O Brasil e o mundo iniciam 2024 com uma conquista que não pode ser ignorada: a redução da inflação. Se um ano atrás havia o temor de um surto inflacionário global, agora esse risco foi devidamente afastado.

Não é pouca coisa. A inflação em queda leva inevitavelmente ao afrouxamento das políticas monetárias, movimento iniciado no Brasil em agosto do ano passado e que deverá começar em breve nos Estados Unidos.

A queda de juros no Brasil e nos Estados Unidos, a inflação sob controle e um cenário internacional menos adverso abrem boas perspectivas para 2024, a despeito dos inúmeros desafios que ainda persistem. Entre eles está a desaceleração da atividade econômica, que é resultado direto da agenda de juros altos.

Como o Brasil insere-se nesse contexto? Quais são as oportunidades que se apresentarão nos próximos meses? Quais são os riscos que devem ser observados no caminho?

Na entrevista a seguir, Marcelo de Toledo, economista-chefe da Bradesco Asset Management, traz as respostas e revela por que, afinal, está otimista com o Brasil. Confira:

Que balanço é possível fazer da conjuntura econômica no Brasil e no mundo 2023?
Em 2023, o grande ponto foi o combate à inflação. O ano marcou a retomada global do controle da inflação depois do surto inflacionário de 2021 e 2022. No caso do Brasil, isso também é verdade. O interessante é que houve um baixo custo do processo de desinflação. Não tivemos recessão, aumento substancial do desemprego ou uma grande desaceleração da atividade econômica.

É correto afirmar que foi um processo atípico?
Foi um processo atípico se analisarmos a perspectiva histórica. Na teoria econômica, o normal seria ter algum tipo de custo, mas isso não ocorreu. O que contribuiu para a queda da inflação sem muito custo foi a resolução dos problemas de gargalo de oferta que surgiram durante a pandemia. A cadeia logística e a oferta industrial foram normalizadas. O choque da invasão da Ucrânia também foi revertido e a oferta global de petróleo não foi afetada. O mesmo vale para os grãos. Especialmente no Brasil, a grande safra no ano passado contribuiu para a desinflação.

A largada de 2024, portanto, será melhor do que foi no ano passado?
Provavelmente a economia real, tanto no mundo quanto no Brasil, tende ainda a sofrer um processo de desaceleração. A atividade econômica vai refletir o aperto monetário anterior e alguns outros efeitos, como o crescimento da China, que agora está em patamares mais baixos. O Brasil começou o afrouxamento da política monetária há poucos meses, enquanto o mundo ainda não iniciou esse processo. Ou seja, a taxa básica de juros permanecerá um bom tempo em território contracionista, e isso resultará em alguma desaceleração.

Quais são os principais riscos no cenário econômico global?
Nos últimos dois anos, os mercados têm questionado qual é o risco de recessão, principalmente nos Estados Unidos. Eu diria que é baixo. A economia americana continua robusta do ponto de vista de geração de emprego, de aumento de salários e de investimentos das empresas. Olhando mais à frente, um debate importante é até onde os juros podem cair. Aqui, podemos ter algum tipo de decepção, com os juros caindo menos do que o projetado pelos mercados. Na verdade, o desequilíbrio fiscal nos Estados Unidos pode ser um impeditivo para a queda mais acentuada dos juros. E, claro, a questão geopolítica poderá trazer novos riscos, com conflitos ainda em andamento na Ucrânia e no Oriente Médio.

A eleição presidencial nos Estados Unidos tem potencial para afetar o humor dos mercados?
A eleição, de fato, poderá trazer incertezas em relação à perspectiva de ajuste fiscal. Há um amplo consenso de que a política fiscal americana está fora do equilíbrio, e esse debate certamente estará presente neste ano. A questão é que não há clareza se o próximo presidente, e o próximo Congresso, que é uma parte importante dessa equação, vão encampar uma agenda de ajuste fiscal em 2025.

No Brasil, que fatores poderão afetar o crescimento?
O primeiro risco que consideramos é o El Niño, que poderá prejudicar a safra. Estamos no começo da colheita e as estimativas ainda não são tão precisas, mas havia um cenário no final do ano passado de uma janela bem arriscada de chuvas. Mas acabou acontecendo uma situação mais benigna. Então, nossa visão é que o risco de uma grande quebra de safra está em queda. Isso traz tranquilidade.

O desequilíbrio fiscal não é um fator que preocupa?
Nossa preocupação é que existem hoje três regras fiscais que são, de certa forma, incompatíveis. Uma delas é o limite de gasto pelo novo arcabouço, a outra é a regra do reajuste do salário mínimo, que indexa benefícios da Previdência, e a outra é que foi reestabelecido o piso mínimo de gasto com saúde e educação, que já representou uma elevação de gasto grande.

Que oportunidades se apresentam para o Brasil em 2024?
Uma questão importante é o fluxo de investidores estrangeiros. Precisamos separar fluxo de portfólio e fluxo de investimento estrangeiro direto. Nesse segundo caso, o Brasil poderá se beneficiar do cenário geopolítico. Estamos numa situação de neutralidade nas disputas comerciais entre Estados Unidos e China. Temos também a vantagem da energia limpa, que poderá atrair grande fluxo de capital. Além disso, nossa economia é estável e, claro, há o agronegócio, setor em que somos referência.

O setor de petróleo poderá trazer oportunidades?
De fato, algo que tem passado um pouco ao largo da discussão é o aumento expressivo da produção de petróleo no Brasil. Esses fatores combinados deverão, sim, significar uma atratividade para o investimento estrangeiro direto.

E do ponto de vista de investimento em portfólio?
Temos a visão de que o câmbio continuará relativamente depreciado, e isso é um fator para atrair capital. A queda de juros tira um pouco da atratividade da renda fixa, mas continuamos com curvas perto de 10%, que trazem oportunidades para esse tipo de investimento. Em relação às ações, vimos um fluxo maior de investidores estrangeiros no final do ano passado, e esse movimento tem potencial para continuar.

A queda de duros nos Estados Unidos não deverá ser um driver importante para o mercado acionário?
Sim, e inclusive para os países emergentes – e, nesse caso, o Brasil tem papel importante na atração do fluxo de capital estrangeiro. É um contexto favorável dentro do cenário de queda de juros.

Qual será o impacto da reforma tributária para o país?
Ainda faltam leis complementares para ela ser concluída, mas é possível dizer que, no médio e no longo prazos, teremos um sistema muito mais homogêneo. Possuímos um sistema tributário muito fragmentado entre os estados e municípios. Então, as novas regras já representam um grande avanço. A reforma também deverá levar à redução de custos para as empresas, diminuir distorções e garantir maior transparência para o consumidor.

Quais são os grandes temas que deverão pautar o presente e o futuro da economia mundial?
Uma questão importante é a digitalização das economias. Temos agora a inteligência artificial, que é um destaque com avanços realmente surpreendentes. Ou seja, em paralelo a todos os aspectos conjunturais, vivemos uma era de grandes transformações no mundo.