O feriado de Corpus Christi na quinta-feira, 8 de junho, afeta a política e a economia. Diminui, e muito, a chance de o Congresso avançar em votações de interesse do governo e compromete a divulgação de indicadores.
Mas dois dados de inflação disponíveis na agenda enxuta vão chamar atenção porque devem reforçar forte descompasso entre preços no atacado e no varejo.
Um descompasso mais que revelador sobre o estrago provocado pelo aperto monetário na economia global que, em desaceleração, potencializa a queda das commodities – base de cálculo da inflação no atacado ou ao produtor.
O IGP-DI, tradicional indicador de inflação no atacado, e o IPCA, referência de preços no varejo que orienta o regime de metas de inflação no país – ambos de maio –, serão divulgados na terça e na quarta-feira, 6 e 7 de junho, respectivamente. E estarão em bandas diametralmente opostas.
Em 12 meses, o IGP-DI deve confirmar variação negativa próxima a 4,8%. Na contramão, o IPCA deve rondar 4,12% positivos, prevê a LCA Consultores. E as coincidências não param na ‘casa’ antes da vírgula.
Enquanto a inflação no atacado deve cravar o terceiro mês consecutivo de queda, a inflação do varejo deverá sustentar, também pelo terceiro mês seguido, o patamar de 4% na leitura interanual.
Esta sequência do IPCA reflete a resistência dos preços ao consumidor e não será desprezada pelo Comitê de Política Monetária (Copom) no encontro marcado para 20 e 21 de junho, quando a Selic tende a permanecer em 13,75%. Analistas e a curva de juros, na B3, apontam corte de Selic em agosto.
Esta aposta sugere ser improvável que o Copom antecipe o corte da Selic para junho. Mas é fato que a pressão baixista da inflação no atacado depõe contra o atual nível do juro e a expansão do PIB, em surpreendente 1,9% no 1º trimestre ante o período anterior, também.
O resultado do PIB anunciado na quinta-feira, 1º de junho, pelo IBGE, bem acima da projeção de 1,2%, engrossará o coro de descontentes com o juro. Afinal, a atividade, por ora agarrada à agricultura, deverá ganhar tração em outros segmentos mais dependentes de crédito.
A Selic está encarapitada em 13,75% há quase um ano, desde 4 de agosto de 2022, enquanto os preços no atacado desandam em alta velocidade.
É arriscado determinar o momento do repasse da queda ao varejo. Mas se o alinhamento dos índices ocorrer rapidamente, o BC terá uma espada sobre a cabeça e poderá ser forçado a, ao menos, adotar uma postura menos conservadora ou intransigente.
“É improvável que, em menos de dois meses, a inflação negativa no atacado sensibilize o varejo. Mas o repasse que beneficiará consumidores é inexorável”, avalia Fabio Silveira, sócio-diretor da MacroSector Consultores.
A valorização do real ante o dólar, a volatilidade contida do câmbio e a queda das commodities no exterior são condições decisivas para a baixa inflação no atacado, agravada por fatores operacionais, pontua o especialista em preços.
Em conversa com a Coluna, Silveira observa que, há seis meses, empresas compraram insumos por preços elevados. Cerca de 20% acima dos praticados atualmente.
“Isso vale para uma ampla gama de produtos agrícolas, minerais e derivados de petróleo que entraram nos estoques. E os atacadistas, numa estratégia de minimizar perdas, tentam vender os produtos para o varejo pelo preço mais alto possível e no menor volume possível. Portanto, os preços ao consumidor vão cair em ritmo lento, gradual”, explica o economista.
A desova dos estoques é inevitável e deve acelerar no terceiro e no quarto trimestre. “E, neste ínterim, os preços no atacado podem baixar ainda mais pela desaceleração da economia global que arrasta as commodities”, diz Silveira.
Indicadores e preços em queda
O Índice de Preços de Mercadorias MacroSector (IPMM) – indicador proprietário da consultoria – recuou cerca de 4%, na passagem de abril para maio, e 15%, em média, na comparação interanual.
Outro levantamento, da consultoria internacional Trading Economics, confirma a baixa das commodities em bloco, trajetória com possíveis implicações futuras na balança comercial brasileira e/ou na arrecadação de tributos.
No ano até a quarta-feira, 31 de maio, informa a Trading Economics, o preço internacional do trigo caiu 43%; o petróleo Brent perdeu 36%; a soja desvalorizou mais de 20%; e o milho recuou cerca de 16%.
“E devem cair ainda mais em junho, as cotações do milho, soja, trigo, algodão, feijão, tomate, batata e carne bovina”, enumera Silveira que projeta inflação de 5,3% em 2023 e corte de Selic em junho com a taxa em 13% em dezembro.
A queda esperada para a Selic, mesmo que mais expressiva, será insuficiente para redução expressiva do juro real que fechou 2022 a 7,3% e deve encerrar 2023 a 8%, avalia Silveira que vê na taxa básica – espraiada no crédito – relevante vetor de contenção da atividade por comprometer o poder da renda sobre a demanda.
A MacroSector calcula que a renda das famílias – incluindo rendimento do trabalho e de programas sociais – deve aumentar, em termos reais, 5,5% em 2023 ante o ano anterior. Esse aumento resulta da elevação da massa real de rendimento em 4% – por aumento real do salário médio e pessoal ocupado – e pelo aporte de R$ 11,5 bilhões ao mês referente ao Bolsa Família ampliado.
“Os dados são relevantes, mas a melhora na renda não vai reverter, no curto prazo, o processo de contração do crédito ao consumidor e o alto nível de inadimplência. A renda será engolida pelo pagamento de dívidas. Portanto, com efeito limitante sobre o consumo”, alerta o economista.
Inadimplência continua resistente
Os indicadores do BC sobre o crédito em abril, divulgados na terça-feira, 30 de maio, revelaram recuo de 1,2% nas novas contratações para empresas e famílias em abril. Entretanto, na comparação interanual, as concessões subiram 12,6% - expansão de 9,1% para empresas e 15,6% para famílias.
A inadimplência persiste em patamar elevado, 3,4% em abril, ante 3,2% em janeiro e 3,3% em fevereiro e com reprise em março. Os juros avançaram levemente no cômputo geral em abril. Mas no carro-chefe do endividamento das famílias – cartão de crédito rotativo – a taxa subiu a 447,7% ao ano.
Fartamente utilizada, essa modalidade de operação, diz o BC, responde por quase 52% da inadimplência de pessoas físicas. E, por ora, não há refresco.
O programa do governo destinado à renegociação de dívidas apresentado como prioridade “zero” da equipe econômica no início do governo Lula, o “Desenrola”, continua empacado por dificuldades tecnológicas para implantação e em meio a propostas de incentivo ao consumo.
Entre elas, o programa de incentivo à redução do valor do ‘carro popular’. A proposta apresentada à indústria – enquanto o governo busca contrapartidas em receitas para compensar incentivos tributários – terá duração limitada e caráter emergencial se prevalecer a determinação do Ministério da Fazenda.
Entretanto, é inegável que, se vingar, o ‘carro popular’ será um convite e tanto para ampliar o endividamento das famílias. E a longo prazo, haja “Desenrola”.