Criada originalmente como um título vinculado à fatura comercial, a duplicata foi durante muito tempo tratada como um papel burocrático, sujeito a fraudes e pouco compreendido fora dos departamentos financeiros.

Esse cenário começou a mudar com o marco regulatório das duplicatas escriturais, implementado pelo Banco Central. As novas regras determinam o registro obrigatório de todas as operações, garantem que cada duplicata só possa ser usada uma vez em operações de crédito e exigem que as registradoras troquem informações entre si, formando uma base de dados única e confiável.

Na prática, o novo sistema dará a bancos, fintechs e demais agentes do mercado financeiro acesso a informações mais confiáveis, estimulando a concorrência e contribuindo para a redução das taxas cobradas das empresas.

A B3 aposta nesse movimento como um dos pilares de sua estratégia de diversificação. A companhia está construindo a principal plataforma de duplicatas escriturais do país, uma infraestrutura que trará maior segurança para as operações e que pode transformar a duplicata em um ativo de escala inédita.

“Se você digitaliza e moderniza esse processo, diminuindo a burocracia e tornando-o menos custoso, você reduz barreiras de entrada e permite que mais empresas acessem o mercado”, afirma Humberto Costa, diretor de Produtos de Balcão da B3. “Isso leva ao aumento da eficiência e da competição, além de criar um ambiente mais moderno para todos os elos da cadeia.”

A plataforma da B3 pretende ser o ponto de encontro desse ecossistema, reunindo três grandes grupos: os tomadores de crédito, que incluem desde grandes corporações até pequenas e médias empresas; os financiadores, que vão de bancos tradicionais a startups de crédito; e os pagadores, que são os responsáveis pelo pagamento das faturas que deram origem às duplicatas.

“Estamos falando de um mercado gigantesco”, afirma Costa. Há, de fato, grandes oportunidades em jogo. Embora o mercado brasileiro de recebíveis movimente cerca de R$ 10 trilhões por ano, apenas uma fração desse montante é registrada e negociada de forma estruturada.

Atenta a essa realidade, a B3 lançou recentemente, em parceria com a Neurotech – empresa especializada em inteligência artificial e ciência de dados que foi incorporadora pelo grupo em 2022 –, a plataforma chamada de Monitor de Recebíveis.

Entre outros atributos, o Monitor de Recebíveis une a solidez da infraestrutura da B3 à capacidade analítica da Neurotech e utiliza uma gigantesca base de dados para gerar insights preditivos e operacionais.

“Queremos ir além das exigências regulatórias e entregar inteligência real para o mercado de crédito”, diz Costa. O executivo lembra que, com o Monitor de Recebíveis, financiadores tomam decisões mais seguras, empresas operam com mais confiança e o mercado evolui para um novo patamar de eficiência.

A arquitetura da plataforma é composta por quatro módulos principais. O primeiro é o de análise do recebível, que avalia automaticamente a legitimidade e o lastro da duplicata antes de qualquer concessão, cruzando dados fiscais, mercantis, logísticos e de crédito.

O segundo é a análise das partes, que examina cedente e devedor a partir de padrões de emissão, cancelamentos, inadimplência, atrasos e relações suspeitas.

Na sequência, o terceiro módulo envolve modelos preditivos de risco, que estimam inadimplência e atrasos com base em dados exclusivos da B3 e de empresas do grupo, como a própria Neurotech.

Por fim, há a gestão automática de garantias, que monitora em tempo real e faz recomposição automática de títulos, otimizando a carteira com o uso dos recursos da inteligência artificial.

O Monitor de Recebíveis representa, de fato, um passo importante na modernização do mercado de crédito do país.

“Estamos prontos para expandir ainda mais nossa atuação, nos aproximando e ouvindo as necessidades das companhias para estarmos presentes em todas as etapas: concessão do crédito, registro da duplicata, operação de crédito, liquidação e monitoramento”, diz Costa.

A B3 enxerga o Monitor de Recebíveis como o primeiro passo de um movimento mais amplo de modernização do crédito no Brasil.

A ideia é expandir a solução para toda a jornada do crédito, indo além das duplicatas e alcançando diferentes modalidades, como capital de giro e operações com garantias diversas.

Segundo Costa, o objetivo é construir uma “esteira” mais ágil e eficiente, capaz de reduzir prazos, simplificar processos e oferecer maior transparência para financiadores e empresas.

Em um sentido mais amplo, a B3 almeja ser a principal parceira do mercado em toda a jornada de crédito, consolidando-se como referência em infraestrutura para operações de financiamento no Brasil.