Uma lista de coisas favoritas inevitavelmente varia de pessoa para pessoa — e mesmo quem a faz pode se sentir tentado a modificá-la mais dia menos dia. Mas ela serve como uma referência, uma baliza a nortear os valores do universo pessoal dentro do escopo definido.
É com isso em mente que quero apresentar aqui as cinco exposições de arte que foram fundamentais para minha formação, como pessoa e como artista — as mais marcantes, as que não me saem da cabeça.
Começo pelo impacto que foi ver a mostra dedicada ao trabalho do alemão Joseph Beuys (1921-1986) na Pinacoteca de Munique, em 2009. Fiquei fortemente comovido quando vi sua instalação de pedras dispostas de forma não aleatória no chão do museu. Beuys sabia comunicar, de forma contundente e visceral.
Tive uma reação semelhante quatro anos mais tarde, quando apreciei as obras da sueca Hilma af Klint (1862-1944) na Bienal de Veneza. Ela foi uma das pioneiras do abstracionismo e sua obra adquiriu profundidade singular.
A sueca integrou um núcleo espiritual da arte, flertava com o misticismo e acabou se tornando próxima do filósofo, educador e esotérico austríaco Rudolf Steiner (1861-1925), fundador da antroposofia e criador da pedagogia Waldorf. Sem dúvida, a artista influenciou o filósofo e vice-versa.
É possível associá-la a nomes como o holandês Piet Mondrian (1872-1944) e os russos Wassily Kandisnky (1866-1944) e Kazimir Malevich (1879-1935) mas, para mim, vale destacar a profundidade única das pinturas dela, que revelam o que há de mais sofisticado e espiritualizado nas artes.
Hilma af Klint não foi muito reconhecida em vida, é verdade. Mas hoje seus trabalhos são considerados inovadores e radicais. Em 2018, o público brasileiro pôde conferir sua genialidade porque a Pinacoteca do Estado de São Paulo dedicou a ela uma mostra.
Visitei, em 2013, a exposição das obras do indo-britânico Anish Kapoor (1954- ) na Pinacoteca de Berlim. Considerada a mais abrangente das mostras do artista, ela revelou várias facetas de seu aclamado trabalho.
Destaco as nuances dos fragmentos e da pigmentação das tintas. Recordo-me bem de uma instalação, com um círculo magenta no meio — uma das minhas cores prediletas.
E ao longo da exposição, podíamos interagir com os famosos e clássicos espelhos que, por causa de suas formas não convencionais, refletiam o corpo do espectador de maneiras inusitadas.
Em salas vazias do museu, o artista trabalhou efeitos de ilusão de ótica como se houvesse, por exemplo, um buraco no chão. Suas provocações artísticas ainda incluíram pedras furadas no meio e curvaturas brotando da parede.
A obra de Kapoor tem essa faculdade: a de mexer com os sentidos, aguçar as percepções. Nessa mostra estava também o famoso canhão concebido por ele para atirar tinta na parede do museu. A intervenção marcava, de forma absurda, sua passagem pelo local. Ele é um dos mais brilhantes artistas contemporâneos — e ver tal exposição me marcou indelevelmente.
Mas uma lista desta só fica completa com o reconhecimento da importância dos renascentistas. Destaco a impressionante mostra dedicada a Rafael (1483-1520) realizada pelo Museu Nacional Pushkin de Belas Artes, em Moscou, cinco anos atrás. Rafael foi um gênio, aquele que produziu obras das mais angelicais e belas da história da arte.
O artista é representante da escola de Florença, o que significa que teve entre seus pares pessoas maiúsculas como Michelangelo (1475-1564) e Leonardo da Vinci (1452-1519). E ele não foi apenas um mestre da pintura, mas também conceituado arquiteto — um dos nomes por trás do projeto da Basílica de São Pedro, sede do catolicismo.
Como presidente de um museu, fico imaginando também as dificuldades de se realizar uma exposição dessa dimensão. O seguro contratado deve ter sido caríssimo. O transporte de tantas obras desse porte certamente envolveu uma operação sofisticada. E as instalações? Certamente, o Pushkin precisou fornecer a melhor estrutura possível de segurança, conservação, temperatura, nível de umidade…
Contudo, ver uma obra de Rafael pessoalmente é muito diferente de admirar as tantas reproduções consagradas nos livros de história da arte. Ao contemplar sua técnica, as cores, as sombras e os detalhes que lhe são característicos, entende-se que todo esse investimento e toda a mobilização para a exposição certamente valeram a pena.
Não quero encerrar estas reflexões sem citar uma exposição brasileira que me impactou profundamente: foi quando pude admirar as obras de Arthur Bispo do Rosário (1909-1989), há 12 anos, na colônia Juliano Moreira, no Rio. Mas esta história eu já contei aqui. Permito-me, apenas, repetir o orgulho que sinto por poder expor obras dele no FAMA.
* Marcos Amaro é artista plástico, colecionador, empresário e presidente do FAMA Museu e Campo