O setor ferroviário passa pela expectativa de investimentos privados de R$ 170 bilhões em 19 estados - muitos deles ainda no papel, incluindo a retomada do projeto do trem-bala entre São Paulo e Rio de Janeiro. E, ao mesmo tempo, pela espera de definições regulatórias pendentes e dos planos do governo de Luiz Inácio Lula da Silva para área, que ainda não foram anunciados.

O chamado novo Marco Legal das Ferrovias, aprovado há dois anos, criou o regime de autorização ferroviária. A empresa interessada apresenta projeto no qual fica encarregada de obter licenciamentos junto aos órgãos competentes, de tocar os projetos de engenharia e de viabilidade socioambiental, além da busca de financiamento para construir e explorar novos trechos, a maioria para transporte de cargas.

Na prática, o novo marco abriu espaço para uma concorrência entre o setor privado, por meio do regime de autorização, e as concessionárias que operam as linhas existentes. Essas estão às voltas com sua própria agenda, incluindo a renovação antecipada de concessões de vários trechos, que podem gerar R$ 30 bilhões de investimentos.

O maior atrativo do regime de autorização, por sua vez, é a flexibilidade. “A expectativa é que os custos sejam mais baixos e a velocidade de implementação, mais rápida, porque a burocracia exigida para uma ferrovia privada é diferente de uma estatal”, afirma José Luís Vidal, diretor executivo da Associação Nacional das Ferrovias Autorizadas (ANFA).

Desde 2021, já foram apresentados mais de 90 requerimentos de projetos à Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), sendo que 33 deles já foram aprovados. Especialistas advertem, porém, que muitos projetos aprovados dependem de obtenção de financiamento.

Para se ter uma ideia da altíssima demanda reprimida, os investimentos de R$ 170 bilhões nos próximos 10 anos, referentes apenas aos requerimentos aprovados, representam 10 vezes mais do que foi investido no setor na última década.

Os números comprovam o gargalo do setor ferroviário. O Brasil possui 30 mil quilômetros de ferrovias, mas 62,1% dos trilhos encontram-se subutilizados e 23,7% ociosos.
Hoje, apenas 21% do volume total de cargas do país é transportado por ferrovias. A expectativa do setor é dobrar a participação de trens na matriz de transportes até 2035.

Alguns investimentos privados bem estruturados já estão em curso, como o da Rumo, no Mato Grosso. Dividida em etapas e orçada em R$ 15 bilhões, a ferrovia terá 700 km e passará por 16 municípios até 2030.

“O regime de autorização ferroviária é um avanço diante das dificuldades de investimentos e do fracasso do modelo anterior, marcado pelo monopólio de concessões, concentrado em três ferrovias”, afirma Marcus Quintella, diretor da FGV Transportes, da Fundação Getúlio Vargas.

Riscos regulatórios

Apesar do otimismo, especialistas apontam problemas regulatórios ainda não contemplados pelo novo marco das ferrovias, incluindo regras visando à integração entre ferrovias autorizadas e sob concessão.

Elisa Gianella, sócia do escritório PGD Sociedade de Advogadas, cita a falta de equilíbrio de contratos. “Não está previsto o impacto que uma nova linha, sob regime de autorização, possa causar a uma concessão existente”, diz.

Ela também critica omissões do regime de autorização. “Qual a compensação ambiental, por exemplo, se a empresa que obteve autorização para explorar um trecho por 99 anos parar a obra e abandonar trilhos de ferro no mato?”, questiona Gianella.

Outra crítica é sobre a suposta frouxidão da lei. Há diversos pedidos de requerimentos de exploração de novos trechos por empresas sem requisitos.

A TAV Brasil é uma delas: criada com um capital social de apenas R$ 100 mil em 2021, apresentou um projeto e obteve autorização para tentar levantar R$ 50 bilhões para construir uma linha de trem de alta velocidade entre São Paulo e Rio de Janeiro, que pretende captar com o “BNDES e outras instituições financeiras”.

“A TAV Brasil não tem sequer um projeto básico de engenharia para saber o valor do investimento”, diz Quintella, da FGV, citando os obstáculos topográficos do trajeto SP-RJ que comportem um trem com velocidade de 300 km/hora.

Segundo ele, como a obra é de 10 anos, precisará ter apoio de mais de uma gestão do governo federal: “Nenhum lugar do mundo se constrói uma linha de trem de alta velocidade sem forte subsídio estatal.”