É indiscutível que com o lançamento do ChatGPT a IA se popularizou e passou a ser assunto de discussão de conselhos e executivos C-level.
A IA é fascinante, embora não se resuma ao ChatGPT e as técnicas de “generative AI” e sistemas LLM (LLM - Large Language Model, uma técnica de inteligência artificial que foi desenvolvida a partir de uma série de avanços em áreas como aprendizado de máquina, processamento de linguagem natural e redes neurais artificiais). A IA é muito mais que isso.
Claro que com o frenesi provocado por esses chatbots, muitas vezes perde-se o foco do que é importante e de onde as ferramentas de IA poderão contribuir para as organizações. A era da Inteligência Artificial já é presente e não começou agora. Está simplesmente se acelerando.
Mas, antes de avançarmos nas possibilidades e, claro, também reconhecermos suas limitações, precisamos primeiro fazer uma breve descrição do que é IA: é a aplicação da matemática e do código de software para ensinar os computadores a entender, sintetizar e gerar conhecimento de maneira semelhante à maneira como as pessoas o fazem.
A IA é um programa de computador como qualquer outro. Ele funciona em uma máquina, recebe dados de entrada, processa e gera saída. A aplicação da IA é útil em uma ampla gama de áreas de atuação, desde codificação de programas até medicina, direito e artes criativas.
Os algoritmos de IA são produção do conhecimento e inteligência das pessoas e controlada por pessoas, como qualquer outra tecnologia. E, importante, devemos sempre lembrar que a IA não é inteligente no sentido de compreender o que está fazendo.
O resultado de frases produzidas, embora bem construídas e fazendo sentido para nós, como as que vemos sendo geradas pelo ChatGPT, são frutos de cálculos probabilísticos.
A razão pela qual os LLMs podem imitar a conversa humana de forma tão convincente decorre da visão pioneira de Alan Turing, que percebeu que não é necessário que um computador entenda um algoritmo para executá-lo.
Isso significa que, embora o ChatGPT possa produzir parágrafos cheios de linguagem emotiva, ele não entende nenhuma palavra em nenhuma frase que gera.
E, também uma descrição bem mais curta do que a IA não é: software e robôs assassinos que ganharão vida e decidirão eliminar a raça humana, como vemos nos filmes de ficção científica.
Manchetes sensacionalistas do tipo “end of humanity” são simples “clickbaits” que não tem um pingo de realidade. Nesse artigo não vamos cair no hype, mas debateremos a aplicação de IA de forma racional.
Manchetes sensacionalistas do tipo “end of humanity” são simples “clickbaits” que não tem um pingo de realidade
A IA não vai viver em um vácuo. Sua aplicação bem-sucedida nas empresas decorre da aplicação correta de uma complexa interligação dessas ferramentas com a estratégia e os modelos de negócio da organização, bem como da capacidade de absorção de novas ferramentas pela cultura organizacional, sem esquecer de como os processos, infraestrutura tecnológica, disponibilidade de talentos, políticas de governança de dados e aderência à aspectos regulatórios, éticos e de compliance estão adequados.
A empresa tem que se preparar para adotar IA em suas operações e isso depende claramente de sua maturidade digital.
Diversos aspectos devem ser considerados, mas destacaremos dois, para explorarmos um pouco mais nesse artigo.
O primeiro é a estratégia de negócios. Se a aplicação da IA for adequada, nos lugares certos e nos momentos certos, ela pode alavancar a transformação dos negócios e até mudar ou criar modelos de negócio.
O segundo ponto, muito importante: é o fator humano e a cultura organizacional. Sem liderança e engajamento da alta administração, sem adaptação às mudanças em processos e novas maneiras de se fazer as coisas, por parte das pessoas que constituem a organização, as iniciativas de IA podem fracassar.
As aplicações de IA variam de empresa para empresa, pois cada organização tem objetivos de negócios diferentes, atua em setores diversos e mostra graus diversos de maturidade digital.
Não existe uma receita de bolo, como uma solução de IA “plug and play” que pode ser ligada na tomada e, de um dia para o outro, transforma a organização.
O ponto de partida para as iniciativas de aplicação de IA é responder de forma objetiva a algumas questões simples:
1 - Como a aplicação da IA poderá melhorar meu negócio?
2 - O que poderemos fazer com uso da IA para criarmos ofertas de produtos e serviços que nos ajudará a crescer no mercado?
3 - Como ganharemos dinheiro e seremos mais eficientes com uso da IA?
Claro que essas perguntas devem ser formuladas e debatidas não por cientistas de dados, em “IA labs” desconectados do negócio, mas pelos executivos que tomam decisões estratégicas nas corporações. Não é um problema de tecnologia, mas um desafio estratégico de negócios.
Para isso, os executivos devem ter a clara compreensão das demandas do negócio, seu setor e desejos dos clientes, das possibilidades estratégias de uso da IA e conhecimento de como essas ferramentas poderão endereçar e resolver essas questões.
É uma decisão que não deve ser tomada individualmente, mas fruto de debates e deliberações entre os executivos e o pessoal técnico que os assessorará nas questões mais específicas das potencialidades e limitações do estado da arte tecnológico.
Na discussão estratégica podemos considerar algumas possibilidades:
1 - Criação de novos modelos de negócio e novos mercados, ecossistemas, produtos e serviços.
