Em maio de 2001, o executivo Pedro Parente, na época ministro-chefe da Casa Civil do presidente Fernando Henrique Cardoso, ligou para o consultor de gestão Vicente Falconi. O diálogo, retratado no livro “Vicente Falconi: o que importa é resultado”, da jornalista Cristiane Correa, foi assim:
- Professor, o país está numa crise de energia muito severa e nós precisamos do senhor aqui. Pode ser?
- Lógico que pode, respondeu Falconi. Mas tem uma coisa, Pedro. Nós temos que fazer a coisa com ordem, com método e metas, né?
- Por isso é que estou te chamando.
Para quem não se lembra, o Brasil viveu um racionamento de energia elétrica, conhecido popularmente como a crise do apagão, de junho de 2001 até fevereiro de 2002.
Na época, consumidores e empresas foram chamados a economizar energia para evitar um colapso do setor. Parente, hoje chairman da empresa de alimentos BRF, foi a cara por trás do racionamento. Ele deixou a Casa Civil e passou a se dedicar integralmente à Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica.
Nos bastidores, o professor Falconi, como ele é conhecido, foi o responsável pelo planejamento e pelo estabelecimento de metas. Ele, na época, já era um consagrado guru de gestão, admirado por empresários como Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles, Carlos Alberto Sicupira, Jorge Gerdau e tantos outros por usar o método PDCA (do inglês Plan, Do, Check, Act).
Relembrar a estratégia de racionamento do apagão pode ser útil para enfrentar a pandemia do coronavírus, uma crise bem diferente daquela do apagão. Mas, se olhada do ponto de vista de gestão, as lições podem ajudar no combate ao Covid-19.
1 – Decisões centralizadas
Na época, foi criada a já citada Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica, liderada por Parente. Ela era um comitê multidisciplinar da qual participavam uma dezena de pessoas, entre elas os então ministros Pedro Malan (Fazenda), Alcices Tápias (Desenvolvimento) e Martus Tavares (Planejamento), além do presidente do BNDES, Francisco Gros. Falconi era o único membro que não fazia parte do governo.
Esse comitê definiu todas as estratégias para enfrentar a crise do apagão e centralizou toda a comunicação relacionada ao tema. Todo dia, Parente dava uma entrevista coletiva à imprensa para explicar cada passo da crise.
2 – Metas
Quando participou da primeira reunião do comitê, Falconi quis saber quanto precisaria ser economizado para não haver um colapso do sistema de energia. Ninguém tinha a resposta.
Foi só então que a equipe saiu correndo atrás desse número. E, depois de algumas consultas, se chegou a conclusão que era necessário reduzir o consumo em 20% para se chegar até o fim do ano sem apagão. Por que o número era importante? Sem ele, não havia como fazer o planejamento do racionamento.
Com o número em mãos, Falconi começou a desdobrar as metas de consumo para mais de 176 milhões de brasileiros na época. O consultor dividiu a conta entre os vários setores: residencial, comercial e industrial. E, depois, desdobrou para subsetores.
Alguns exemplos dessas metas: os consumidores residenciais com gasto mensal acima de 100 kWh precisavam diminuir o consumo em 20%. As indústrias de 15% a 25%, dependendo do setor. Todos tinham uma meta a ser cumprida. E também punições caso não conseguissem ficar dentro das novas normas.
3 – Exemplos
Não basta estabelecer metas. É preciso dar o exemplo. E os líderes da gestão da crise do apagão assim fizeram. No apartamento em que morava com a família, em Brasília, Parente reduziu seu consumo de 870 kWh para 420 kWh, bem acima da sua meta pessoal. Falconi também fez o mesmo. O consumo caiu 50% em sua casa em Belo Horizonte.
4 – Prevenção
A tarefa da Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica não era só cuidar do racionamento. Ela também desenhou uma estratégia para evitar, no futuro, uma crise energética similar a que enfrentavam naquele momento.
Foi criado, na época, um programa de investimentos para aumentar a oferta de energia, prevendo a aplicação de R$ 42 bilhões na construção de novas hidrelétricas, termelétricas e linhas de transmissão. No fim de 2001, o número de novas usinas em obras era de 58. E havia ainda outras 242 já concedidas ou autorizadas pela Agência Nacional de Energia Elétrica.
O que aprender?
O racionamento foi encerrado em 28 de fevereiro de 2002. Durante nove meses, permitiu ao País poupar 38 milhões de MWh de energia, o equivalente ao consumo de um ano de 19 milhões de famílias.
Foi um sucesso? Se considerado o seu objetivo, que era evitar o colapso do sistema elétrico brasileiro, pode-se dizer que sim.
A crise do coronavírus, que tem uma dupla face (sanitária e econômica), pode ser melhor enfrentada com a estratégia usada por Parente e Falconi.
Não seria necessário muito esforço. Em primeiro lugar, seria necessário estabelecer um comitê de crise, com um claro líder que pudesse tratar tanto da questão sanitária, como da econômica.
Depois, deveria se estabelecer metas claras de onde se quer chegar. Quantos respiradores devem ser produzidos ou comprados? Qual o percentual da população que vai ser testada? Quantos empregos devem ser preservados? Quantas pessoas devem ser beneficiadas pela Renda Básica Emergencial?
Tão importante quanto é ter uma comunicação unificada e sem ruídos. Afinal, é para ficar em casa ou para voltar ao trabalho? Esses dois sinais conflitantes convivem hoje diariamente nas vozes de protagonistas do enfrentamento ao Covid-19. Lembrem-se: quem está na linha de frente desta batalha deveria dar o exemplo.
E, por fim, não menos importante, é começar a traçar cenários para que, no futuro, uma crise dessas proporções seja evitada ou mitigada. Talvez seja o caso de chamar, mais uma vez, o professor Falconi para ajudar.
Hoje, aos 79 anos, Falconi não está mais na linha de frente de sua consultoria, a Falconi. Num processo de profissionalização, ela é comandada por Viviane Martins. O professor Falconi atua apenas no conselho de administração.