Talvez a pergunta nunca feita ao escritor Luis Fernando Veríssimo tenha sido se é um fardo ser filho de um dos grandes nomes da literatura brasileira, Érico Veríssimo. Ou se isso atrapalhou ele tentar voos mais altos na ficção, com romances extensos e mais ambiciosos.

Afinal, ele cresceu com o pai a escrever obras das mais densas, uniformes e personalíssimas já feitas em língua portuguesa com clássicos como O Tempo e o Vento. Luis Fernando, porém, fixou-se na crônica e virou mestre. O maior de todos os nossos escribas sobre a vida e o mundo que correm.

Estabeleceu, assim, personagens icônicos do imaginário nacional, como o Analista de Bagé, Ed Mort e a Velhinha de Taubaté, entre tantos. Por décadas, encantou leitores dos jornais e revistas com suas crônica de excelência, reunidas em mais de 70 livros e cinco décadas. Tanto que nem todos os seus leitores e fãs sabem que ele já se aventurou pela narrativa longa seis vezes. São seis romances de temática policial, um dos seus preferidos.

Em quatro deles, aparentemente, Veríssimo apenas atendeu a convites e encomendas para fazer narrativas como parte de coleções temáticas de leitura rápida. A diferença, porém, é que todos, sem exceção, ocupam um nível de qualidade acima da média, com uma sofisticação narrativa como não se vê no país hoje, embora não tenha recebido ainda o merecido reconhecimento.

Uma boa oportunidade para conferir isso é se dar de presente a caixa com os seis livros que a Alfaguara lança neste começo de mês, em tiragem limitada. São eles: O jardim do Diabo, O clube dos anjos, Borges e os orangotangos eternos, O opositor, A décima-segunda noite e Os espiões. Tudo que o leitor encontra em seus textos curtos – humor fino e ironia – está presente nos romances, em que ele simula gênero policial e elementos do universo literário – livros e escritores de verdade, principalmente.

A estreia no formato aconteceu com O jardim do diabo, sua primeira aventura de fôlego, portanto, de 1987 – e revisto pelo autor em 2005. O ponto de partida é o corpo encontrado de uma mulher esfaqueada em seu quarto. A principal pista é uma mensagem na parede escrita com seu sangue, porém difícil de decifrar porque está em grego. A questão é que a mesma situação está descrita no último romance de Estevão, autor de histórias policiais populares, impressas em formato de bolso e vendidas em bancas de jornal. Essa coincidência intriga o inspetor Macieira, que vai investigar o autor.

Em O clube dos anjos, lançado dez anos depois do primeiro (e que também ganhou versão no cinema), Veríssimo faz referência a filmes consagrados sobre cozinha, como A Comilança (1973), de Marco Ferreri. O centro é um grupo que se reúne para apreciar o prazer da gula em jantares luxuosos desde a juventude. Quando um misterioso cozinheiro aparece para reavivar os encontros da confraria, um a um começa a morrer após cada refeição. O romance foi o terceiro volume da série Plenos Pecados, da editora Objetiva, lançada entre 1997 e 2002, em que sete autores consagrados escreveram sobre os pecados capitais.

O terceiro romance, Borges e os orangotangos eternos, saiu em 2000 e se tornou o sexto volume da coleção Literatura ou Morte, da Companhia das Letras, produzida por brasileiros sobre outros autores célebres da literatura mundial. No caso, o escolhido foi Jorge Luis Borges. O narrador se chama Vogelstein, que, ao ser convidado para um congresso da Israfel Society, formada por especialistas em Edgar Allan Poe, em Buenos Aires, tem sua pacata vida virada pelo avesso. Entre outros, ele conhece ninguém menos que Jorge Luis Borges e se envolve em um crime descrito como rocambolesco.

Publicado em 2004, O opositor foi o quinto volume da coleção Cinco Dedos de Prosa, da editora Objetiva, que convidou autores para escreverem histórias inspiradas em cada um dos dedos das mãos – Verissimo ficou com o polegar. Dessa vez, o centro na narrativa é um repórter paulista que viaja a Manaus para escrever uma matéria e é seduzido por uma mulher com os dois polegares decepados que lhe prepara chás alucinógenos. A experiência o leva a conhecer Polaco, um sujeito grandalhão e vermelho que parece estar sempre bêbado e que vira um personagem importante na história.

Com A décima segunda noite, de 2006, o autor participou da coleção Devorando Shakespeare, também da Objetiva. Tudo acontece em Paris e o narrador é Henri, um papagaio bisbilhoteiro e falastrão, capaz de citar Søren Kierkegaard e John Lennon na mesma frase. Em seu caminho aparecem figuras singulares, como travestis que jogam futebol, brasileiros abastados e diplomatas misteriosos. Para Verissimo, apesar das liberdades que tomou na adaptação de Noite de reis, manteve os traços do original. "Os finais, tanto o de Shakespeare quanto o meu, são felizes para a maioria dos personagens", diz ele.

Os espiões é uma experiência desvinculada de temas e amarras. "Esse aí eu mesmo resolvi me encomendar", observou Veríssimo, que se manteve fiel ao seu estilo e ao gênero policial. No centro da história está um frustrado funcionário de uma pequena editora, que não costuma ter boa vontade com os originais que recebe. Até que um envelope desperta sua atenção pela caligrafia cursiva trêmula, com uma florzinha no lugar do pingo do i. Dentro, encontra as primeiras páginas de um livro de confissões escrito por uma tal Ariadne, que promete contar sua história e depois se suicidar.

A caixa Todos os Romances, enfim, é uma celebração aos 86 anos de Veríssimo, que cobriria seu pai de orgulho como grande romancista que é. E coloca os dois um bem perto do outro em excelência literária.

SERVIÇO:
Caixa Todos os Romances, Luis Fernando Veríssimo
784 páginas (seis volumes)
R$ 369,90
Lançamento: 11/01/23