Na época em que cursava administração pública na FGV-SP, Marta Pinheiro, atual diretora ESG da XP Inc., encarava o mercado financeiro com certo preconceito. Na visão da jovem estudante, o setor era machista, pouco aberto à presença feminina e com barreiras para atração de alguns perfis de profissionais.
Tudo isso, de fato, pode até ter sido verdade durante um bom tempo, mas as barreiras, enfim, começaram a cair – graças à ação providencial de profissionais como ela. “As mulheres ainda estão longe de ocupar o lugar que merecem, mas a jornada de transformação já é realidade”, diz a executiva.
Como líder de uma área que prega os bons princípios ambientais, sociais e de governança, Marta é uma voz ativa dentro da XP para romper velhos estigmas não apenas dentro da empresa, mas no próprio mercado financeiro – e, quem sabe, em todo o setor corporativo.
O desafio é imenso. Atualmente, 26% da força de trabalho da XP é formada por mulheres. Entre as líderes, elas ocupam 15% das vagas. Diante de número como esses, Marta resolveu agir. A ideia é aumentar a participação para 50% até 2025. “Na XP, nós sonhamos grande”, diz Marta. “Tenho certeza de que alcançaremos a meta.”
Como isso será possível? Desde o ano passado, uma série de iniciativas adotadas pela XP tiveram como foco central a inclusão feminina. As ações vão desde cursos de educação financeira para elas até a abertura de vagas exclusivas para mulheres, passando pela promoção de prêmios para empreendedoras e a criação de um fundo de investimentos baseado num índice de empresas que têm mulheres em cargos de liderança.
Aos 35 anos e mãe de uma menina de 3, Marta fala das propostas da XP para acelerar a inclusão feminina, revela que já foi alvo de preconceito ao longo da carreira e explica como pretende inspirar outras empresas a seguir bons – e imprescindíveis – exemplos. Acompanhe a entrevista a seguir e conheça alguns dos temas que serão apresentados na Expert XP ESG 2021:
Quais iniciativas a XP tem adotado para aumentar a presença feminina na empresa?
Olhamos desde a atração da profissional até o processo de ascensão e retenção. Dentro de atração, percebemos que faltam referências no mercado financeiro e a XP é um lugar que pode proporcionar uma carreira para elas. Entre as nossas iniciativas, fizemos inúmeras mentorias para universitárias. Abrimos um canal, a pessoa se inscreve e participa de um bate papo com executivos da XP para tirar dúvidas sobre a carreira no mercado financeiro, entre outras
Nesse contexto, o que mudou no processo de seleção?
Treinamos nossas pessoas, colaboradoras que fazem processo seletivo, a como conduzir o processo e as entrevistas em si. Ou seja, mexemos no processo para reduzir os vieses inconscientes do entrevistador e na forma em como buscamos evitar essas barreiras. Estamos fazendo isso desde o ano passado.
O que você chama de viés inconsciente? São os estereótipos, os preconceitos que o entrevistador pode ter, mesmo sem notar?
Às vezes, numa entrevista ou processo de recrutamento, você usa um vocabulário 100% masculino. Mudamos, por exemplo, toda a forma de postar as nossas vagas. Elas sempre traziam o gênero masculino: procura-se ‘o’ analista de software, ‘o’ engenheiro de dados. Querendo ou não, isso está no subconsciente, significa que você, no fundo, está buscando o gênero masculino. Nesse processo também contamos muito com indicações, quando temos um grupo homogêneo, acabamos indicando e trazendo pessoas semelhantes. Quando falo em viés inconsciente, me refiro a coisas desse tipo.
"Mudamos, por exemplo, toda a forma de postar as nossas vagas. Elas sempre traziam o gênero masculino"
O viés inconsciente, portanto, acaba afastando potenciais candidatas a uma vaga...