2 - Transformação das operações, tornando-se muito mais eficientes e efetivos nos processos.
3 - Influencia no comportamento dos clientes e seu relacionamento com a empresa.
Para essas decisões estratégias se materializarem, os executivos devem assumir engajamento e considerá-las prioritárias em suas ações e budgets.
Muitos fatores afetam a capacidade das empresas na implementação de soluções baseadas em IA, e o fator humano, não apenas do pessoal técnico, mas dos executivos e a cultura da empresa são dos mais críticos.
Não são apenas tecnologia, dados e capacidade computacional que fazem os projetos de IA avançarem. A liderança, as atitudes, a cultura organizacional e os skills são os atributos humanos que afetam muito mais que a disponibilidade de tecnologia. Sem tecnologia, não se avança, mas sem o lado humano, também não.
Um alerta que fazemos é que a falta de compreensão do potencial e das limitações das tecnologias de IA por parte dos executivos e linguagens diferentes destes com os técnicos, podem fazer com que as lideranças das empresas não se engajem de forma significativa nas estratégias de IA.
As iniciativas de IA não devem ser criadas por pressão dos acionistas e reação ao FOMO (Fear of Missing Out)
As iniciativas de IA não devem ser criadas por pressão dos acionistas e reação ao FOMO (Fear of Missing Out), de sua empresa ficar para trás, sem visão clara do que precisam realmente resolver com uso da IA.
O discurso de “estamos fazendo projetos de IA” e não “estamos resolvendo um problema de negócios com aplicação de técnicas de IA” simplesmente não funciona. IA não deve ser o motivo, mas sim a solução para os problemas e desafios.
E entramos em um assunto que merece uma ampla discussão: o impacto da cultura organizacional na velocidade de adoção e até mesmo sucesso dos projetos de IA nas empresas.
Adoção da IA em uma organização demanda uma cultura que aceite riscos (IA é probabilístico e, portanto, existe sempre a possibilidade de erros, e o que varia é o grau de assertividade dos modelos) e propensão a aceitar um mind set “data-driven”, apoiando decisões e ações nos processos.
Se a empresa não estiver aberta, dificilmente veremos projetos, por mais fantásticos que pareçam, serem aceitos de forma ampla pela organização. Provavelmente ficarão nos protótipos, não entrando em produção e não gerando valor.
Uma organização, por mais reativa que seja, pode aos poucos incorporar conceitos e princípios que permitam maior flexibilidade e inovação, e, com isso, as experimentações com IA começam a chamar atenção, facilitando sua disseminação pela empresa.
Um dos pontos essenciais à essas mudanças é educação sobre o tema. Disseminar conhecimento sobre conceitos e permitir que mais e mais pessoas nas empresas usem IA, principalmente agora que existem soluções fáceis de utilizar, como sistemas LLM (Large Language Models) como chatGPT, Bard e outros, acessados via simples browsers.
Os primeiros projetos devem mostrar claramente que têm objetivos e expectativas realistas. Criar um overhype vai levar à frustração e consequentemente, vai aumentar a reação contrária.
É importante analisar o grau de adaptação das atuais estruturas de controle para garantir que não haja nenhuma ameaça de privacidade, violação às regras de compliance e contaminação de vieses embutidos nas respostas dos sistemas de IA, que podem afetar a imagem da empresa e gerar insatisfação para os clientes. Isso exige cautela.
Além disso, existe o fator “talentos”. Há poucas pessoas que conhecem IA em geral, e há ainda menos pessoas que conhecem uma particularidade da IA, que são os LLMs, tão em moda. Portanto, um dos principais desafios é como treinar e capacitar o pessoal que estará envolvido com essas tecnologias.
Os projetos de IA, precisam de pessoal técnico e engajamento dos líderes e profissionais dos setores de negócios. É necessário identificar que áreas de negócio poderiam ser as primeiras a serem usadas em provas de conceitos e isso, obviamente, depende do engajamento de seus líderes.
As expectativas precisam ser realistas e os resultados obtidos devem ser amplamente divulgados, para que a organização aprenda com os acertos e erros
As expectativas precisam ser realistas e os resultados obtidos devem ser amplamente divulgados, para que a organização aprenda com os acertos e erros. As ações de IA devem focar não apenas em resultados de curto prazo, mas manter sempre à vista a visão estratégica, de futuras possíveis utilizações, que, claro, só acontecerão se as primeiras apresentarem valor palpável para o negócio.
A preocupação com capacitação e a forma como IA é divulgada na empresa vai afetar em muito o entusiasmo ou rejeição. Os funcionários têm expectativas diversas, estão em pontos diferentes de suas trajetórias profissionais e, portanto, interesses diversos.
Uma educação estilo “one size fits all” nem sempre funciona. É um ponto que merece muita atenção. A educação em IA demanda investimentos e tempo. Se a empresa está realmente engajada em adotar IA de forma mais intensa, esse cuidado é essencial.
IA não é apenas tecnologia. Demanda liderança engajada, cultura “data-driven” e aberta às experimentações e erros. A tecnologia é a parte mais fácil da equação. O maior desafio está na definição de uma estratégia coerente e factível, e na mobilização e engajamento dos funcionários e líderes, para que experimentem e adotem essas ferramentas.
* Cezar Taurion é Chief Strategy Officer (CSO) da Redcore