Durante boa parte da década passada, a Grécia foi o patinho feio da zona do euro. A economia começou a patinar a partir de 2008, piorou em 2010 e afundou de vez na crise em 2012, com queda de 25% do PIB e taxa de desemprego chegando a 28%.
Com uma dívida pública fora de controle, o país acabou aderindo nesse período a três planos de resgates financeiros consecutivos, desenhados pela União Europeia, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional (FMI), no valor astronômico de € 296 bilhões.
Após seguir à risca um regime forçado de reformas, que ainda estão longe de terminar, a Grécia não só deixou de ser a “ovelha negra” da União Europeia como se transformou num dos países que mais crescem no bloco, apesar da pandemia e de todos os males que vieram na sequência, como inflação elevada e contração do crédito.
A agência de classificação de risco S&P recentemente mudou sua perspectiva para o país de estável para positiva. Uma atualização completa colocaria a Grécia no triplo B menos, a primeira casa da classificação de grau de investimento -- o que mostra o caminho a trilhar pela frente.
É neste cenário que os gregos vão às urnas no domingo, 21 de maio, nas eleições gerais mais emblemáticas deste século.
O partido Nova Democracia, do atual primeiro-ministro, Kyriakos Mitsotaki - que desde 2018 conduz um bem-sucedido plano de recuperação do país -, tem uma vantagem de cinco a seis pontos nas pesquisas sobre o Syriza, o partido de oposição de esquerda radical, que estava no poder no auge da crise. Se necessário for, o segundo turno da eleição ocorre apenas em julho.
Se Mitsotaki conseguiu recuperar a economia grega, por que corre o risco de perder o cargo para um partido que ajudou a afundá-la anos antes? A resposta está no custo elevadíssimo que os gregos pagam até hoje para saírem do buraco.
Uma miríade de contradições cerca a recuperação grega. O PIB do país cresceu 8,4% em 2021 e 5,9% no ano passado – números chineses se comparados à média do bloco europeu (5,3% em 2021 e 3,5% no ano passado).
Outros indicadores alimentam um cenário aparentemente otimista. A Grécia registrou um aumento 50% no investimento direto no ano passado, melhor índice desde 2002. O setor-chave de turismo, responsável por um quinto do PIB, também deslanchou em 2022, atingindo 97% do nível pré-pandemia.
O lado B da recuperação, no entanto, não esconde os efeitos da pandemia. O país tem agora uma das maiores taxas de pobreza relativa da UE. A inflação do país em 2022 seguiu o padrão europeu, de 9,3%. O desemprego, de 11% em 2022 - acima da média do bloco –, é atribuído a uma consequência nefasta de uma década de crise: os gregos simplesmente relutam em se submeter a salários baixos, que desabaram desde 2012.
Até poucas semanas atrás, quando passou de € 832 para € 910 por mês, o salário-mínimo era menor do que há 12 anos. Milhares de vagas permanecem abertas em setores críticos para a economia grega, como de serviços de alimentação, turismo e construção. O êxodo de 400 mil jovens gregos para outros países da UE, apenas entre 2010 e 2015, também contribuiu para esse quadro.
“É preciso analisar a crise grega e sua recuperação com cuidado”, afirma o economista Carlos Honorato, professor da FIA Business School. Segundo ele, o endividamento grego foi fruto de um erro cometido pela União Europeia, que ficou encarregada da política cambial e monetária do bloco, mas deixou a política fiscal a cargo dos países.
“Havia uma regra, nunca respeitada, de que o déficit púbico não poderia ultrapassar 60% do PIB, e a Grécia, com histórico de desequilíbrio fiscal, se endividou e não tinha com emitir dinheiro, atribuição da União Europeia”, diz o acadêmico. A alternativa, a saída da Grécia da zona do euro, era vista como temerária para o bloco, pois Portugal e Irlanda também estavam endividados.
Copo meio cheio
Na metáfora do copo meio cheio, porém, é preciso destacar o papel exercido pelo premiê Mitsotaki. Economista com mestrado na Harvard Business School, Mitsotaki assumiu o cargo em 2018 e levou adiante medidas liberalizantes que ganharam a confiança do mercado. O governo suspendeu todos os controles de capital e introduziu uma ampla lei de investimentos para diminuir a burocracia.
Sua medida mais ambiciosa foi anunciada em 2021, em plena pandemia: o plano de reforma e investimento "Grécia 2.0". Até 2026, está prevista a adoção de 106 medidas de investimento e 68 reformas. O pacote será apoiado por € 17,77 bilhões em doações e € 12,73 bilhões em empréstimos.
Mitsotaki continuou entregando resultados macroeconômicos. A dívida do governo como proporção do PIB, que chegou a subir para 206% durante a pandemia, caiu para 171% no ano passado – número elevadíssimo, mas no nível mais baixo desde 2012 e uma das taxas mais rápidas de redução da dívida no mundo.
“Alguns dados, como aumento do investimento externo, mostram que o país ficou barato, o que facilita a atração de capital externo, mas não significa que a Grécia vai retomar o nível pré-crise rapidamente, é preciso paciência”, diz Honorato.
Segundo ele, o endividamento descontrolado do país europeu e o custo social para reequilibrar a economia servem de exemplo para nosso vizinho. “A Argentina, que cogita dolarizar sua economia, poder ser a Grécia de amanhã.”