Isso. Se você não treina os seus interlocutores, eles podem cometer algum deslize, o que acaba afastando candidatas. Por exemplo, tem uma questão que nós percebemos: é importante uma mulher entrevistar a profissional que tem interesse em trabalhar na XP. Isso traz empatia, é uma referência. Assim, ela tem a oportunidade de fazer perguntas que provavelmente não faria para um homem.
Quais perguntas?
Algo do tipo ‘como as mulheres são tratadas dentro da empresa?’ Já fiz entrevistas em que me perguntaram como é ser mulher no meio de muitos homens, se a empresa é machista ou não. Dificilmente uma candidata vai perguntar isso para um homem.
Você já foi vítima de algum tipo de preconceito no mercado de trabalho?
Ao longo da minha carreira, já ouvi piadinhas na sala, no corredor. Às vezes, você sente o preconceito indiretamente, como se estivessem duvidando de sua capacidade e você precisasse provar a competência mais do que os outros. Esse tipo de coisa já aconteceu.
Mas isso não ocorre apenas no mercado financeiro, certo?
Claro que não. Quando trabalhei em uma consultoria, já tinha passado por isso. Eu era muito jovem e perguntavam se a reunião era comigo mesmo. Cadê o seu chefe, me perguntavam. Às vezes, você também nota um olhar estranho na reunião. Durante muito tempo, isso infelizmente foi comum, mas iniciativas como as realizadas pela XP começam a mudar a realidade. No meu caso, sempre procurei tirar algo de positivo. Se duvidavam da minha capacidade, isso me servia de estímulo e eu fazia questão de demonstrar que era competente e merecia estar ali.
"Abrimos recentemente pouco mais de 100 vagas exclusivas para mulheres. São vagas de todos os tipos e perfis"
Além da mentoria para universitárias e mudanças no processo seletivo, que outras ações são realizadas pela XP para abrir caminho para as mulheres?
Abrimos recentemente pouco mais de 100 vagas exclusivas para mulheres. São vagas de todos os tipos e perfis. O alinhamento que procuramos é com a nossa cultura: sonho grande, espírito empreendedor e mente aberta. Enfim, os nossos pilares fundamentais. As vagas são as mais distintas possíveis: para a área de tecnologia, comercial e muitas outras, além de serem destinadas a diferentes senioridades. É uma grande oportunidade. Criamos também, no começo do ano passado, um movimento, o MLHR3, para debater iniciativas que poderíamos conduzir na XP. O MLHR3, que é um coletivo dedicado a acelerar a presença feminina no mercado financeiro, tem rendido muitos frutos.
Você poderia detalhá-los?
Uma iniciativa muito interessante é a premiação de mulheres no evento Expert ESG. No dia 3 de março, realizaremos a primeira edição do prêmio Mulheres que Transformam, que irá reconhecer empreendedoras selecionadas por uma banca de notáveis curadoras. Entre elas estão nomes como Rachel Maia (ex-CEO da Lacoste no Brasil e fundadora da RM Consulting) e Viviane Senna (Instituto Ayrton Senna). O prêmio foi 100% conduzido pelo grupo MLHR3.
No ano passado, a XP lançou um fundo de investimentos com foco em liderança feminina. O que é exatamente esse projeto?
O fundo, chamado Trend Lideranças Femininas, replica um ETF negociado nos Estados Unidos, o She, baseado na rentabilidade de empresas que têm mulheres em cargos de liderança. Doamos a taxa de administração desse fundo para o Instituto das Valquírias, que proporciona oportunidades para mulheres, crianças e jovens em situação de vulnerabilidade. Também firmamos parceria com o Reprograma, iniciativa de formação de mulheres para trabalhar com programação. A XP está patrocinando a formação de um grupo de 140 mulheres negras, trans e periféricas.
Olhando para o público interno: qual é o objetivo da XP ao criar programas desse tipo?
Um dos objetivos é ampliar a presença feminina em nossos quadros. A meta é que, até 2025, 50% da força de trabalho seja formada por mulheres. Atualmente elas representam 26% do total de colaboradores. Quando começamos com as iniciativas, no início do ano passado, o índice estava em 22%. A evolução, portanto, é resultado dos projetos criados pela XP.
