Não serão apenas os (não) assinantes da Netflix que terão que lidar com o fim do compartilhamento de senhas do serviço de streaming a partir de 2023. A própria empresa também precisará encontrar uma forma de fazer com que esses usuários que não tinham suas próprias assinaturas continuem usando a plataforma – agora pagando.

Com 223 milhões de assinantes, a Netflix estima que pelo menos 100 milhões de telespectadores utilizem contas de outras pessoas. Podem ser parentes ou mesmo grupos de amigos. A prática é comum e, com o crescimento da plataforma durante a pandemia, a empresa parecia olhar para o outro lado. Com resultados ruins em 2022, isso mudou.

Em um primeiro momento, impedir o acesso desses usuários poderia aumentar o número de assinantes. Segundo a consultoria Cowen Inc, a Netflix poderia gerar US$ 721 milhões de receita adicional por ano com cerca de 30 milhões de telespectadores que usam contas compartilhadas somente nos Estados Unidos e no Canadá.

Para efeito de comparação, a companhia com sede em Los Gatos, na Califórnia, registrou faturamento pouco inferior a US$ 7,9 bilhões no terceiro trimestre deste ano. O resultado foi mais de 5% acima dos números registrados no mesmo período de 2021, quando a companhia faturou US$ 7,4 bilhões.

O problema é que isso tudo não é uma ciência exata e a Netflix não pode garantir que vai ganhar novos usuários a partir da prática. Uma das possibilidades, inclusive, é de que parte dos assinantes decidam cancelar a assinatura, fazendo com que o tiro saia pela culatra.

De acordo com a consultoria Morningstar, ao fazer isso, a Netflix estaria subestimando como a mudança poderia incentivar os consumidores a cancelarem o serviço.

Um dos desafios que a companhia terá será balancear o impacto da prática em suas receitas de publicidade. Nos últimos meses, a companhia lançou um plano de assinatura mais barato e que contempla a exibição de propagandas durante as transmissões. Quanto maior é a audiência, maior é o custo dos anunciantes.

Há problemas técnicos também para resolver. A empresa precisa decidir como pretende lidar com usuários que não moram somente em uma casa e que usam a mesma conta nos dois endereços. Isso engloba crianças com guarda compartilhada e pessoas que têm mais de um imóvel - como um apartamento mais próximo ao trabalho ou uma casa de praia.

Resolver este problema seria possível caso a companhia adote uma estratégia de cobrar uma taxa extra de quem quisesse utilizar uma conta de terceiro. A prática começou a ser colocada em testes em alguns mercados da companhia e ainda não há uma orientação se ela será incorporada a toda a operação.

Está sendo discutido também dentro da Netflix a possibilidade de permitir que os usuários informem à companhia que estão migrando temporariamente de endereço residencial. Desta forma, a plataforma estaria disponível somente onde a pessoa estivesse realmente localizada.

Resolvido este problema, há outro desafio: como fazer o controle de acesso dos usuários que não utilizam conexões Wi-Fi para usar a plataforma. A prática é comum em mercados como a Índia, onde as pessoas se conectam ao serviço através de redes móveis e cujo endereço de IP não é fixo como na internet residencial.

Ainda que seja a primeira a praticar esta restrição no compartilhamento de senhas, a Netflix não deverá ser a única companhia do segmento a fazer isso. Serviços como Disney+, HBO Max e Paramount+, e que também vem enfrentando a queda em seus números, devem adotar o mesmo rigor em algum momento.

Ainda não há uma data definida de quando a prática começará, mas será em algum momento do começo de 2023. O movimento deverá ser feito de forma escalonada e atingindo inicialmente os consumidores nos Estados Unidos antes dos outros mercados em que a empresa atua.

Fora dos Estados Unidos, a prática é mais comum. Principalmente na América Latina. Por conta disso, a Netflix passou os últimos anos realizando testes com novos planos. Nas assinaturas Padrão e Premium, por exemplo, é possível usar a plataforma simultaneamente em dois e quatro dispositivos respectivamente, o que não é possível com as assinaturas do plano Básico.