Numa decisão surpreendente, o governo chinês estipulou uma meta de crescimento da economia do país em 2023 de apenas 5%, a previsão mais baixa em 25 anos, com ênfase no estímulo do consumo interno.

O anúncio foi feito pelo primeiro-ministro Li Keqiang no domingo, 5 de março, durante a abertura do Congresso Nacional do Povo, a sessão legislativa anual do país.

“Neste ano, é essencial priorizar a estabilidade econômica e buscar o progresso, garantindo a estabilidade”, disse Li no relatório de trabalho do governo lido na sessão.

Dias antes, o governo havia divulgado uma forte expansão da economia chinesa em fevereiro. Além da indústria, que registrou o maior crescimento num mês em 11 anos, o setor de serviços e da construção também se recuperaram, o que levou analistas a projetarem um aumento de até 6% do PIB neste ano.

Atingir uma taxa de crescimento de cerca de 5% este ano significaria que a economia chinesa expandiria em média cerca de 4,6% nos quatro anos de 2020 a 2023, abaixo da taxa média de crescimento anual de 6,7% entre 2015 e 2019.

O aparente recuo do governo chinês - que no ano passado havia previsto um avanço de 5,5% da economia e teve de se contentar com um crescimento pífio de apenas 3%, um dos piores na série histórica – reflete a pressão sofrida pelo presidente Xi Jinping nos últimos meses.

Além do fraco desempenho da economia em 2022, os ruidosos protestos de dezembro contra a política de tolerância zero conta a Covid, revogada em janeiro, pesaram para o passo atrás do governo. A demanda externa fraca e até o momento político também explicam essa guinada.

O Congresso Nacional do Povo, que decide as principais diretrizes econômicas e políticas do ano, vai se estender até o dia 13. Até lá, Xi deverá anunciar uma ampla reforma no governo, com nomeação de um novo primeiro-ministro e outros nomes em toda a cúpula econômica.

Cobranças

Para o cientista político Victor Shih, professor da Universidade da California em San Diego e especialista em economia chinesa, Xi deve ter avaliado que definir uma taxa de crescimento mais alta poderia trazer problemas no futuro, como aumento da dívida de governo locais e de investimentos em infraestrutura.

“Como o presidente Xi vai reformular a alta cúpula do governo, uma meta de crescimento mais modesta vai evitar cobranças fortes em cima desses dirigentes seu primeiro ano no cargo”, afirmou Shih ao NeoFeed.

Li Qiang, número 2 do Partido Comunista, deve se tornar o novo primeiro-ministro da China, no lugar de Li Keqiang. Ele tem se aproximado de empresas privadas, em uma tentativa de encorajar investimentos e restaurar a confiança.

Outro que deve ascender no governo é He Lifeng, chefe da principal agência de planejamento econômico da China e considerado o “Posto Ipiranga” de Xi. He provavelmente assumirá o cargo de vice-primeiro-ministro com a missão de supervisionar os sistemas econômico e financeiro do país.

Também é especulado um comando mais centralizado do governo em áreas consideradas críticas, incluindo segurança, tecnologia e cultura. Os gastos militares devem subir 7,2%.

Estímulo ao consumo, novas políticas favoráveis aos negócios para o setor privado e apoio ao setor imobiliário, pelo menos para retomar as obras paradas após o estouro da bolha, estão entre as medidas esperadas.

“O setor mais fraco este ano é potencialmente o de exportação, principalmente eletrônicos de consumo e manufatura leve”, afirma Shi, da Universidade Califórnia. Segundo ele, isso se deve principalmente à demanda mais fraca das importações dos EUA por causa da inflação e juros elevados, com redução de consumo.