O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva confirmou que o economista Aloizio Mercadante (PT) será o novo presidente do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) no seu governo.
“Estamos precisando de alguém que pense em desenvolvimento, de alguém que pense em reindustrializar esse país, em inovação tecnológica, na geração e financiamento ao pequeno e médio empresário para que esse País volte a gerar emprego”, justificou Lula.
A nomeação de Mercadante, por enquanto, deve gerar mais críticas e ruídos políticos do que benefícios. O fato de Mercadante ser muito ligado ao criticado governo de Dilma Rousseff (2011-2016), período no qual ocupou três ministérios (Ciência, Tecnologia e Inovação, Educação e Casa Civil), é apenas um deles.
Além de não agradar ao mercado financeiro – que esperava a indicação de um nome com perfil mais liberal ou ao menos sem tanta ligação com o governo Dilma –, a nomeação de Mercadante coloca em xeque a Lei 13.303/16, conhecida como Lei de Responsabilidade das Estatais.
Criada há seis anos, no governo de Michel Temer, a legislação veta expressamente a nomeação de políticos como Mercadante para cargos de gestão em empresas públicas, como o BNDES.
Mas, numa manobra articulada pelo novo governo com o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), a Câmara aprovou a toque de caixa, no final da noite de terça-feira, 13 de dezembro, um projeto de lei que reduz para 30 dias a quarentena de indicados a ocupar cargos de presidente e diretor das empresas públicas. O texto-base, de autoria da deputada Celina Leão (PP-DF), foi aprovado por 314 a 66 e agora segue para o Senado.
Os rumores de que Mercadante seria escolhido ou para o BNDES ou para a Petrobras já haviam derrubado, na segunda-feira, 12 de dezembro, dois dos principais indicadores financeiros do dia – do Ibovespa (que fechou em queda de 2,02%) e das ações da Petrobras (que recuaram 3,24% no pregão). Na terça, após confirmação de sua nomeação, a bolsa caiu novamente, 1,18%.
Por ter atuado em estrutura decisória de um partido político (PT) nos últimos 36 meses, de acordo com a Lei 13.303/16, o novo indicado para o BNDES já estaria inabilitado para assumir a presidência dos órgãos para os quais estava sendo cotado – o que reforçou o temor sobre eventual revogação da legislação.
Foi justamente esse trecho da lei que foi mexido pelo projeto de lei aprovado, beneficiando Mercadante. Na nova versão, o nomeado como administrador de empresa pública ou sociedade de economia mista, bem como membros de conselhos da administração, deve comprovar o seu desligamento da atividade incompatível com antecedência mínima de 30 dias em relação à posse.
Mercadante é o melhor exemplo da vacina antipolítica criada pela Lei das Estatais, aprovada sob efeito direto dos escândalos de corrupção na Petrobras e outras empresas públicas durante o conturbado governo Dilma.
Ela abrange todas as companhias controladas pelo Estado – incluindo empresas públicas, sociedades de economia mista e subsidiárias, e sociedades cuja maioria do capital votante pertença direta ou indiretamente à União.
Na prática, é considerada um marco regulatório para a atuação das estatais, por impedir que dirigentes partidários, ocupantes de cargos políticos ou políticos que disputaram eleições recentes ocupem diretorias ou conselhos.
Uma das novidades foi determinar processos de compra mais alinhados com o mercado para que as estatais possam manter a sua competitividade.
Ao mirar no fim do apadrinhamento político nas estatais, a legislação acabou acertando no alvo na melhora da governança dessas empresas. Até para preencher os cargos antes indicados por políticos, as estatais tiveram de nomear pessoas com capacidade técnica, melhorando a eficiência.
Riscos
Sem mexer na lei como ela vigorava, para nomear Mercadante, Lula teria que revogar a Lei das Estatais ou simplesmente ignorá-la. As duas alternativas teriam impacto político negativo, daí a saída por mexida via Congresso.
A revogação da lei significa jogar fora os ganhos obtidos, incluindo aumento de eficiência e do lucro médio das estatais, além da redução de 4,4% do quadro de funcionários, algo inacreditável num segmento que era conhecido por servir para políticos como um cabide de empregos.
Para quem duvida do efeito da lei no desempenho das estatais, o Relatório Agregado das Estatais Federais de 2022– documento do governo que reúne todos os resultados da administração pública federal com base no ano anterior – expõe o que está em jogo.
Em 2021, de acordo com o relatório, as estatais triplicaram o lucro e tiveram desempenho recorde em relação ao ano anterior. No total 22 das 28 estatais não dependentes do Tesouro Nacional fecharam o ano com superávit.
Outras iniciativas importadas do setor privado impactaram nos resultados, como a adoção de programas de demissão voluntária (PDVs) e maior coparticipação dos funcionários nos planos de saúde das empresas.
Em 2021, entre aposentadorias e desligamentos, o número total de empregados nas estatais encolheu 4,4% (20.560 pessoas).
A lei, porém, não impede excessos. A nomeação de Caio Paes de Andrade pelo presidente Jair Bolsonaro para a presidência da Petrobras, cujo currículo não cumpria dois requisitos da Lei 13.303/16 (experiência profissional e a formação acadêmica), é um exemplo.
Mesmo assim, Paes de Andrade assumiu o cargo, menos por causa da lei e mais pela natureza de uma empresa estatal: se o acionista controlador (o Estado) quiser, aprova quem lhe convier na assembleia geral de acionistas, em que detém a maioria do capital.
O temor é que o novo governo abuse desse expediente para encaixar políticos em postos de comando das estatais. Tobias Coutinho, professor da FIA Business School e especialista em gestão corporativa, adverte que a lei não deixa claro quais órgãos de controle devem fiscalizar a sua aplicação.
“Até agora, o que tem sido feito foi uma tentativa de fazer um trabalho de conscientização e prevenção nas estatais, por meio do Tribunal de Contas da União, Controladoria-Geral da União e outros órgãos”, diz Coutinho.
Ele admite que a nomeação de políticos chame a atenção sobre a lei, mas ele lembra que ela trouxe inúmeros avanços na gestão púbica que devem ser preservados, incluindo a criação de comitê de auditoria, de riscos de compliance, entre outros instrumentos.
“O comitê de indicação, que deve ser acionado no BNDES para confirmar Mercadante, está presente em quase 100% das empresas estatais federais”, afirma Coutinho.