CANNES – Quando é abordado nas ruas, Michael Douglas até hoje ouve fãs contarem que foram influenciados por “Wall Street - Poder e Cobiça” (1987) a fazerem carreira na Bolsa de Valores.
Por mais que a intenção do filme tenha sido discutir a ética no mercado financeiro, Gordon Gekko, seu personagem, passou a ser idolatrado.
De sua boca saiu uma das falas mais famosas da história do cinema: “Ganância, na falta de uma palavra melhor, é algo bom. A ganância está certa. A ganância funciona’’.
“Todos os caras de Wall Street que já encontrei na vida sempre me cumprimentam dizendo: ‘Você é o cara. Você é o homem que me colocou nesse negócio. Eu te amo’”, contou Michael Douglas, em sua passagem pelo Festival de Cannes esta semana.
“Quando eu pergunto ‘Como assim?’, dizendo que o meu personagem era um vilão, eles não concordam”, recordou o ator, de 78 anos.
Douglas esteve na Riviera Francesa para ser homenageado com uma Palma de Ouro honorária por sua contribuição artística, em mais de cinco décadas e meia de carreira nas telas.
Gordon Gekko foi mencionado várias vezes nos eventos realizados com ator nesta 76ª edição do maior festival de cinema do mundo, que tem cobertura do NeoFeed.
O ator definiu o seu personagem especulador da Bolsa como um “caso bizarro” durante o encontro com público, na lotada Salle Buñuel, com capacidade para 450 pessoas.
Foi principalmente nos Estados Unidos em que Gekko foi interpretado erroneamente por muitos espectadores. “Eles cultuam até a sua maneira de se vestir”, comentou. Para o ator, o personagem criado para ilustrar a falta de escrúpulos no mercado financeiro também significa muito.
“Até então eu era muito comparado com o meu pai”, disse o filho do ator Kirk Douglas (1916-2020), uma lenda na história do cinema. “A conquista daquele Oscar, ou melhor, a indicação para o Oscar, foi o momento em que tudo mudou na minha carreira.”
Ele destacou o fato de a indicação de melhor ator sempre vir dos colegas de profissão dentro da Academia de Hollywood. “Assim que eles passaram a me ver como merecedor daquela indicação, não senti mais tanta comparação com o meu pai, fosse positiva ou negativa. E foi o que permitiu que eu saísse definitivamente da sombra de meu pai, aumentando o meu prazer de atuar e a minha confiança.”
Mas houve, sim, semelhanças entre as carreiras de pai e filho. “Quando o meu pai começou, ele interpretou papéis de jovens sensíveis. Ele só fez algo diferente no seu sexto filme, “O Invencível” (1949), que lhe rendeu uma indicação ao Oscar pelo papel de um boxeador que lutou para chegar ao topo e não se importava com ninguém”, contou Douglas, lembrando que sua trajetória foi parecida.
“Quando olho para trás, percebo que também encarnava o tipo sensível no início da minha carreira. Só depois de começar a encarnar personagens mais sombrios e não necessariamente heroicos, eu passei a receber um pouco mais de atenção. E foi o que me levou ao filme ‘Wall Street’”, afirmou.
O único Oscar de interpretação que Douglas ganhou até hoje veio justamente com o papel do magnata de Wall Street que usa informações sigilosas obtidas de um corretor ambicioso (Charlie Sheen) para enriquecer ainda mais. A outra estatueta que recebeu foi por “Um Estranho no Ninho’’, de melhor filme, por ele ter sido um dos produtores do título, em 1976.
Ainda sobre Gekko, o ator contou que o personagem foi se transformando durante a filmagem. Sobretudo depois que o diretor, Oliver Stone, arrasou o ator, ao visitá-lo no trailer.
“Estávamos na segunda semana de trabalho, quando Oliver pediu para conversar. Ele perguntou se eu estava usando drogas. Respondi que não. E ele soltou: ‘Porque parece que você nunca atuou na sua vida’. Depois, percebi que ele fez isso porque queria um pouco mais de maldade em Gekko, nem que para isso eu canalizasse a minha raiva no diretor.”
E o que levou Douglas a aceitar a continuação, “Wall Street: O Dinheiro Nunca Dorme’’ (2010)? “Provavelmente ganância”, brincou ele, concordando que as sequências dificilmente se comparam ao original. “Quando Oliver aceitou fazer a segunda parte, depois de ter dito que não faria, também achei que poderíamos fazer algo especial.”
Mas o resultado foi um filme morno, sem impacto. “Possivelmente não foi uma decisão muito inspirada da nossa parte”, disse ele, referindo-se à trama iniciada com a saída de Gekko da prisão, após cumprir pena por lavagem de dinheiro, fraude e extorsão.
O ex-magnata volta à cena de Wall Street ao ajudar um jovem corretor da Bolsa (encarnado por Shia LaBeouf), a desmascarar o esquema antiético de um banco de investimentos. “Acabamos nunca acertando o roteiro”, reconheceu o ator.