Em 31 de outubro de 2008, um criptógrafo de codinome Satoshi Nakamoto publicou um artigo intitulado “Bitcoin: a Peer-to-Peer Eletronic Cash System”. Na obra, o autor apresentava pela primeira vez uma espécie de base de dados global, descentralizada e altamente segura, que ele chamou de blockchain. O resto é história.

O blockchain deu origem às moedas virtuais e com o passar dos anos começou a ser usado para a validação de contratos inteligentes, autenticação de propriedades intelectuais e até registro de informações médicas, como já ocorre na Estônia, o pequeno país do Leste Europeu.

Apesar dos notáveis avanços, o blockchain permaneceu distante do mercado de capitais. Ou melhor, permanecia. A barreira acaba de ser quebrada pelo Itaú BBA, maior banco de investimentos do país.

O Itaú BBA coordenou a primeira emissão de debêntures tokenizadas da história do Brasil. A tecnologia blockchain deu suporte para a operação – é o primeiro passo de uma longa caminhada que deverá mudar para sempre a forma como ativos financeiros serão formalizados.

“Iniciamos um processo que significará em breve uma verdadeira revolução”, diz Fábio Villa, diretor comercial do Itaú BBA. “No futuro próximo, não fará mais sentido ter documentação física ou custódia de ativos em papel. Vai virar tudo digital”, acrescenta Caio Viggiano, managing director de renda fixa do Itaú BBA.

A operação coordenada pelo banco foi lançada na plataforma de negociação de ativos tokenizados Vórtx QR, a primeira do país regulada pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM). As debêntures tokenizadas foram emitidas pela Salinas Participações, uma empresa do Rio de Janeiro especializada na área de home care. A operação totalizou R$ 74 milhões, com prazo de seis anos e remuneração de CDI + 3,90%.

A tokenização trará algumas mudanças. Para o investidor, a compra dos ativos financeiros não será feita nos bancos os nas corretoras de investimentos, mas na plataforma da tokenizadora. No mesmo lugar, o investidor poderá negociar a venda no mercado secundário, de acordo com a demanda de outros interessados.

“Iniciamos um processo que significará em breve uma verdadeira revolução”, diz Fábio Villa, diretor comercial do Itaú BBA

Caio Viggiano diz que a iniciativa traz embutida a ideia da democratização dos investimentos. Em geral, o público-alvo das debêntures são investidores profissionais. Além disso, a oferta costuma ser para um número limitado de 75 investidores. Destes, apenas 50 podem efetivamente realizar o investimento.

A debênture tokenizada muda tudo. Com ela, os investidores qualificados do varejo também poderão ter acesso a esse tipo de ativo, destravando um novo e promissor mercado. Para o universo corporativo, o projeto traz inúmeras possibilidades. Empresas de menor porte e sem muita experiência no mercado de capitais poderão captar recursos dessa maneira.

A Salinas, por exemplo, ainda não havia emitido uma debênture e confiou no Itaú BBA para se associar a um projeto inédito na indústria financeira brasileira. “A emissão passa uma mensagem muito clara”, diz Fábio Villa. “Uma companhia de médio porte como a Salinas, que nunca acessou o mercado de capitais, emitiu uma debênture tokenizada. Ou seja, não é um bicho de sete cabeças.”

Como regra geral, a empresa interessada deve ter balanço auditado pela CVM e ser uma S/A de capital fechado. Milhares de companhias brasileiras se enquadram nessas categorias. Para o Itaú BBA, a proposta também traz oportunidades. “Estamos fincando bandeira em um mercado que tem tudo para decolar”, reforça Caio Viggiano.

“No futuro próximo, não fará mais sentido ter documentação física ou custódia de ativos em papel. Vai virar tudo digital”, afirma Caio Viggiano, managing director de renda fixa do Itaú BBA

Ele diz que o desafio agora é trazer investidores institucionais para o segmento de ativos tokenizados. São eles, afinal, que darão ainda mais legitimidade para esse mercado, ajudando-o a amadurecer e a atrair novos investidores.

Os dois executivos ressaltam a segurança por trás da operação. Ela foi chancelada e será fiscalizada pela CVM, respeitando todos os arcabouços legais. O projeto, portanto, não tem nenhuma conexão com os tokens não regulados e que já existem há um bom tempo no mercado.

A CVM, por meio de um processo conhecido como sandbox regulatório, autorizou a emissão de doze emissões tokenizadas como uma espécie de laboratório-teste para o mercado.

Diante disso, o Itáu BBA já está de olho em novas emissões. Uma delas, diz Caio Viggiano, já tem negociações avançadas e poderá ser concluída nas próximas semanas. “A novidade é que um investidor institucional deverá participar da oferta”, revela o executivo.

O mercado, de fato, é muito promissor. “Só na minha diretoria, que inclui as operações de middle market, corporate banking, multinacionais e tech, são 17 mil clientes ativos em todo o Brasil”, lembra Villa. “Portanto, é muito provável que daremos escala para esse projeto.”