A possibilidade de o governo federal não incluir as obras da Usina Nuclear Angra 3 no novo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), a ser anunciado na próxima semana, retomou com força uma antiga discussão sobre as vantagens e desvantagens de concluir a obra - uma vez que tirar do PAC a obra, a maior em construção no País, significa assinar seu atestado de óbito.
Nos últimos dias, o NeoFeed conversou com fontes do setor de energia. Uma delas, com trânsito no governo, disse que há, sim, uma propensão em tirar a obra do PAC. Porém, pelo menos por enquanto, a construção da usina nuclear não seria paralisada.
"O objetivo seria oferecer recursos para outras obras de cunho social”, disse, lembrando que parte dos gastos de Angra 3 é de responsabilidade da Eletronuclear, da Eletrobras, recentemente privatizada. As ações da Eletrobras caíram 4,80% nesta quinta-feira, 3 de agosto, no Ibovespa.
Ou seja, o objetivo de tirar Angra 3 do PAC seria jogar a conta da obra no colo da antiga estatal.
Iniciada ainda na década de 1980, a construção e Angra 3 foi interrompida várias vezes, a última em 2015, em meio a escândalos de corrupção apurados pela Operação Lava Jato. Com conclusão prevista para 2029, a usina já tem 65% do projeto concluído.
Do seu orçamento total de R$ 28 bilhões, R$ 7,8 bilhões já foram gastos. Se falta aportar mais R$ 20 bilhões nas obras, abandonar inteiramente o projeto vai custar R$ 13,6 bilhões.
O que está em jogo, de acordo com especialistas, são os custos astronômicos não só para concluir a obra como da energia que ela vai gerar – o triplo do que se paga pela energia de outras fontes limpas, como hidrelétrica, eólica e solar.
Há também questões estratégicas, pois a paralisação da obra vai afetar toda a cadeia produtiva do setor nuclear, incluindo as outras usinas, Angra 1 e Angra 2, além dos cerca de 6 mil empregos diretos e indiretos que a obra gera na economia do estado do Rio de Janeiro.
O próprio governo federal está ajudando a alimentar a polêmica, recusando-se a confirmar ou desmentir se Angra 3 será retirada do PAC.
Uma questão de equilíbrio
O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, admitiu em maio, durante audiência na Câmara dos Deputados, que o governo não tem posição definida sobre o tema. Além do custo para terminar a obra, Silveira citou o alto custo da energia gerada quando a usina entrar em operação.
“É preciso ser muito cuidadoso também com a questão do equilíbrio que nós precisamos buscar incessantemente entre segurança energética e modicidade tarifária”, disse o ministro.
Procurado, o Ministério das Minas e Energia não respondeu ao pedido de posicionamento em relação à participação de Angra 3 no PAC nem sobre a eventual paralisação da obra.
“Parar ou não a obra de Angra 3 é uma falsa polêmica”, afirma Celso Cunha, presidente da Associação Brasileira para o Desenvolvimento de Atividades Nucleares (Abdan).
Segundo ele, as consequências de paralisar uma obra 65% concluída e com 92% de equipamentos caríssimos entregues são muito grandes, não vale a pena.
Barata adverte sobre o financiamento de R$ 9 bilhões que já foi feito no projeto. “Se for descontinuado, esse financiamento é liquidado automaticamente”, diz.
O dirigente da Abdan também cita o fato de a energia nuclear não depender de condições climáticas – com outras fontes renováveis, como solar e eólica, que geram energia de forma intermitente.
Segundo ele, o fator carga de uma usina nuclear (tempo que a geração de energia está disponível) é de 92%, contra cerca de 55% da geração de hidrelétrica e 30% das eólicas.
“Sem contar que é uma energia gerada próxima aos maiores centros consumidores do país, Rio de Janeiro e São Paulo, diferentemente das eólicas no Nordeste e das hidrelétricas em regiões interioranas” diz.
O custo da energia, acima de R$ 700 por KWH quando for concluída – contra cerca de R$ 200 e R$ 300 de energia solar e eólica – também não deve ser considerado, na visão de Cunha.
"A projeção é que fique em R$ 726 por KWH até 2044, e depois caia para R$ 250 por KWH, significa que o primeiro valor é de custo econômico, o custo Brasil, e não da tarifa", assegura o diretor da Abdan.
Custo menor
Os argumentos pela manutenção das obras de Angra 3 não convencem Luiz Eduardo Barata, presidente da Frente Nacional dos Consumidores de Energia. Ele admite que em 2011, com mais de 55% de Angra 3 concluída, apoiava a continuação da obra.
“Hoje defendo a paralisação, porque há uma década tínhamos uma configuração de matriz de geração de energia hidrotérmica, diferente do que temos hoje, com condições de produzir energia eólica e solar com custo menor”, afirma.
Barata lembra que o Brasil não precisa da matriz nuclear. “A oferta de energia é enorme e tudo indica que vamos continuar com a solar e a eólica, o temor de que essas fontes deixam o sistema menos seguro está sendo derrubado por estudos que mostram expansão da capacidade dessas fontes já nesta década”, diz.
Ele cita outros argumentos para interromper o projeto de Angra 3.
Um deles, é a questão da transição energética. “De fato, a energia nuclear pode ajudar na descarbonização, mas ela é importante em países que usam fonte fósseis, como térmicas a gás, a carvão e óleo”, diz. “Não precisamos pagar caro para ser um país descarbonizado, já o somos com as fontes hidroelétrica, solar e eólica.”
Barata critica a tecnologia ultrapassada de grandes usinas nucleares do porte de Angra 3. Segundo ele, os países desenvolvidos que estão retornando à energia nuclear estão usando minigeradores, uma tecnologia moderna e mais em conta.
“Além disso, já dominamos a tecnologia nuclear há 40 anos, não vamos usar esse conhecimento para outros usos”, diz, lembrando que nem o corte de 5 mil empregos justificaria o custo de terminar Angra 3.
“Na transição digital eliminamos milhares de empregos no sistema bancário e, mais recentemente, no agronegócio, não faz sentido investir num projeto que vai custar caro e agregar pouco ao país a longo prazo”, diz.
Para José Marangon, conselheiro do INEL (Instituto Nacional de Energia Limpa), a questão é complexa. Segundo ele, o momento atual, onde a energia está barata, é possível imaginar que se deva parar a obra.
“No entanto, como a energia nuclear contribui para a descarbonização do planeta, o Brasil tem que estar engajado nesta tecnologia, porque ela vai além do simples fato de gerar energia elétrica, e alinhado na formulação de políticas estratégicas que busquem a independência tecnológica em todos os segmentos”, conclui Marangon.