O anúncio do novo PAC (Plano de Aceleração de Crescimento), há duas semanas, levou o governo federal a avançar na resolução de um problema que vem travando investimentos em infraestrutura ferroviária e rodoviária: a remodelagem de contratos de concessões assinados há mais de dez anos, que inviabilizaram parte dos investimentos previstos por causa da crise econômica de 2014-2016.

A estratégia do governo é acelerar uma solução atuando em duas frentes (uma para cada modal de transporte). O objetivo de refazer esses contratos é para que gerem mais investimentos e impeçam passivos regulatórios e financeiros para a União.

O primeiro resultado concreto desse avanço envolve concessões de rodovias federais com pendências, que podem trazer R$ 40 bilhões para os cofres do governo.

Trata-se da Portaria 848/2023, do Ministério do Transportes, publicada na segunda-feira, 28 de agosto, que estabelece uma nova política pública para remodelagem e otimização de contratos de concessão rodoviária do governo federal, que entra em vigor a partir de 1º de setembro.

Entre as novidades, a portaria prevê que os contratos passam a ser atualizados de acordo com a política pública vigente, determina a renúncia de todos os processos judiciais, administrativos e arbitrais existentes. Além disso, prevê o início imediato de execução de obras, preferencialmente de ampliação de capacidade e segurança viária, além da antecipação do cronograma de execução de obras.

Com base na recente decisão do Tribunal de Contas da União (TCU), permitindo a renegociação de contratos sem necessidade de relicitação de ativos, a portaria vai permitir ao governo destravar 16 das 24 concessões de rodovias federais, que estavam em processo de devolução e relicitação ou têm desequilíbrios nos contratos.

Em outra frente, o Ministério dos Transportes criou um grupo de trabalho para rever a política de renovações antecipadas de ferrovias, iniciada em 2015 e que só foi concluído entre 2020 e 2022. Com isso, foram assinados novos contratos de quatro ferrovias - Rumo Malha Paulista, da EFC (Estrada de Ferro Carajás), da EFVM (Estrada de Ferro Vitória a Minas) e da MRS Logística.

O argumento do atual governo é que as renovações antecipadas de ferrovias fechadas na gestão anterior foram feitas em condições muito favoráveis às concessionárias. Estimativas do governo (não confirmadas oficialmente) falam em R$ 70 bilhões de prejuízos para a União.

O objetivo é obter uma compensação de, pelo menos, R$ 30 bilhões no reexame das renovações antecipadas das ferrovias. O dinheiro seria alocado em um fundo para financiar obras ferroviárias, seja em modelos de PPP (Parceria Público-Privada), investimento cruzado ou direto do próprio governo.

Ciclo de logística

De acordo com Roberto Guimarães, diretor de planejamento e economia da Abdib (Associação Brasileira de Infraestrutura e Indústrias de Base), a nova portaria é importante porque o reequilíbrio de contratos de concessões rodoviárias é muito mais difícil de ser fechado, o que explica o fato de, até agora, não ter avançado.

A primeira tentativa de reequilibrar esses contratos se deu em 2017, quando foi editada a Lei de Relicitações, permitindo que as concessionárias devolvessem voluntaria e consensualmente seus contratos.

Mas a demora em dar início a um novo processo de concessão – que pode se arrastar em cinco anos, entre edital, análise do TCU e concorrência – levou as autoridades a maturar uma solução mais pragmática.

“Os contratos de reequilíbrio de concessões rodoviárias são muito mais complexos que os de concessão ferroviária, pois demandam ações mais objetivas por parte do poder concedente, que inclusive se utilizou da secretaria criada pelo TCU para obter acordo visando dar preferência à renegociação dos contratos de concessões do que na abertura de um processo de relicitação, muito mais demorado”, diz Guimarães.

Segundo ele, a decisão do ministro Bruno Dantas, presidente do TCU, de criar dentro do órgão uma secretaria de soluções consensuais de conflitos envolvendo essas concessões facilitou.

“Cada contrato tem sua especificidade, mas a tendência daqui para frente é avançar na assinatura de novos contratos: os primeiros vão sofrer mais para serem fechados pelo ineditismo, mas como a portaria exige que esses contratos sejam concluídos até dezembro, a tendência é deslanchar numa solução”, acrescenta Guimarães.

Das 16 concessões com problemas, quatro estão próximas de um acordo e devem render R$ 20 bilhões: a MSVIA, responsável por um trecho sob concessão da BR-163 em Mato Grosso do Sul; a ECO 101, que cuida da BR-101 entre Espírito Santo e Bahia; a Via Bahia, concessionária que administra vários trechos federais no estado; e a Arteris Fluminense, que tem a concessão da BR-101 entre Niterói e Campos dos Goytacazes (RJ).

Frederico Favacho, sócio do escritório Santos Neto Advogados e especialista em infraestrutura, observa que a portaria assinada pelo Ministério dos Transportes fecha um ciclo importante de regulamentação da área de logística.

“Começou lá atrás, no governo Dilma, com a reformulação da lei dos portos, eliminando o gargalo portuário, avançou com as concessões de aeroportos, a nova regulamentação das ferrovias, por meio do regime de autorização do governo Bolsonaro, e agora, com essa portaria que pode destravar as concessões rodoviárias”, diz o especialista.

Em relação às ferrovias, o pedido de revisão do caderno de encargos da renovação da Rumo Malha Paulista - uma das quatro ferrovias que assinaram novos contratos entre 2020 e 2022 -, feito ao TCU, abriu uma brecha para o governo ensaiar uma revisão de todas as renovações antecipadas.

Embora o grupo de trabalho do governo ainda não tenha produzido nenhum documento, no Ministério dos Transportes fala-se da necessidade alterar dois parâmetros dos contratos que tiveram a antecipação de renovação homologada.

Um deles é o Custo Médio Ponderado de Capital (WACC, na sigla em inglês) , que diz respeito à taxa utilizada para descontar os fluxos de caixa dos empreendimentos a serem licitados ou em processo de prorrogação dos contratos de ferrovias. O outro é o cálculo da Base de Ativos.

A Vale, que opera as concessões da Estrada de Ferro Carajás e da Estrada de Ferro Vitória a Minas, disse por meio de nota que o processo de renovação das concessões foi estritamente regular.

“Dezenas de audiências públicas foram realizadas para debater a renovação antecipada e os processos também foram apreciados e aprovados por unanimidade pelo plenário do TCU”, afirma a empresa. “A Vale está cumprindo todas as obrigações decorrentes da renovação.”

A intenção do governo de reexaminar esses contratos já readequados foi confirmada pelo ministro da Casa Civil, Rui Costa, no lançamento do Novo PAC, no dia 11 de agosto.

Segundo ele, o ministro dos Transportes, Renan Filho, está identificando e renegociando todos os contratos de ferrovias vencidos e que estão a vencer.

“Queremos que seja restituído ao povo brasileiro o valor devido por essas renovações”, disse Costa. “A estimativa é que possamos chegar a um pouco mais de R$ 30 bilhões de recursos que serão investidos na malha ferroviária nacional.”