A suíça Novartis, uma gigante mundial com faturamento de US$ 51,9 bilhões em 2018, causou muito barulho ao lançar, no início deste ano, o Zolgensma, remédio usado para tratar de Atrofia Muscular Espinhal (AME).
O nome é complexo e a doença é devastadora: entre sete e dez bebês a cada 100 mil nascidos no mundo são afetados e a AME pode levar a criança à morte antes mesmo de completar os dois anos de idade.
Mais do que o lançamento de um novo medicamento, ele fez estardalhaço global porque veio recheado de polêmicas e simbologias. Ele é polêmico porque é considerado o mais caro do mundo. Uma dose, a única usada no tratamento, custa US$ 2,1 milhões.
O remédio também é carregado de simbologia porque representa o início de uma nova era da farmacêutica. O medicamento é uma das principais apostas da Novartis nas terapias gênicas e celulares.
O Zolgensma consegue reparar os genes que produzem a proteína SNM, que protege os neurônios motores, fazendo com que crianças que haviam perdido os movimentos voltem a se locomover.
Na terapia celular, o representante da companhia é o Car-T, remédio para câncer de sangue que reprograma as células de defesa do próprio paciente para combater as células cancerígenas.
Tal qual o Car-T, a Novartis está se “reprogramando” para enfrentar a nova fase da indústria com inovação e digitalização intensivas. E investindo pesado nisso: são US$ 10 bilhões por ano em pesquisa, desenvolvimento e inovação.
É preciso capital intensivo. Afinal, as novas tecnologias acirraram a competição. “O ponto é que hoje os concorrentes conseguem chegar em moléculas parecidas mais rapidamente”, diz Renato Carvalho, CEO da Novartis, ao NeoFeed.
O preço do Zolgensma, de fato, assusta. Mas o executivo explica que, nos Estados Unidos, onde foi aprovado, ele se mostrou 50% mais barato do que os tratamentos atuais.
“A pessoa que recebe o nosso medicamento toma uma única dose e não precisa tomar mais. Caso fizesse o tratamento convencional, custaria mais para o sistema de saúde em um período de dez anos.”
No Brasil, estima-se que a AME afete cerca de 200 pessoas por ano e Carvalho afirma que está trabalhando para trazer o medicamento ao País. “Vamos discutir isso com o Ministério da Saúde.”
A ideia é mostrar a economia no longo prazo e estruturar um financiamento para que o governo pague com mais tempo e fôlego. “Conversaremos com todos os órgãos do governo e acreditamos que podemos ter medicamentos como esses dentro de um ano.”
Procurada pelo NeoFeed, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) diz que o processo de regulação de terapias avançadas, que abrange também a terapia gênica, teve início em 2012. Desde então, a agência publicou duas resoluções sobre o tema.
Uma delas é a RDC 214, de 2018, que trata das boas práticas para o uso de células humanas destinadas à produção de terapias gênicas e pesquisa clínica. Já a RDC 260, também de 2018, diz respeito as regras para a realização de ensaios clínicos com produto de terapia avançada.
Para esse ano, a agência prevê a abertura de uma consulta pública com a proposta de normas para o registro de produtos. A Anvisa ressalta, porém, que ainda não há nenhuma terapia autorizada no País.
O Zolgensma terá de passar por um teste de fogo, sobretudo depois de que a Food and Drug Administration (FDA), o órgão que regula o setor nos Estados Unidos, revelou que a Novartis omitiu dados manipulados no período de aprovação do medicamento.
A companhia farmacêutica poderá sofrer severas punições por isso, mas a FDA garantiu que não foi nada que tenha colocado os pacientes em risco e o medicamento continuará sendo vendido no país.
Mas isso rendeu uma grande dor de cabeça para Vasant Narasimhan, o CEO mundial da companhia. Vas, como é chamado pelos funcionários, teve de vir a público pedir desculpas.
Mundo digital
Filho de indianos, o executivo americano é o líder dessa nova Novartis que tem apostado nas terapias gênicas e celulares e também investido muito dinheiro na aquisição de startups.
O próprio Zolgensma é fruto de um investimento de US$ 8,7 bilhões para comprar a AveXis, a empresa de terapia gênica que desenvolveu o medicamento. A Novartis também é acionista da Pear Therapeutics, uma startup criada em 2013, que desenvolveu o primeiro aplicativo terapêutico a receber autorização da FDA.
Batizado de reSET-O, ele necessita de prescrição médica para ser usado e foi desenvolvido para tratar as pessoas que têm problemas com usos de opioides. Ao investir em startups, Carvalho afirma que a companhia “acelera o processo de inovação, traz escala e reduz o custo dos medicamentos”.
Ao mesmo tempo que busca empresas inovadoras do lado de fora de seus muros, a Novartis passa por um amplo processo de transformação cultural – difícil para uma companhia com 105 mil funcionários espalhados pelo mundo.
Carvalho tem a missão de liderar o processo aqui no Brasil. “Não vai chegar um momento que a gente vai dizer, quinta-feira, 2022, mudamos essa cultura as 3:37h da manhã. É uma jornada feita de comunicação e de uma parte importante de símbolos”, diz ele.
A sala do ex-presidente, Alexandre Gibim, foi transformada em uma sala de uso coletivo, os diretores não têm mais vagas exclusivas no estacionamento, o terno e gravata foram abolidos e hoje é possível trabalhar em home office. “Temos trazido ambientes mais liberais, mais diversidade e dado mais autonomia para as pessoas.”
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