No vídeo do TikTok, a voz masculina desafia: "Diga-me que você está usando Ozempic sem me dizer que você está usando Ozempic".
Mulheres e homens, jovens e velhos, de vários países, dançam defronte ao espelho. Eles não falam nada, mas o orgulho de seus corpos diz tudo. Alguns mais do que outros, todos emagreceram.
Só a hashtag #ozempic acumulava na tarde de sexta-feira, 6 de janeiro, mais de 385 milhões de visualizações. A #ozempicweightloss, 150 milhões e a #ozempicchallenge, outras 5,5 milhões. Há ainda a #ozempictransformation, a #teamozempic, a #ozempicjourney, a #ozempicinsights... a lista é enorme.
Fabricada pela farmacêutica dinamarquesa Novo Nordisk e lançada em 2017, a semaglutida, princípio ativo do Ozempic, é indicada para o tratamento do diabetes tipo 2. Mas, o que desperta a atenção é um dos efeitos colaterais do remédio: a perda de peso.
Estudo publicado na prestigiosa revista científica The New England Journal of Medicine indica uma redução de massa corporal de quase 15%, ao longo de 68 semanas, contra os 2,4% de perda entre os voluntários do grupo placebo. É muita coisa, quase um milagre para quem vive em guerra contra a balança. Propagado pelas mídias sociais, o medicamento, no ano passado, virou um fenômeno.
A euforia em torno da Novo Nordisk aumentaria com o lançamento, em 2021, da mesma semaglutida, agora com indicação específica para o controle da obesidade. Aprovada recentemente pelas autoridades sanitárias brasileiras, a nova versão é vendida sob o nome comercial de Wegovy.
E, a exemplo do Ozempic, o novo remédio viralizou nas redes sociais. No TikTok, só a #wegovy acumula quase 150 milhões de visualizações. Segue assim no Instagram, Facebook e Twitter. O bilionário Elon Musk, por exemplo, foi uma das celebridades que ajudaram a fazer a fama dos remédios do laboratório dinamarquês.
Em um tweet de novembro passado, o dono da Tesla, SpaceX e Twitter justificou assim a perda de 13,6 quilos: “Jejum intermitente + Ozempic/Wegovy + Nenhuma apetitosa perto de mim”.
A euforia em torno dos medicamentos é uma benção e uma maldição para a farmacêutica, avaliam os analistas de mercado. Primeiro, a boa notícia. Até agosto de 2022, as vendas de Ozempic movimentaram US$ 6,1 bilhões, um aumento de 86% em relação ao ano anterior. No mesmo período, o Wegovy chegou a US$ 536 milhões, seis vezes mais do que em 2021.
No ano passado, o lucro operacional da Novo Nordisk cresceu a taxas de câmbio constantes de 13% a 16% acima da meta prevista anteriormente, estimada entre 11% e 15%. No terceiro trimestre de 2022, o aumento foi de quase um terço, para US$ 2,7 bilhões acima dos US$ 2,6 bilhões esperados. No balança de final de ano, as ações da farmacêutica subiram 22%.
Os analistas da consultoria Zacks Equity Research fizeram as contas. Um investimento de US$ 1 mil em janeiro de 2013, na companhia dinamarquesa, renderia em 4 de janeiro de 2023 o total de US$ 4.140,27, ganho de 314,03%. Caso a aplicação tivesse sido feita no S&P 500, o retorno seria de 162,04% e no ouro, de 6,62%. Desde o lançamento do remédio, em dezembro de 2017, as ações acumulam uma valorização de 194%.
No segundo semestre de 2022, o papel da Novo Nordisk estava em queda. Em julho, estava sendo negociado na casa dos US$ 110 até chegar ao piso de US$ 95,28 em 26 de setembro. As dancinhas no TikTok animaram, também, os investidores. E a ação acumulava valorização de 43%, aos US$ 136,25, até 5 de janeiro.
O grande desafio do laboratório é manter os estoques para atender à demanda. No ano passado, a empresa não deu conta de todos os pedidos e alguns países sofreram com a escassez de Ozempic, o que chegou a impactar negativamente, por um tempo, as ações da companhia. O desabastecimento deixa sem remédio quem realmente precisa.
Teve americano atravessando a fronteira para o Canadá em busca do remédio. Na província de Colúmbia Britânica, dez em cada cem receitas haviam sido emitidas nos Estados Unidos.
A Novo Nordisk tem ainda de enfrentar a concorrência da americana Eli Lilly. Em meados do ano passado, a empresa lançou o Mounjaro, para o controle do diabetes tipo 2, com mecanismo de ação e efeitos colaterais semelhantes aos do Ozempic e Wegovy. A FDA, a agência de controle de medicamentos e alimentos dos Estados Unidos, avalia o produto para emagrecimento.
Avaliado em cerca de US$ 60 bilhões, o laboratório dinamarquês tem de lidar também com os pedidos de cautela dos médicos, frente ao consumo desenfreado e sem orientação de seus medicamentos. Ainda que o Ozempic e o Wegovy não atuem no sistema nervoso central como fazem os anorexígenos (proibidos no Brasil), a automedicação é sempre um perigo.
Administrados uma vez por semana, sob a forma de injeções, os principais efeitos dos remédios, registrados em 1% dos pacientes, vão de enjoos, azia, constipação e tontura a cansaço, aumento das enzimas pancreáticas e cálculo biliar. Isso, evidentemente, ninguém vê no TikTok.