Os produtores de soja do Paraná se programaram ao longo de 2022 para escoar, neste começo de 2023, uma safra de soja transgênica de elevada produtividade, com logística de caminhões e navios contratados para exportá-la pelo Porto de Paranaguá.
Mas tinha uma rodovia federal esburacada no caminho para o litoral do Estado, causando um gargalo no escoamento da soja, que já dura 150 dias.
“Os produtores acumulam prejuízos que podem chegar a R$ 1 bilhão, entre sanções por atrasos na entrega, multas de navios parados em Paranaguá e custos extras de tradings para desviar a carga para os portos de Santos e de São Francisco do Sul, em Santa Catarina”, afirma Ágide Meneguette, presidente da FAEP (Federação da Agricultura do Paraná).
Os problemas na BR-277, uma rodovia federal que vai de Foz de Iguaçu até Paranaguá, começaram em novembro, quando houve um deslizamento de terra num trecho de serra entre Curitiba e Paranaguá, deixando apenas um faixa de pista transitável. Em fevereiro, o asfalto afundou em outro trecho e desde então o tráfego se limitou a meia pista nos dois pontos.
Apenas na semana passada, após pressão da bancada paranaense no Congresso, o governo federal liberou R$ 400 milhões para reformas emergenciais nas rodovias estaduais e federais que cortam o Paraná. As obras na BR-277, porém, não têm prazo para terminar – e devem atrasar por causa das chuvas no trecho de serra.
Com 5,7 milhões de hectares de soja plantados, o excesso de chuva beneficiou o desenvolvimento dos grãos no Paraná, o segundo maior produtor do País. A expectativa de colheita de 21 milhões de toneladas deve ser superada, o que significará um recorde para o Estado.
Nesse período de colheita da soja, a estimativa é que 1.300 caminhões são recebidos para triagem no porto de Paranaguá. Em março, quase 200 navios atracam no litoral do Paraná para o embarque do grão. Neste ano, em razão do problema na principal rodovia do Estado, cerca de 60 embarcações ficaram paradas, sem carga, na primeira quinzena do mês.
Concessões sob revisão
O drama na BR-277 expõe a paralisia do programa de concessões rodoviárias federais após a mudança de governo em Brasília. Iniciado na gestão Bolsonaro, o programa entregou 13 mil quilômetros de sete rodovias federais para concessão, o que gerou R$ 48,8 bilhões em investimentos privados.
A expectativa era de continuidade, com mais de 20 novos projetos, mas o novo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu antes revisar todos os contratos de concessões federais – incluindo os aprovados pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e prontos para ir a leilão, como o da BR-277.
A prioridade agora é solucionar, junto ao TCU e no Congresso, as pendências nos contratos de 4,8 mil quilômetros com pedidos de devolução amigável tramitando na Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) – a maioria resultado de concessões preparadas a partir de 2013, no governo Dilma Rousseff, num formato que se mostrou um fracasso.
“O modelo dos leilões, baseado na menor tarifa de pedágio, não funciona, pois exige um volume enorme de investimento para se fazer na estrada, incluindo duplicação de pista, e a tarifa de pedágio, muito baixa, não cobre”, afirma um empresário do setor de infraestrutura que atua no sul do País e não quis se identificar.
O caso do Paraná é mais complexo, pois mistura concessões estaduais e federais num pacote de seis lotes envolto em problemas que remontam à Operação Lava Jato. As concessões do bloco – 35% delas de rodovias estaduais e 65%, federais, realizadas em 1997 - terminaram em 2021 com acusações de pedágio elevado e irregularidades envolvendo as concessionárias.
Licitações estaduais
O governo estadual, responsável pelas licitações, devolveu as concessões para o governo federal. Se as novas licitações não acontecerem até abril, um empresário que conversou com o NeoFeed sob condição de anonimato e é próximo de Ratinho Júnior (PSD), assegura que o governador vai retomar as rodovias estaduais e montar um programa próprio de concessão, o que significa começar todo o processo do zero – estudos, modelagem e aprovação pelos órgãos competentes, pelo menos nos trechos estaduais.
“Em função da demora governo federal em dar início aos leilões das rodovias federais, muitas empresas estão começando a olhar para as concessões que estão sendo abertas pelos governos estaduais”, afirma Francisco Bulhões, vice-presidente da Monte Rodovias, holding controladora das concessionárias Bahia Norte (CBN), na Bahia, e Rota do Atlântico (CRA) e Rota dos Coqueiros (CRC), em Pernambuco.
São Paulo e Pernambuco são citados como exemplos. “Em uma semana, a equipe do governador Tarcísio de Freitas analisou o projeto de leilão do Rodoanel Norte, preparado pelo governo anterior, e colocou a licitação para andar”, diz Bulhões. “O mesmo ocorreu em Pernambuco: a governadora Raquel Lyra herdou projetos modelados e prepara para dar seguimento.”
Estados que tiveram continuidade de gestão, como Pará, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, mantiveram o cronograma de concessões e devem atrair investidores.
Enquanto isso, os produtores de soja do Paraná amargam prejuízos. “O caso da BR-277 confirma que o maior competidor do agronegócio brasileiro não são os produtores de outros países, mas nossa logística interna, que nos faz perder a eficiência obtida da porteira para dentro”, afirma Frederico Favacho, sócio do escritório Santos Neto Advogados, especialista em Direito Ambiental, Infraestrutura e Logística.