Em 2020, o Grupo Ultra, um dos maiores conglomerados empresariais do País, criou um fundo de R$ 150 milhões para investir em startups capazes de levar projetos inovadores para dentro da companhia. Desde então, cerca de 300 empresas iniciantes foram atraídas pela iniciativa – no futuro, algumas delas certamente resultarão em negócios ao mesmo tempo transformadores e lucrativos.
“A inovação tem papel central em nossas atividades”, diz Pedro Wongtschowski, presidente do Conselho de Administração do Ultra, dono de marcas como Postos Ipiranga e Ultragaz. “Sem ela, não teríamos condições de enfrentar as cada vez mais velozes mudanças de hábito dos consumidores.”
Na nova era corporativa, nada é mais urgente do que a inovação, principal mecanismo para que as empresas cresçam, lucrem, gerem empregos – exatamente como o Ultra tem feito nas últimas décadas – e o País, afinal, se desenvolva. No setor industrial, responsável por 20% do PIB brasileiro, a questão é ainda mais relevante.
“Investir mais e melhor em ciência, tecnologia e inovação é um fator vital para o futuro da indústria e da economia brasileira”, diz Robson de Andrade, presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI). “Governo, empresas e a comunidade científica precisam trabalhar juntos na construção e implementação dessa agenda.” No pós-pandemia, priorizar projetos inovadores certamente irá acelerar a recuperação
Historicamente, o Brasil patina nos rankings internacionais de inovação, o que se reflete na perda de competitividade de todo o setor industrial. Segundo o Índice Global de Inovação (IGI) medido pela Organização Mundial da Propriedade Intelectual, o País ocupa o indigesto 62º lugar entre 131 nações. Mais grave ainda: nos últimos 10 anos, caiu dez posições na lista.
Atenta a esse quadro, a CNI tem sido uma das vozes mais ativas em prol do fortalecimento da inovação no País. Uma de suas iniciativas é a coordenação da Mobilização Empresarial pela Inovação (MEI), que tem a missão de estimular o surgimento de projetos transformadores no âmbito das empresas, além de ampliar a efetividade das políticas públicas nessa área.
Atualmente, integram a MEI cerca de 400 lideranças empresariais do País. “Temos uma agenda que atua em diversas frentes: definição de marco regulatório, financiamento da inovação, recursos humanos para o desenvolvimento de projetos, entre muitas outras”, destaca Gianna Sagazio, diretora de Inovação da CNI.
“Investir mais e melhor em ciência, tecnologia e inovação é um fator vital para o futuro da indústria e da economia brasileira”, diz Robson de Andrade, presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI)
Entre as diversas iniciativas da MEI estão a criação da Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii), dos Institutos Senai de Inovação e dos Centros de Inovação e Tecnologia do Sesi. “A Embrapii tem sido um sucesso extraordinário”, diz Wongtschowski, que também preside o conselho de administração da entidade. “Nos últimos 6 anos, tivemos R$ 1,5 bilhão em projetos implementados.”
A CNI tem suscitado importantes debates na sociedade. Gianna lembra que, no ano passado, as lideranças da MEI e da CNI trabalharam fortemente para tirar o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) da PEC dos Fundos, projeto que poderia afetar a distribuição de recursos para a inovação.
A executiva dedica-se intensamente a essa agenda. Em maio passado, ela se reuniu com o ministro da Economia, Paulo Guedes, e com o senador Izalci Lucas, presidente da Frente Parlamentar Mista de Ciência, Tecnologia, Pesquisa e Inovação, para pedir ao governo a recomposição do orçamento, passo fundamental na garantia dos recursos do FNDCT.
O Orçamento da União de 2021 foi sancionado sem a previsão de verbas integrais para o FNDCT. De acordo com a CNI, a projeção é que o Fundo arrecade neste ano R$ 5,5 bilhões para projetos não reembolsáveis. Se for mantida a previsão orçamentária, R$ 5,1 bilhões serão contingenciados – ou seja, não chegarão ao destino final.
