No começo do mês, um tributal de Washington recebeu o pedido de divórcio de Melinda French Gates, 56, e Bill Gates, 65. “Pedimos ao tribunal que dissolva nosso casamento”. Da mesma forma que aconteceu há dois anos, quando Mackenzie Scott e Jeff Bezos decidiram encerrar o casamento de 25 anos, os Gates anunciaram em comunicado conjunto, pelas redes sociais, a sua separação após 27 anos casados.
E, do mesmo modo que na separação do fundador e então CEO da Amazon, o homem mais rico do planeta graças à tecnologia, imediatamente o mundo quis saber o porquê do divórcio do cofundador da Microsoft, o número 4 da lista de bilionários.
Contudo, se na cobertura do primeiro divórcio o que veio à baila foram detalhes picantes, inclusive que Bezos fazia nudes, a repercussão do segundo focou em mais que a vida amorosa de Gates: os holofotes estão sobre a sua reputação.
No último fim-de-semana, na sequência do pedido de divórcio, dois dos mais influentes jornais do planeta, o The New York Times e o The Wall Street Journal, publicaram longos materiais associando a decisão de Melinda a facetas que em nada coadunam com a imagem que Bill Gates consolidou, sobretudo, ao longo das duas últimas décadas: a do agradável filantropo nerd, como o Business Insider descreveu o homem que, com a então esposa Melinda, fundou a Fundação Bill e Melinda Gates em 2000 (hoje, uma das maiores fundações privadas do mundo, com mais de US$ 51 bilhões em ativos).
A manchete do NYT diz que, “muito antes do divórcio, Bill Gates tinha reputação de comportamento questionável” e, já no subtítulo, acrescenta que Melinda havia externado seu incômodo com o fato de o marido ter como gestor financeiro, Michael Larson, acusado de assédio sexual, em 2017.
Além disso, ressaltava a preocupação de Melinda em relação a ligação do marido com Jeffrey Epstein, magnata do mercado financeiro condenado por crimes sexuais. Ele cometeu suicídio na prisão, em 2019, sob acusações federais de tráfico sexual de menores na Flórida e em Nova York. Tinha extensa lista de amigos ricos e influentes – ao ponto de ainda hoje provocar arrepios até no Palácio de Buckingham.
Já o título do WSJ remete à saída de Gates do conselho da Microsoft um ano antes: “Bill Gates deixou o conselho da Microsoft em meio a uma investigação sobre relacionamento anterior com uma funcionária”, para, na sequência, complementar que “a porta-voz de Gates disse que a decisão de deixar o conselho em 2020 não estava relacionada ao assunto”.
A partir das duas reportagens, a imprensa mundo afora passou a republicar a informação de haver relatos de funcionários sobre ocasiões em que Gates teria feito propostas para a mulheres sob seu comando e que, mesmo que não tenha demonstrado um comportamento predatório, seus avanços “criaram uma estranha dinâmica” no antigo local de trabalho.
A reportagem do The New York Times inclui ainda depoimentos dizendo que Gates foi desdenhoso em relação à esposa durante reuniões na Microsoft. Já artigo publicado pela Forbes comenta que Melinda levou anos para conseguir um mínimo de reconhecimento na fundação que leva o seu nome e o de Bill, revelando que ela teve de lutar até “pelo direito de também colocar sua assinatura no Relatório publicado pela Fundação Gates”.
Sobre o que a divulgação de tudo isso causou à imagem que Gates construiu ao longo de décadas, ainda é cedo para falar. Se haverá consequências no mundo empresarial? Para o Market Watch, “as revelações levantam questões de responsabilidade, embora ainda não esteja claro até que ponto o abalo na reputação de Gates pode afetar as instituições que estão intimamente associadas a ele”.
Quanto ao divórcio em si, a partilha de bens causa bem menos especulações do que a onda de possibilidades que a de Bezos suscitou. Afinal, a maior parte da fortuna do fundador da Amazon era formada por ações da empresa. Porém, a partilha de bens transcorreu tranquilamente, tudo se ajustou e Bezos seguiu mais poderoso que nunca - em fevereiro, anunciou que trocaria o posto de CEO pela liderança do Conselho, para ter tempo e energia para dedicar a Day 1, Bezos Earth, Blue Origin e ao The Washington Post.
Já a separação de Gates ocorre duas décadas depois de ele ter deixado o posto de CEO da Microsoft e quase sete anos após ter saído da liderança do conselho. Sua posição a partir de 2014, a que manteria até o começo do ano passado, passou a ser a de conselheiro, a mesma que exercia no Berkshire Hathaway e que também deixou em 2020 para, conforme disse à época, se focar nas suas atividades filantrópicas. Já a partilha de bens não se concentra em ações da empresa da qual foi cofundador.
Como lembra o Observer: “a fortuna dos Gates está vinculada a organizações privadas, incluindo a Fundação Bill e Melinda Gates e seu family office, Cascade Investment”, ainda que Bill Gates também possua uma pequena participação na Microsoft, que fundou em 1975.
A fortuna, avaliada em US$ 146 bilhões, inclui ações de empresas como Coca-Cola e Televisa – o equivalente a US$ 500 milhões dessas ações já foram transferidas à Melinda, segundo a Fortune, totalizando US$ 2 bilhões em ações desde o anúncio do divórcio.
Mas em um mundo em que a reputação corporativa se tornou o principal ativo e no qual valores ESG (sustentabilidade à nível ambiental, social e de governança) cada vez mais ditam o que as empresas não devem e nem podem mais aceitar, o que talvez mais esteja em xeque seja uma velha máxima do mundo dos negócios e que tantos empresários levaram para o Terceiro Setor ao patrocinarem, ou protagonizarem, causas de interesse global: “walk the talk” – ou “pratique aquilo que você prega”.
Suzane Veloso é consultora de posicionamento de marca e reputação corporativa e conselheira de empresas de tecnologia. Ocupou os cargos de diretora de Comunicação Corporativa do Walmart.com para a América Latina e diretora global da mesma área no Terra, do Grupo Telefónica.