O governo da Suíça deu mais um passo que põe em xeque a eterna imagem que o país sempre cultivou de manter inviolável o sigilo bancário.

A ministra das Finanças, Karin Keller-Sutter, propôs na quarta-feira, 30 de agosto, uma série de medidas para reprimir a lavagem de dinheiro e aumentar a transparência do sistema financeiro do país.

Entre as medidas propostas, chama a atenção a exigência de que os “proprietários beneficiários” finais de trustes e empresas sejam declarados, responsabilizando advogados e agentes financeiros que não o fizerem. Atualmente, a Suíça é o único país europeu que não possui esse registro nacional de propriedade.

O novo cadastro, a ser mantido no Departamento Federal de Justiça e Polícia, detalharia os beneficiários efetivos de empresas e outras pessoas jurídicas, com um órgão do Ministério da Fazenda realizando verificações do cadastro e, se necessário, impondo sanções.

O novo registro de beneficiários efetivos de todas as entidades empresariais e trustes constituídos no país não será acessível ao público em geral, mas estará disponível para reguladores, governo e polícia, bem como para bancos credenciados e advogados que realizem a devida diligência de acesso.

Além dessa exigência, de acordo com as regras propostas, todos os futuros negócios imobiliários também estariam sujeitos a checagens, enquanto os pagamentos em dinheiro de metais preciosos e pedras preciosas, como ouro e diamantes, estariam sujeitos a verificações de lavagem de dinheiro acima de um valor de 15 mil francos suíços (o equivalente a US$ 17 mil), abaixo dos 100 mil francos atuais.

As novas regras, elaboradas incialmente pelo governo suíço, ainda serão alvo de consulta popular antes de serem apresentadas formalmente ao Parlamento, em 2024.

“Um sistema robusto de proteção contra o crime financeiro é essencial para a reputação e o sucesso duradouro de um centro financeiro internacionalmente significativo, seguro e voltado para o futuro”, disse a ministra Keller-Sutter. “A lavagem de dinheiro prejudica a economia e põe em risco a confiança no sistema financeiro.”

Riqueza offshore

A Suíça, que tem uma população de apenas 8,7 milhões de habitantes, é o principal centro mundial de riqueza offshore, com cerca de US$ 2,4 trilhões em ativos estrangeiros detidos pelos seus bancos.

O país tem estado sob especial pressão internacional nos últimos meses para reforçar os seus controles financeiros como resultado da invasão em grande escala da Ucrânia pela Rússia.

Em abril, embaixadores do G7 em Berna repreenderam o governo suíço numa carta conjunta por fechar os olhos a muitas “lacunas” na lei suíça – e ao papel desempenhado pelos advogados suíços na sua exploração – que, segundo eles, estavam sendo usadas para facilitar a evasão de sanções.

O sigilo bancário permitiu atrair fortunas durante décadas aos mais de 250 bancos do país.

O governo suíço, no entanto, há muito procura combater a sua antiga imagem de local onde os criminosos escondem ganhos ilícitos.

Em 2018, por exemplo, a Suíça passou a compartilhar dados bancários após quase 100 anos de sigilo, enviando movimentações suspeitas de cerca de 2 milhões de contas nos bancos suíços a autoridades de vários países. Desde então, passou a trocar informações com mais de 100 países.

As novas exigências devem fechar o cerco à lavagem de dinheiro, mas críticos alertam que parte das medidas pode ser significativamente diluída, uma vez que as propostas já recomendam que o cumprimento das novas regras seja “autorreguladas” para os prestadores de serviços corporativos.

A versão final, que precisa ser aprovada pelo Parlamento, deve passar por alterações para evitar brechas.