O que é preciso fazer para desatar o nó da inovação no Brasil? Gianna responde: “Dialogando, explicando as prioridades para as autoridades, sensibilizando todos os setores envolvidos”, diz ela. “Não há como o Brasil se desenvolver se não houver uma área de ciência, tecnologia e inovação muito forte.”
Mesmo diante dos obstáculos, a CNI tem sido bem-sucedida em sua estratégia. No ano passado, assinou parceria com a empresa israelense Sosa, que mantém uma das maiores plataformas de inovação aberta do mundo, ao reunir 15 mil startups prontas para gerar soluções para empresas e investidores.
No ano passado, a CNI assinou parceria com a empresa israelense Sosa, que mantém uma das maiores plataformas de inovação aberta do mundo, ao reunir 15 mil startups
O acordo é vital para a inovação brasileira. Segundo o presidente da CNI, Robson Andrade, ele permite que as indústrias nacionais tenham acesso a tecnologias de ponta, além de abrir terreno para projetos internacionais das empresas. “Trata-se, em suma, de encurtar caminhos e incorporar o que há de mais avançado no mundo”, afirma.
A inovação aberta, conhecida como “open innovation” no universo corporativo, pressupõe que o conhecimento, nestes tempos globalizados, está distribuído pelo mundo. As empresas que pretendem ser competitivas têm de escancarar suas portas para as ideias vindas de fora: das instituições de pesquisa, das universidades e, sobretudo, de outras empresas, de todos os cantos do planeta.
O conceito é adotado com sucesso por algumas indústrias brasileiras. Na Natura, uma das maiores fabricantes de cosméticos do mundo, 90% dos projetos de tecnologia são realizados em parceria com agentes externos – na maior parte das vezes, com mais de um parceiro. Segundo a Natura, acordos desse tipo são estratégicos para a rápida incorporação de novas tecnologias. Na indústria, nem é preciso dizer, tempo é dinheiro.
O mesmo procedimento é observado na farmacêutica Eurofarma, que criou um programa sob medida para conectar as suas diversas áreas de negócios às startups. Chamada Eurofarma Synapsis, a iniciativa tem como mote acelerar projetos vindos de fora da companhia.
Há inúmeros exemplos. A Klabin, maior produtora e exportadora de papéis do País, criou um projeto, o Inova Klabin, que consiste na troca de conhecimento com universidades, startups e públicos de seu interesse. A novidade já trouxe frutos. Em parceria com o Instituto Senai de Inovação em Biomassa, de Mato Grosso do Sul, a empresa desenvolveu uma formulação inédita de álcool gel feita a partir da celulose, o que ressalta a importância da inovação aberta.
Diversos indicadores comprovam que empresas inovadoras são, em essência, mais saudáveis. Em tempos de crise, essa característica se torna ainda mais visível. Segundo pesquisa da CNI realizada em dezembro do ano passado – portanto, no auge da pandemia de Covid-19 –, as indústrias 4.0, aqueles que usam tecnologias avançadas, lucraram mais e mantiveram ou ampliaram o quadro de funcionários, além de terem melhores perspectivas para 2021.
Boa parte dos empresários se preocupa com o tema. De acordo com outra pesquisa da CNI, um a cada três empresários acredita que a indústria brasileira precisará dar um salto de inovação nos próximos cinco anos para garantir a sustentabilidade de seus negócios. Para 31% de CEOS, presidentes e vice-presidentes de 100 indústrias, o grau de inovação no setor será alto ou muito alto nos próximos 5 anos.
Há muito a ser feito. Os países que integram a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) investem acima de 2% do PIB em inovação. Nos Estados Unidos, o índice atual é de 3%. Na Coreia do Sul e Israel, em torno de 5%. O Brasil faz feio nessa base comparativa: apenas 1%, de acordo com os dados mais recentes disponíveis.
A boa notícia é que iniciativas como as realizadas pela CNI começam a trazer resultados positivos para a indústria brasileira. O caminho é longo, mas a largada já foi dada.