A discussão sobre a inflação ter se tornado o maior desafio da economia global pós-pandemia foi o prato principal do jantar de abertura do fórum anual do Banco Central Europeu (BCE), em Sintra, Portugal.

Ao discursar na segunda-feira, 26 de junho, a economista Gita Gopinath, subdiretora-geral do Fundo Monetário Internacional (FMI), listou "três verdades inconvenientes da política monetária atual", todas referentes à inflação.

O evento, que tem a participação de representantes dos principais BCs do mundo, vai até quarta-feira, 28, e conta com uma extensa lista de debates em torno do tema.

“Estamos entrando em um período em que temos que reconhecer que a inflação está demorando muito para voltar à meta – essa é minha primeira verdade incômoda – e isso significa que corremos o risco de a inflação se consolidar”, disse a economista, nascida na Índia e que tem cidadania americana.

Em seu discurso, Gopinath comparou a expectativa de a inflação baixar com a famosa peça de teatro de Samuel Beckett, Esperando Godot.

Na peça, tanto o elenco quanto o público aguardam um personagem misterioso chamado Godot, que nunca aparece. “Esperamos, é claro, que a vida real tenha um final diferente da peça, mas o fato é que ainda estamos aguardando o ressurgimento da inflação baixa”, disse.

Segundo ela, as esperanças de desinflação - provavelmente alimentadas pela queda acentuada nos preços da energia - sustentam as expectativas de que as taxas de juros cairão em breve.

Pesquisas de analistas de mercado pintam um quadro semelhante e sugerem que a inflação provavelmente cairá sem grande impacto no crescimento. “Mas é útil ter em mente que não há muito precedente histórico para tal resultado”, advertiu.

Referindo-se à segunda verdade inconveniente da política monetária, Gopinath disse que há um estresse financeiro que pode gerar tensões entre as medidas dos bancos centrais para combater a inflação e os objetivos de estabilidade financeira.

“Alcançar a ‘separação’ por meio de ferramentas adicionais é possível, mas não um fato consumado”, disse a economista.

Se a inflação persistir e os bancos centrais precisarem apertar muito mais do que os mercados esperam, disse ela, as condições financeiras modestamente apertadas de hoje podem dar lugar a uma rápida reavaliação de ativos e um forte aumento dos spreads de crédito.

“Vimos durante o ano passado como, sob algumas circunstâncias, o aperto da política pode vir com tensões financeiras significativas, como na Coreia do Sul, Reino Unido e, mais recentemente, nos Estados Unidos”, afirmou.

Esses estresses financeiros ocorrem porque, embora os bancos centrais possam estender amplo suporte de liquidez a bancos solventes, não podem apoiar bancos, empresas ou famílias insolventes.

Inflação ascendente

Quanto à terceira verdade inconveniente, Gopinath foi clara: daqui para frente, os bancos centrais provavelmente vão experimentar mais riscos de inflação ascendente do que antes da pandemia.

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Gita Gopinath, economista do FMI

Entre os motivos alinhados, ela citou dois. O primeiro é que alguns dos riscos refletem mudanças estruturais que afetam a oferta agregada – intensificadas pela pandemia e pela guerra na Ucrânia — e isso pode resultar em choques maiores e mais persistentes.

“Além disso, aprendemos a lição de que a Curva de Phillips não é plana de forma confiável”, acrescentou, referindo-se à teoria do economista neozelandês A. W. Phillips (1914-1975).

De acordo com essa teoria, a inflação e a taxa de desemprego têm uma relação inversa. Ou seja, quando uma aumenta, a outra diminui.

Ao mesmo tempo, quando há mais empregos, os preços costumam subir. Isso quer dizer que a queda do desemprego pode influenciar no aumento da inflação, como ocorre no pós-pandemia em vários países, como nos EUA.

Gopinath, no entanto, diz estar confiante pelas ações que o BCE - e muitos outros bancos centrais - tomaram para enfrentar a inflação.

A boa notícia, afirmou, é que, embora a inflação baixa possa parecer evasiva, certamente não é estranha, e as ações dos bancos centrais podem fazer efeito: “Ao contrário dos personagens em Godot, não estamos esperando a chegada de um estranho em potencial; estamos convidando um velho amigo para voltar.”