A MaxMilhas sempre foi uma das startups mais promissoras do Brasil. Ela faz parte da lista das novatas mais desejadas do País, divulgada pela rede social LinkedIn, e surge com frequência como candidata a se tornar um unicórnio, como são chamadas as companhias que valem mais de US$ 1 bilhão.
Seu modelo de negócio é, relativamente, simples. A MaxMilhas reúne compra de passagens aéreas e vendas de milhas em um mesmo lugar. Desde que foi fundada em 2013, a startup já emitiu mais de 6 milhões de bilhetes aéreos e negociou 60 bilhões de milhas.
Mas aí veio o coronavírus. E a MaxMilhas, assim como todo o setor de turismo, foi impactada. Até abril, a receita da empresa caiu cerca de 90%. Com a queda, a companhia demitiu 167 funcionários, 42% de seu quadro total. Com a equipe reduzida, o foco inicial foi lidar com as remarcações e cancelamentos, frente que afetou 70% das passagens, mais do que todo o volume de 2019.
Depois de superar o impacto inicial e equacionar a operação, a MaxMilhas tenta agora encontrar um novo roteiro. E, nesse contexto, prepara o lançamento de um novo braço de negócios para diversificar o seu portfólio. A empresa vai ampliar sua atuação com a criação e a venda de pacotes completos que incluem passagens, hospedagem e atrações específicas de cada destino.
“Nós vínhamos testando vários formatos, pois entendemos que a empresa chegou a um tamanho que comporta outros negócios”, diz Max Oliveira, cofundador e CEO da MaxMilhas. “Com a crise e os recursos mais limitados, em vez de abrir várias frentes, decidimos convergir tudo em um produto só.”
O modelo deve começar a ser testado neste mês com um pequeno grupo de clientes. Hoje, a MaxMilhas conta com três milhões de usuários. A ideia da startup é partir do conhecimento que tem dessa base para criar pacotes personalizados, em linha com os perfis que já utilizam a plataforma.
Na outra ponta, o plano é fechar acordos com parceiros e prestadores de serviços locais. Com isso, além de descontos, a empresa quer oferecer pacotes que incluam, de fato, experiências que possam ir além das atrações turísticas mais conhecidas nos destinos escolhidos.
“A ideia é investir em parceiros que conheçam bem esses locais e ter boas sacadas”, explica Oliveira, que, depois de validar o modelo, espera lançar o produto até o fim do ano. “E isso inclui desde passeios diferenciados até visitar um restaurante específico para degustar uma determinada sobremesa.”
Com a Covid-19, até abril, a receita da empresa caiu cerca de 90%. Com a queda, a companhia demitiu 167 funcionários, 42% deu quadro total
Ele não revela os destinos envolvidos nessa etapa de validação e de ajustes do modelo. Mas ressalta que, diante das expectativas de favorecimento do turismo doméstico no pós-crise, a oferta irá se ater, inicialmente, ao mercado interno.
Questionado se o modelo faz com que, na prática, a MaxMilhas atue como uma agência de viagens, Oliveira se limita a dizer que o plano é trabalhar essa oferta com um modelo 100% online. E ressalta que o negócio principal da startup seguirá sendo as passagens aéreas e milhas. De qualquer forma, o movimento chama atenção, especialmente pela base atual de três milhões de usuários da empresa.
A entrada da MaxMilhas como vendedora de pacotes pode pressionar a CVC, grupo que domina o setor de agências de viagens no País, tem 1,4 mil lojas físicas, está avaliada em R$ 3,4 bilhões e apurou uma receita líquida de R$ 1,21 bilhão entre janeiro e setembro de 2019. A companhia ainda não divulgou o resultado consolidado do ano passado, em virtude de problemas contábeis que estão sendo apurados em auditoria.
Se o novo passo da MaxMilhas é uma ameaça ou não, o fato é que a estratégia é vista como essencial para o futuro da empresa. “Hoje, em qualquer segmento, é praticamente obrigatório ter um segundo motor de crescimento”, diz Marcelo Nakagawa, professor de empreendedorismo do Insper. “E isso ficou ainda mais evidente com a Covid-19.”
O investimento em um novo formato também vai ao encontro de outra questão relacionada ao modelo atual da MaxMilhas. Recentemente, as empresas do setor vêm estabelecendo limites para a venda de milhas por parte dos usuários, o que pode afetar a operação da startup em seu negócio principal.
“Agora, com a pandemia, há uma possibilidade dessas empresas endurecerem mais essas regras”, afirma Nakagawa. “Mas aí também há uma questão legal que já estabelece que as milhas são um direito adquirido do usuário.”
Roteiro diferente
Enquanto estrutura a nova oferta, a MaxMilhas começa, pouco a pouco, a se reerguer. A empresa fechou junho com 25% das vendas que havia projetado antes da crise. E espera superar, em outubro, o índice de 60% da meta previamente traçada no ano.
“Ainda é pouco perto do que fazíamos antes da pandemia”, diz Oliveira. “Mas é muito melhor do que os três meses de total escuridão que nós projetávamos no início da crise.” Ele observa que a MaxMilhas tem um caixa hoje suficiente para tocar doze meses de operação, em um cenário mais pessimista.
Um fator na trajetória da empresa surge como um ponto favorável nesse cenário de provável escassez de recursos no médio prazo. Fundada em janeiro de 2013, a startup está acostumada a apertar os cintos, já que não recebeu um único centavo de fundos de venture capital desde o início da operação.
Primeiro, a ausência de aportes veio por desconhecimento sobre os termos e trâmites desse mercado. Oliveira fundou a empresa sem grandes expectativas, quando ainda era um executivo da Vale. Na época, frustrado com a carreira e com uma boa reserva financeira, ele planejava cursar um MBA no exterior.
A MaxMilhas surgiu, em suas palavras, como um hobby, depois que ele tentou, sem sucesso, comprar uma passagem para visitar a namorada, que morava em outra cidade. Durante sete meses, ele acumulou o emprego com a startup, que era tocada, no dia a dia, por dois outros colegas.
No fim de julho de 2013, após um mês de férias no qual se dedicou 100% a MaxMilhas, ele pediu demissão na Vale. No mês seguinte, a startup alcançou o equilíbrio.
Fundada em 2013, a MaxMilhas acumula números como 6 milhões de passagens vendidas e mais de 60 bilhões de milhas negociadas
Nesse intervalo, Oliveira conta que surgiram fundos interessados em investir na companhia. “Mas, a partir de um certo momento, à medida que a empresa crescia, achamos que já não cabia um parceiro”, diz. “Especialmente por conta do tamanho dos cheques no mercado brasileiro naquela época.”
Ao mesmo tempo, ele ressalta que contar com o apoio de um fundo nesse momento teria evitado, provavelmente, a difícil decisão de cortar quase metade da equipe, além de suspender projetos de longo prazo.
“Não havia alternativa. Vimos que teríamos um longo inverno e tivemos que ativar o modo sobrevivência e manter o essencial”, afirma Oliveira. “Estamos começando um novo ciclo e, quando o mercado voltar, talvez um fundo comece a fazer mais sentido na operação.”
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