A busca pela equidade de gênero está presente em todos os níveis da empresa? Vale também para os cargos de liderança?
Sim. Atualmente, 15% de nossos cargos de liderança são ocupados por mulheres. A meta é a mesma: chegar a 50% de líderes femininas até 2025. E até mesmo a visão de evoluir em nosso conselho de administração.
"Gostaríamos de chamar outras empresas, inspirar todo o ecossistema financeiro e mercado brasileiro. Juntos, podemos transformar muito mais – e rapidamente"
Até que ponto as iniciativas propostas pela XP podem influenciar outras empresas?
Esse é um de nossos principais objetivos. Gostaríamos de chamar outras empresas, inspirar todo o ecossistema financeiro e mercado brasileiro. Juntos, podemos transformar muito mais – e rapidamente. Pelo peso que a XP tem, pelo falo ser uma referência do setor, ela pode influenciar todo o mercado. É por isso que compartilhamos nossos projetos e o conhecimento que estamos adquirindo nessa área. Como somos uma voz para todos os nossos pontos de contato, podemos sensibilizar todos os stakeholders para essa questão. Dentro do mercado financeiro, podemos influenciar nossos clientes, nossos assessores, os emissores de papéis de ativos.
Por que a diversidade é importante para uma empresa?
Quando você tem um meio muito homogêneo, provavelmente as indicações que são feitas para uma determinada vaga sempre são parecidas com o perfil do grupo dominante. Se você tem uma empresa formada só por homens brancos, que vieram da mesma faixa de renda ou da mesma situação social, muito provavelmente os candidatos indicados para uma vaga terão esse perfil. De novo, é isso o que chamamos de viés.
E para a operação da empresa em si? Como a diversidade pode contribuir?
Quanto mais conseguirmos representar a diversidade de nossos clientes, melhor iremos servi-los. Isso é importante desde o ponto de vista de conseguir entregar as melhores soluções, de sempre trazer diferentes perspectivas, até nas tomadas de decisão. Inúmeros estudos comprovam que empresas mais diversas têm melhores resultados.
Por que a participação feminina em empresas de tecnologia é pequena no Brasil?
É reflexo de toda a história. A mulher ingressou na faculdade e no mercado de trabalho depois do homem. Ela demorou para se tornar independente, para controlar a sua conta bancária. Isso traz impactos de distintas formas. Cursos como engenharia, ou aqueles considerados técnicos, sempre atraíram mais homens. Esse ciclo precisa ser quebrado. É o que pretendemos fazer, por meio de exemplos e referências.
"As empresas que se posicionarem hoje estarão estrategicamente preparadas para as transformações que o longo prazo trará"
No seu caso específico, como você conseguiu romper essas barreiras?
Quando estava escolhendo a carreira, eu tinha bastante preconceito em relação ao mercado financeiro. Achava extremamente machista. Comecei em uma consultoria, fiquei 9 anos e aí veio a oportunidade na XP. A grande atração, e o que vejo em relação a esse assunto de mulheres especificamente, era a oportunidade de mudança / transformação. Isso me motiva muito. Encarei o desafio de conhecer melhor esse mercado, ver se os antigos preconceitos que constituí no início da carreira realmente se justificavam e, a partir daí, derrubá-los. A XP me proporciona exatamente essa possibilidade de transformação. Nesse aspecto, a experiência é incrível.
Você é responsável pela agenda ESG dentro da XP. Qual é o papel dela na empresa?
É uma maneira de nos conectarmos com o futuro. As empresas que se posicionarem hoje estarão estrategicamente preparadas para as transformações que o longo prazo trará. Essa é a importância da agenda. Precisamos ser protagonistas, ter responsabilidade em nossas ações, assumir o nosso papel perante a agenda ambiental e social e, claro, zelar pela governança corporativa. Esse é o desafio da agenda ESG, e acho que estamos bem preparados para ela.