Dona de uma das marcas mais famosas do mundo, a família real britânica tem uma forte narrativa de patrocínios, pompa e pessoas. Há muito tempo a monarquia demonstrou seu valor na cultura de consumo contemporânea e conseguiu manter seus compradores engajados.
Mas o que diferencia a família real de outras marcas corporativas são seus elementos humanos individuais e muitas vezes incontroláveis. As histórias que eles (ou a mídia) criam podem produzir o que o então príncipe Charles já chamou de “novela”.
E agora a história se repete, pelo menos no que se refere ao drama público real: o efeito “novela” está novamente em pleno andamento. A crescente animosidade entre a marca Sussex e o resto da realeza britânica chegou ao auge com o lançamento do livro de memórias do príncipe Harry: Spare (lançado no Brasil com o título O que sobra, pela editora Objetiva).
É difícil não assistir as sagas do momento como ocorrem em novelas. A forma em séries deste gênero literário segue uma narrativa contínua em torno de um elenco permanente de personagens. Com seu sentimentalismo e momentos de melodrama, as novelas nos envolvem em um nível emocional, inspirando sentimentos que desde tristeza e ódio até alegria e amor. Eles nos trazem insights sobre os altos e baixos dos relacionamentos pessoais e da sociedade em geral.
As novelas nos fazem sentir próximas a pessoas que não são como nós. Um estudo da famosa série Dallas mostrou que, embora os estilos de vida ricos retratados fossem inacessíveis para a maioria dos espectadores, eles conseguiam se relacionar com as tensões entre amor e dever. Isso porque esses temas, que se repetem ao longo da história, ressoam profundamente na vida do público em geral.
Moldando a narrativa
O lançamento de Spare é um momento dramático. As inúmeras revelações do príncipe Harry sobre sua vida como integrante da família real são muitas vezes críticas aos seus parentes.
No centro da narrativa de Harry está a defesa de sua esposa, Meghan, Duquesa de Sussex, contra a perseguição que ela sofreu da imprensa sensacionalista e a suposta cumplicidade de sua família nisso. Do ponto de vista de Harry, sua poderosa paixão por Meghan levou ao rompimento atual com sua família e à nova vida do casal na Califórnia. Lá, Harry e Meghan são realezas que não trabalham e não têm mais permissão para usar a marca Sussex Royal.
Eles estabeleceram a Archewell Foundation, uma organização sem fins lucrativos dedicada ao trabalho humanitário e a causas progressistas, inclusive por meio de parcerias de mídia com Spotify e Netflix. Mas o drama em torno do livro Spare ameaça ofuscar e até extinguir esse aspecto da própria marca de Harry e Meghan.
O livro de Harry está cheio de tropos narrativos familiares, ou seja, elementos básicos da narração repetidos ao longo da trama. Há sua madrasta perversa, Camilla, que ele acusa de ter conspirado com a imprensa. E a frieza emocional do pai, Charles, que, segundo Harry não o abraçou ao contar-lhe da morte da mãe, Diana.
Harry é o heroico protagonista do livro. Ele rotula seu irmão William de seu “arqui-inimigo”, relatando muitos incidentes de rivalidade e até mesmo uma briga física. O livro contém todos os ingredientes emocionais para sustentar muitos episódios futuros da novela da família real.
Engajamento empático
São exatamente essas tensões humanas arquetípicas – irmãos inimigos e madrastas perversas – tão facilmente relacionáveis com a vida familiar comum, que encorajam o fandom de novelas e constroem a empatia do público com os personagens.
Mas, como vimos nas reações a Spare, o envolvimento empático de muitas pessoas não é para Harry. Em vez disso, está com aqueles que ele critica, particularmente William, Kate e Charles. Isso pode ser explicado se considerarmos outra característica fundamental das novelas.
Heróis e heroínas de novelas não são perfeitos. Na verdade, provavelmente serão imperfeitos. Isso é o que os torna atraentes e os fazem se relacionar com o imaginário do público. Os relatos sobre o livro de Harry parecem mostrar que ele gosta de destacar falhas em outras pessoas, mas não em si mesmo ou em Meghan.
A culpa muitas vezes recai firmemente sobre os outros (até mesmo sua decisão de usar um uniforme nazista). É por isso que é improvável que ele saia de sua biografia como uma figura heroica – especialmente se as pessoas limitarem a acompanhar apenas a cobertura que a imprensa faz do livro em vez de lerem o livro de memórias em si na sua totalidade.
Boa parte da simpatia britânica está com Charles, como um pai em conflito com seu filho rebelde, e William, que tem que arcar com a responsabilidade do futuro da monarquia, enfrentando a resistência ativa de um irmão caçula ressentido.
O termo novela é frequentemente usado em sentido depreciativo, mas esta aplicação é injusta. As novelas tratam da vida humana em toda a sua riqueza, muitas vezes centradas em eventos como nascimentos, casamentos e funerais. Os fãs de novelas prosperam nos aspectos sociais, discutem tramas e complexidades das relações humanas com outras pessoas que compartilham os mesmos interesses.
Por esta razão, a ideia do efeito novela na marca da família real não é necessariamente ruim. Ajuda a humanizá-los e a trazer um valor emocional ao seu público.
Quanto mais Harry os critica, mais sua popularidade cai. Para se recuperar, ele terá de encontrar uma narrativa de marca própria mais clara, uma que não dependa de ressentimentos da realeza e do papel de vítima na saga familiar.
*Pauline Maclaran é professora de marketing & pesquisa de consumo, Royal Holloway, Universidade de Londres
Este artigo foi originalmente publicado em inglês no site The Conversation.