A rápida expansão do curtailment - os cortes, por parte do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), de geração eólica e solar injetados na rede para não sobrecarregar o sistema no horário de pico - está causando dois efeitos que ameaçam paralisar o ecossistema de geração renovável.
Um deles é o prejuízo acumulado por geradores dessas energias renováveis, que pode chegar a R$ 5 bilhões, pois boa parte atua no mercado livre de energia e não consegue entregar a energia contratada por clientes por causa dos cortes, cada vezes maiores e atingidos mais geradores.
O outro efeito é o impasse criado entre a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e o Ministério das Minas e Energia (MME) para resolver o problema. O MME avalia editar uma portaria determinando o ressarcimento, retroativo a 2021, aos agentes impactados pelo curtailment. Mas há forte resistência da Aneel, alegando que cortes são risco de quem investiu no setor, beneficiado por subsídios.
A medida busca conter o aumento de ações judiciais por parte de operadores que alegam prejuízos sem culpa ou anuência. Após o apagão de 2023, os cortes se intensificaram: antes, atingiam 0,8% da energia gerada; hoje, está entre 20% e 30%. No primeiro semestre de 2025, os cortes aumentaram 4,9 vezes em relação ao mesmo período de 2024, de acordo com levantamento da consultoria Volt Robotics.
Na avaliação de Elbia Gannoum, presidente da Associação Brasileira de Energia Eólica e Novas Tecnologias (Abeeólica), o problema central do curtailment reside no Sistema Interligado Nacional (SIN), que obriga o gerador a vender energia no mercado e cumprir contratos, enquanto a operação do sistema é de responsabilidade do ONS, que decide quando e como as usinas devem gerar.
“A lei estabelece que o gerador está disponível para gerar e tem a obrigação contratual, mas não a responsabilidade pela operação ou pelas decisões do ONS", afirma. "Quando o gerador não pode entregar a energia por decisão do operador, ele precisa ser ressarcido."
A Abeeólica entrou na Justiça para garantir o ressarcimento, e o MME prepara uma portaria para evitar um colapso no setor. “Isso tem causado prejuízos significativos, já ultrapassando R$ 5 bilhões para os geradores eólicos e solares”, diz Gannoum.
A presidente da entidade das empresas geradoras de energia eólica já tratou do tema com o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira. Segundo ela, o ministro informou que seria publicado um instrumento no âmbito do poder concedente para encaminhar solução que envolve “passado, presente e futuro”.
Entre as propostas do setor, está a da Consulta Pública 45 da Aneel, que prevê a criação de um “condomínio de renováveis” para dividir os impactos dos cortes, incluindo a micro e minigeração distribuída (MMGD), hoje fora do rateio.
O regulador justifica essa proposta alegando que os cortes cresceram muito nos últimos dois a três anos, principalmente devido à geração solar distribuída (GD), instalada por consumidores comuns no telhado.
Atualmente, há 40 gigawatts de energia solar distribuída instalada no Brasil, e o ONS não opera nem tem gerência sobre essa geração. Segundo Gannoum, essa geração solar entra no sistema das 10h às 16h, gerando a todo vapor, o que muitas vezes força o operador a mandar usinas eólicas e solares de grande porte desligarem suas máquinas, causando-lhes prejuízos.
A presidente da Abeeólica adverte que o problema compromete os investimentos futuros: “As empresas, especialmente as nacionais, hesitam em investir em um país onde a segurança e o retorno do investimento não são garantidos, afetando a estabilidade regulatória.”
Cortes de até 60%
Donato Filho, CEO da Volt Robotics, afirma que o curtailment deixou de ser apenas risco de investidor, devido à falta de transparência nos critérios do ONS e ao impacto financeiro nas empresas. Há geradores no Nordeste com até 60% de corte mensal, o que preocupa bancos financiadores.
A expansão do setor, impulsionada pela modernização e redução de custos, agravou o problema. A energia solar concentra geração pela manhã, somando-se a variáveis como clima e falhas técnicas.
Donato aponta falta de transparência nos critérios de corte e sugere flexibilizar a operação de usinas termoelétricas e hidrelétricas. As transmissoras também poderiam botar mais equipamento na rede, afirma o consultor, lembrando da lentidão para aprovar a regulamentação das baterias de armazenamento, uma solução à mão mas cuja regulamentação está sendo discutida há cinco anos.
“A portaria do MME pode ser uma boa solução para tirar a corda do pescoço dos agentes, para que consigam manter a operação, enquanto se busca soluções para o futuro”, acrescenta o consultor.
Elbia Gannoum, da Abeeólica, porém, afirma que a medida mais urgente é garantir que o gerador seja ressarcido financeiramente, "pois ele não tem responsabilidade pelo corte e o sistema deve arcar com essa conta".
O NeoFeed procurou a assessoria de imprensa da Aneel para obter o posicionamento da agência reguladora, que não retornou. Sandoval Feitosa, diretor-geral da Aneel, já disse mais de uma vez que os cortes dos curtialment são risco de quem investiu, discordando sobre o ressarcimento integral do prejuízo.
Segundo ele, o consumidor já pagou o subsídio a essas fontes e agora não faz sentido discutir que esse consumidor pague inclusive o excesso de subsídios. “Neste ponto a agência se insurge, porque a grande maioria foi negociação livre de mercado, que investiu no segmento”, disse ele em março. “Os prejuízos devem parar na conta na medida da regulação que a agência introduziu, o que ultrapassa isso é risco inerente ao negócio.”
Procurado, o Ministério das Minas e Energia não retornou sobre o questionamento em torno da portaria e quando ela seria divulgada.