Tempos difíceis ou tempestade perfeita? A única certeza é que a vida não está fácil para as empresas de tecnologia no Brasil e no mundo. Não faltam razões: guerra, inflação, bolsas derretendo, liquidez secando, demissões de devs e por aí vai.
Como ouvi de um empreendedor recentemente, a moda agora é ser centauro, como são conhecidas as startups com faturamento de mais de US$ 100 milhões ao ano. O mantra para definir negócios de sucesso também mudou. Ele agora é “the flat is the new UP”. Traduzindo: não cair o faturamento já está ótimo.
Momentos como esse, em que cada milímetro do burn rate começa a ser escrutinado pelos investidores, deixa os empreendedores ressabiados. Afinal, empreender já inclui muitos riscos. Mas um grande beneficio que todos me falam é não ter chefes no cangote. “Se for para ter chefe bafando teria sido executivo”, desabafou, recentemente, um empreendedor serial para mim.
Foi nesse espírito, pisando em ovos, que um empreendedor bem reconhecido tomou um café comigo um dia desses. Sua empresa de tecnologia estava superbem de caixa, pois tinha feito uma captação ano passado antes de a torneira secar.
Na conversa, o empreendedor confidenciou que via oportunidades para crescer e estava se coçando para ir para cima, ganhar participação de mercado, contratar muitos devs e reforçar a máquina de vendas. Afinal, mais de R$ 100 milhões do caixa iam para esse projeto de acelerar, enquanto todos estavam parando.
Mas lógico que o momento assusta. E as recomendações dos investidores pediam uma dose extra de cautela, o que traz um clima de paralisis/análisis. O dilema deste empreendedor era: sigo meu instinto e vou com tudo, ou congelo e remo com a maré?
Percebi que o dilema desse empreendedor pode ser o mesmo de muitos outros, cujas empresas estão com o caixa cheio, contam com diversos projetos, mas estão contaminados por todas as variáveis e projeções pessimistas deste momento.
A minha recomendação, que achei interessante compartilhar, foi: nem uma coisa, nem outra. À primeira vista, pode parecer uma dica em cima do muro. Mas ela é tudo, menos isso. A ideia aqui é olhar cada projeto e despesa com o conceito de custo produtivo, aquele que gera receita de curto e médio prazo. E priorizar os projetos segundo esse critério.
Quando rodamos esse modelo, percebemos que dos R$100 milhões previstos para investimentos, somente R$ 27 milhões eram realmente fundamentais para ganhar participação de mercado e aumentar o share of wallet nos clientes atuais. O restante eram mais apostas de longo prazo, com perspectivas excelentes, mas riscos e incertezas altos também.
Fizemos, então, aquela famosa curva ABC dos tempos de faculdade, tão antiga e atual como sempre. Como um investidor experiente me disse em um almoço: “o momento é focar nos unit economics e entender claramente onde e como se ganha dinheiro e que matriz de projetos traz o melhor retorno com menos risco”.
A boa notícia é que, com a lição de casa feita, vender esses investimentos ao conselho daquela empresa não foi missão impossível. O bom senso imperou e os projetos foram aprovados por unanimidade.
Mesmo com a torneira do capital secando, existem momentos e projetos que merecem ir em frente. Mas não com aquela volúpia de virar unicórnio amanhã e realizar um IPO depois de amanhã.
Independentemente do tamanho da sua empresa, olhar os unit economics e priorizar investimentos, projetos e pessoas que trazem o maior benefício de forma disciplinada e analítica faz todo o sentido. Com ou sem caixa.
Aprendi com um grande amigo sobre o tom certo que os empreendedores devem adotar neste momento. Vale se inspirar com o título de uma música antiga de Caetano Veloso: Sim/Não. Mais apropriado impossível.
*Sergio Chaia atua como coach de CEOs, empreendedores e atletas de alto rendimento. Foi chairman da Óticas Carol e CEO da Nextel. Atua como conselheiro da Daus e da Ri Happy. É também conselheiro e educador do Instituto Ser + , uma ONG voltada à recuperação de jovens em situação social de risco preparando sua inserção no mercado de trabalho. Autor do livro “Será que é possível?”