O Brasil é o maior exportador de carne bovina do mundo. De acordo com a Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec), entre janeiro e dezembro do ano passado, o país vendeu para o exterior 2,3 milhões de toneladas de carne, um aumento de 40,8% em receita, na comparação com o mesmo período de 2021. Esse protagonismo é reflexo de uma série de condições naturais e de eficiência e competitividade conquistadas pelos produtores brasileiros ao longo dos anos.

Mas isso não quer dizer que o setor não tenha questões a resolver, sobretudo quando o assunto é sustentabilidade. Cada vez mais, os grandes mercados para a carne brasileira exigem saber quais os controles assumidos pelo país e suas empresas para que a pecuária deixe de ser vista como ameaça aos principais biomas.

Em dezembro de 2022, a União Europeia – terceiro maior comprador internacional da carne produzida no Brasil – proibiu a entrada de commodities produzidas em áreas de desmatamento. Consumidores dos Estados Unidos, do Japão e do Reino Unido, países que já possuem critérios rígidos para a importação de carne, estão se tornando ainda mais rigorosos em relação a aspectos como procedência da carne e bem-estar animal.

Como lidar com esses desafios da forma mais rápida e eficiente possível? "O Brasil precisa de uma política pública de rastreabilidade robusta", diz Paulo Pianez, diretor de sustentabilidade da Marfrig, maior produtora global de hambúrgueres e uma das líderes mundiais em proteína bovina. "Para que seja bem-sucedida, essa política precisa envolver monitoramento, financiamento e oferta de tecnologia para que produtores que hoje desmatam assim que seus pastos se esgotam. Nós, da indústria, podemos ser um mitigador de risco. Mas o governo tem um papel fundamental nesse processo, sobretudo nos desafios ligados à rastreabilidade."

A indústria da carne é de altíssima complexidade. Entre a fazenda onde nascem os bezerros e o prato do consumidor, há uma série de etapas a serem vencidas. Raramente um bezerro nasce, cresce e é abatido num mesmo lugar. Mas já existem ferramentas e tecnologias que garantiriam um controle de origem regulamentado e em conformidade com as exigências internacionais. O processo não precisaria começar do zero.

Um exemplo é a GTA (Guia de Trânsito Animal), instrumento utilizado, hoje, especificamente para controle sanitário. Obrigatório e bem implementado, inclusive eletronicamente, a GTA é um atalho para um dos pontos mais determinantes de uma política pública de rastreabilidade: o monitoramento.

"Protegidas por tecnologia blockchain, as informações coletadas pela GTA poderiam melhorar exponencialmente a rastreabilidade do setor e ajudar na identificação de áreas de maior e menor risco em toda a cadeia produtiva", diz o biólogo Roberto Waack, integrante do Conselho de Administração da Marfrig.

Outro ponto fundamental para que uma política pública seja, de fato, efetiva é a inclusão de produtores que, hoje, estão fora de padrões socioambientais aceitáveis. Existem, hoje, no Brasil cerca de 2,5 milhões pecuaristas. Desses, 75% são considerados pequenos e médios, proprietários de terras normalmente dedicadas à criação de bezerros. São justamente esses pequenos produtores que têm maior dificuldade de se adaptar às regras – quase sempre por desconhecimento e falta de recursos técnicos e financeiros. Por isso, a inclusão desses produtores numa cadeia sustentável é fundamental para o setor.

Para alguns dos maiores especialistas em sustentabilidade do país, apenas oferecer recursos financeiros aos produtores não basta. A concessão de financiamento deve ser balizada por critérios socioambientais.

"O Brasil é um dos poucos países com capacidade para oferecer carne produzida por uma pecuária regenerativa", afirma Ricardo Abramovay, professor sênior do Instituto de Energia e Ambiente da USP e autor do livro Amazônia: Por uma Economia do Conhecimento da Natureza. "Mas a ênfase do financiamento, que hoje é a aquisição de animais, deve mudar para o manejo sustentável do solo, a diversificação das pastagens e a saúde animal."

Segundo Abramovay, só deveria receber financiamento público o estabelecimento que adotasse práticas regenerativas. E o alcance da regeneração deveria determinar o grau de subsídio que a propriedade deveria receber.

Ao aliar rastreabilidade e controle de toda a cadeia da pecuária e inclusão de produtores – sobretudo os pequenos – por meio da oferta de tecnologia e de recursos financeiros e ao atrelar tudo isso ao compromisso de preservação dos biomas e de respeito aos direitos humanos, o Brasil estará fortalecendo um setor que tem sido fundamental para a pauta de exportações e a criação de empregos e de renda em todas as suas regiões.

“A transparência do campo à mesa de consumidores no Brasil e globais é essencial para que nosso agro se consolide como sustentável nos aspectos sociais, ambientais e financeiros. Uma política pública nesse sentido cria um direcionamento estratégico e dá segurança aos diversos players para investir", avalia Fabiana Alves, CEO e líder para América Latina do Rabobank.

Ao se firmar como o impulsionador de uma pecuária responsável, o país garante e expande sua presença no mercado global de proteína bovina. “O aprimoramento de um sistema de controle trará benefícios para todos os que participam do setor”, diz Antonio Jorge Camardelli, presidente da Abiec, Associação Brasileira da Indústria Exportadora de Carne. "Conseguiremos assim garantir a transparência das informações e ampliar as garantias de qualidade e sustentabilidade."

É o que o mercado deseja, cada vez mais. E é o que o Brasil já pode fazer. Basta que autoridades, empresas, produtores e financiadores sigam juntos nessa direção.

A Marfrig vai à Harvard

Uma das maiores empresas de proteína bovina do mundo, a Marfrig adotou a sustentabilidade como um de seus pilares estratégicos. Sua maior tradução é o Plano Verde+, criado há três anos com o objetivo de garantir que 100% da cadeia de fornecimento de gado da companhia esteja livre de desmatamento até 2030. A iniciativa, com investimento previsto de R$ 500 milhões ao longo de sua execução, conta com metas claras.

Até 2025, protocolos para a reinclusão de produtores bloqueados serão estabelecidos. O objetivo é que esses produtores sejam capazes de cumprir os critérios de sustentabilidade da companhia e, assim, possam voltar à cadeia de produção. Além disso, a Marfrig pretende atingir, até lá, 100% de rastreabilidade da cadeia de fornecimento na Amazônia. Até agora, a companhia conseguiu reastrear 71% dos fornecedores presentes na Amazônia e 72% daqueles localizados no Cerrado.

As ações sustentáveis da Marfrig vêm sendo reconhecidas no Brasil e no exterior. A companhia subiu cinco pontos percentuais (de 34% para 39%) no ranking global de combate ao desmatamento Forest 500 (edição 2023, lançada em fevereiro) e assumiu a liderança no setor de frigoríficos. O ranking, elaborado anualmente pela organização ambiental britânica Global Canopy, analisa dados das 350 empresas mais influentes do mundo que atuam em cadeias de abastecimento com risco de desmatamento, tais como couro, soja, gado, madeira, papel e celulose.

Em janeiro, a atuação da companhia na área de sustentabilidade foi tema do estudo “A Busca da Marfrig pela Carne Bovina Sustentável”, na Harvard Business School. O caso, desenvolvido pelo professor José B. Alvarez, para o programa Agribusiness Seminar, foi apresentado para executivos de alto escalão do setor da agropecuária de empresas, governos e organizações não-governamentais de todo o mundo.