Enquanto o Senado ainda vive um clima de tensão provocado pelo motim de parlamentares da direita associados ao bolsonarismo, e que impediam votações de projetos na volta do recesso, o presidente Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) tem pela frente a discussão em torno de um projeto que pode aliviar os cofres de municípios brasileiros, especialmente os mais endividados.

Aprovada em primeira discussão pela Câmara em julho deste ano, a PEC 66/2023 (Proposta de Emenda à Constituição) flexibiliza regras para pagamento dos chamados precatórios, que são dívidas contraídas por entes federativos (União, estados e municípios) com pagamentos não realizados de desapropriações, por exemplo, ou até débitos relacionados a salários, que são os precatórios alimentares.

Agora, o projeto volta para o Senado, para uma segunda votação. Mas ainda não há prazo para ser colocado na pauta de votação. No fim de 2024, o estoque de precatórios em atraso alcançou R$ 193 bilhões, sendo R$ 110,4 bilhões de responsabilidades dos governos estaduais e R$ 82,9 bilhões por parte das prefeituras.

Entre as novas regras, a PEC revoga o prazo-limite, hoje em vigor, para quitação dos precatórios, previsto para o exercício de 2029, o que daria cerca de quatro anos para que todas essas dívidas fossem pagas. Com a aprovação, essa delimitação de tempo fica anulada.

A questão é que essas mudanças na regra colocam em rota de colisão o setor financeiro e os prefeitos do Brasil. Os bancos alegam que a extensão do prazo vai ser custeada, na prática, pelos credores, que, em muitos casos, levaram anos discutindo na Justiça e já venceram ações. Já os governantes entendem que essa mudança vai garantir mais recursos para investimentos em outras áreas do município.

A Frente Nacional de Prefeitas e Prefeitos (FNP) tem atuado em Brasília para que a PEC possa ser aprovada definitivamente, já que a entidade entende que isso resultará em um fôlego extra para os cofres municipais.

Em junho, antes da aprovação da proposta pela Câmara, o vice-presidente de precatórios da FNP, Gilvan Ferreira (PSDB), que é prefeito de Santo André (SP), participou de audiência para apresentar os argumentos pró-PEC.

“A aprovação da PEC 66 no Congresso Nacional vai definir o futuro financeiro dos municípios. Em Santo André, estimamos uma economia na ordem de R$ 90 milhões por ano. Isso garante fôlego financeiro para que a administração invista em saúde e educação, por exemplo”, diz o prefeito, ao NeoFeed.

“Os credores têm todo o direito de receber, isso é inquestionável. Mas no atual cenário, as dívidas de precatórios prejudicam a saúde financeira das gestões municipais, e a aprovação da PEC vai atenuar esse cenário”, afirma Ferreira.

Em relatório, o BTG Pactual diz, no entanto, que a postergação trará prejuízos na outra ponta, que são os credores. “Com tetos de pagamento baixos, correção monetária inferior ao custo do capital e ausência de um prazo final para quitação, a proposta transfere parte do custo do ajuste aos credores e consolida um regime de postergação permanente dos pagamentos”, diz o documento, assinado pelo analista Fabio Serrano.

“Em vez de flexibilizar as regras atuais, inclusive para entes que não enfrentam dificuldades de pagamento, o ideal seria reforçar o regime existente, com a criação de instrumentos para um ajuste fiscal efetivo, capaz de liberar os recursos necessários para reduzir o estoque acumulado em um horizonte de tempo compatível com os direitos dos credores”, complementa o banco.

Pela medida que poderá entrar em vigor, ficará estabelecido um limite máximo anual para o pagamento de precatórios. Para as cidades com o menor volume de endividamento, por exemplo, o máximo que será usado para pagar essas contas não irá ultrapassar 1% da receita corrente líquida do município. No caso das que apresentam maior volume, o percentual será de 5%.

A PEC também estabelece um aumento de 0,5 ponto percentual nos limites máximos de pagamento a cada dez anos. Além disso, a medida autoriza a União, por meio de instituições financeiras estatais, a instituir linha de crédito para assegurar o pagamento dos precatórios.

Para o BTG, esse ponto em especial representa um risco, no fim das contas, para os cofres do governo federal. “Embora essa medida possa auxiliar os entes federativos a saldarem suas dívidas com credores privados, ela transfere o risco de inadimplência para a União e suas empresas, dificultando o controle das contas públicas.”

Nas contas realizadas pelos analistas do banco, dos 5.545 municípios, 1.230 seriam beneficiados com os pagamentos a partir da nova regra. Essas cidades representam 84% do volume pago em precatórios no ano passado. A redução acumulada nos pagamentos municipais seria de R$ 4,1 bilhões. Só na cidade de São Paulo, o desconto seria de R$ 900 milhões.

“Ao longo da próxima década, estimamos que o estoque de precatórios em atraso poderá ultrapassar R$880 bilhões caso as novas regras sejam aprovadas”, afirmam os analistas.

“Em vez de flexibilizar as regras atuais, inclusive para entes que não enfrentam dificuldades de pagamento, o ideal seria reforçar o regime existente, com a criação de instrumentos para um ajuste fiscal efetivo, capaz de liberar os recursos necessários para reduzir o estoque acumulado em um horizonte de tempo compatível com os direitos dos credores.”