Um parecer técnico do Tribunal de Contas da União (TCU) recomendando que o leilão do terminal de contêineres Tecon 10, no Porto de Santos, ocorra em fase única e sem restrições de concorrência gerou repercussão na quarta-feira, 27 de agosto, entre empresas interessadas e especialistas em logística.
O parecer da AudPortoFerrovia, unidade especializada do TCU, permite a participação de atuais operadores, desde que haja cláusula de “desinvestimento” em caso de vitória.
Na prática, o parecer contraria a proposta inicial feita pela Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) e acrescenta mais polêmica em relação ao leilão de arrendamento do chamado Tecon 10 – que vai ocupar uma área de 622 mil m2 , ampliando em 50% a capacidade de movimentação de cargas do Porto de Santos.
O leilão, previsto para este ano, envolve R$ 6,45 bilhões em investimentos ao longo de 25 anos. O projeto prevê movimentação de até 3,5 milhões de TEU/ano, quatro berços de atracação e um terminal de passageiros.
Parte da polêmica em relação ao Tecon 10 se deve à pressão sobre a Antaq após a agência ter anunciado as regras do leilão, com previsão de ocorrer em duas etapas.
Na primeira, a disputa seria restrita a empresas sem operação de contêineres na região do porto, para evitar o risco de concentração do mercado no porto santista. Somente se não aparecer concorrentes nessa primeira fase, ela seria aberta aos atuais operadores.
O modelo sugerido pela Antaq - que segue as regras adotadas em outros leilões no setor portuário - foi imediatamente contestada por empresas que atuam no porto, que na prática, ficaram excluídas da disputa. Entre elas, a BTP (controlada por MSC e Maersk) e Santos Brasil (controlada pela CMA CGM). A Maersk chegou a pedir liminar na Justiça para participar, mas foi negada.
A pressão política aumentou nas últimas semanas. O governo de São Paulo enviou ofício ao Ministério de Portos e Aeroportos contra o modelo em duas fases. Especialistas também criticaram a proposta, alegando que ela inibe a competição.
A polêmica voltou a ganhar tração na semana passada, com um parecer emitido pela Secretaria de Reformas Econômicas (Seae), do Ministério da Fazenda, sugerindo alterar as regras do leilão determinadas pela Antaq.
O modelo proposto pela Seae prevê leilão em fase única com participação dos operadores e compromisso de desinvestimento em caso de um deles vencer o leilão – exatamente o mesmo modelo agora sugerido pela AudPortoFerrovia, do TCU. A Seae atua como órgão técnico do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência.
O parecer do órgão do TCU não é terminativo – ou seja, seu objetivo é dar subsídios técnicos para que os ministros do TCU decidam sobre a modelagem do leilão. Ele foi encaminhado para a Autoridade Portuária de Santos (APS) e para a Antaq, que têm 15 dias para se manifestar.
Judicialização
O parecer da AudPortoFerrovia foi protocolado no TCU na noite de segunda-feira e seu teor não foi oficialmente divulgado – as informações sobre seu teor foram reveladas por veículos que tiveram acesso ao documento, como Folha de S.Paulo e CNN.
De acordo com os veículos, houve pressão do governo federal para a mudança de regras estipuladas pela Antaq por causa do receio de que o processo possa ser atrasado por qualquer questionamento judicial. O objetivo é que o leilão ocorra ainda este ano.
O parecer do órgão do Ministério da Fazenda divulgado na semana passada corrobora textualmente essa preocupação. “O modelo faseado pode gerar judicialização, com atrasos significativos e impactos negativos ao comércio exterior”, diz um trecho do documento da Seae, que considera a proposta da Antaq “bem-intencionada, mas desproporcional”, e a vedação inicial “excessivamente gravosa”.
Um especialista que defende as regras da Antaq criticou o recuo do governo: “Seria o equivalente, guardadas as devidas proporções, ao STF suspender o processo contra o Bolsonaro por conta das ameaças do Trump”, disse a fonte, que não quis se identificar.
A ICTSI, multinacional filipina interessada no leilão, contestou na semana passada o parecer da Seae. Em documento ao TCU, alegou que a adoção da proposta da Seae favoreceria os atuais operadores: “Maersk e MSC são sócias no BTP – se uma vencer, venderá para a outra, aumentando a concentração de 40% para 58%."
A ICTSI também refutou o argumento da judicialização: “Maersk já judicializou e perdeu”, alega, afirmando que a recusa da liminar por parte da Justiça valida o modelo da Antaq.
Além da ICTSI, devem participar do leilão outras gigantes de logística portuária como Cosco, China Merchants, Hapag-Lloyd, ONE e PSA. Fontes da área afirmam que a JBS Terminais, que assumiu no ano passado a operação do terminal de contêineres de Itajaí (SC), teria interesse de participar no leilão, mas em parceria com outra empresa do setor.
O secretário nacional de Portos, Alex Ávila, disse em junho que não há nenhuma intenção do governo federal de contestar eventuais exigências do TCU sobre as regras do leilão.
"Qualquer que seja a decisão do TCU, nós vamos cumprir. O nosso interesse é fazer o leilão", afirmou Ávila na ocasião, deixando clara a tendência de não apresentar nenhum recurso ao tribunal de contas, caso haja mudanças.