.

“A floresta continua pegando fogo sem a presença do Estado, o que precisamos, no caso da BR-319, é tratá-la com governança, loteando-a com os vários órgãos de controle de Estado, Ibama, Exército, Polícia Rodoviária Federal e etc”, diz.

Rocha lista uma série de vantagens com o asfaltamento completo da rodovia para a Região Norte. “Cerca de 65% da malha de transporte do Brasil é rodoviária, só Manaus fica de fora”, afirma o acadêmico, lembrando que a BR-319 e a única ligação por terra de Manaus com o resto do País.

O custo econômico desse isolamento pode ser calculado com preço do frete de cabotagem para Manaus. “A redução do custo de logística no período de seca, quando é imposto uma sobretaxa de cabotagem de US$ 1.500 por contêiner, seria de 90%”, diz Rocha, citando a abertura de uma rota segura pelos 885 km da BR-319 durnte o ano inteiro.

Há ainda o benefício às cidades à beira da BR-319, que pagam mais caro por alimentos e mantimentos no período de chuva, quando ficam isoladas. “O debate ambiental sempre teve a dinâmica de desconsiderar quem vive na região”, lamenta.

Licença Prévia

O impasse em torno do que fazer com o trecho do meio começou a ser deixado de lado em 2022, quando o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) emitiu uma licença prévia (LP) autorizando a pavimentação do trecho do meio – o asfalto original foi engolido pela floresta ainda no século passado.

Mesmo assim, ainda não há licença de instalação por causa das seguidas decisões judiciais contrárias à obra, a última delas decretada em julho.

Antes disso, os senadores Eduardo Braga e Omar Aziz (PSD-AM) já haviam convencido o presidente Lula a incluir a rodovia no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), liberando recursos para resolver o problema.

Neste momento, a BR-319 tem obras de recuperação e manutenção em toda sua extensão. Após acordo fechado em julho com o Ministérios dos Transportes, o Ministério do Meio Ambiente liberou licenças ambientais pra fazer micro e macro drenagem nos atoleiros habituais.

O Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes ) passou a utilizar uma tecnologia conhecida como “rachão”, que permite aumentar o nível da pista em até um metro, usando pedras, brita, seixo e areia. Também foi trocada toda a madeira das 56 pontes espalhadas pelos quase 900 quilômetros da rodovia e concedida licença ambiental para o asfaltamento dos primeiros 52 quilômetros, que vão do Km 198 ao Km 250.

Resta saber o que será feito para que os vetos presidenciais não impactem na continuação das obras. Procurada pelo NeoFeed, a assessoria de imprensa do Dnit não retornou.