A crise do Credit Suisse (CS), tradicional banco suíço que foi comprado pelo seu maior rival, o UBS, numa operação polêmica realizada no final de semana, arranhou de vez a imagem da Suíça como ícone do sistema bancário internacional, com sua reputação de estabilidade, regulamentação e governança corporativa.

O retrato sem retoques da mudança em curso ocorreu nesta quinta-feira, 23 de março, em Zurique, durante anúncio do Banco Nacional Suíço (SNB), o banco central do país, sobre o aumento de 0,5 ponto percentual da taxa de juros, que passa a ser de 1,5% ao ano.

O presidente do SNB, Thomas Jordan, pouco falou aos jornalistas sobre a política monetária do BC do país e passou a maior parte do tempo se justificando sobre o processo de venda do Credit Suisse, costurado pelo governo suíço, pelo BC e pela FINMA, órgão regulador do mercado financeiro local.

A venda foi marcada pela falta de transparência e medidas arbitrárias, prejudicando acionistas e investidores. Mesmo assim, o presidente do BC suíço exagerou no tom ao justificar a operação.

“A aquisição do banco Credit Suisse pelo UBS foi orquestrada para preservar a estabilidade financeira não apenas na Suíça, mas em todo o mundo”, disse Jordan. “Correr esse risco teria sido irresponsável.”

O presidente do BC suíço deu uma importância ao sistema bancário do país que, na prática, não existe mais.

O setor já vinha sendo pressionado há anos, após um declínio no sigilo bancário - uma marca dos bancos suíços -, à medida que outros países se uniram para pressionar o governo suíço a reprimir a evasão fiscal dos clientes internacionais.

Os números comprovam essa queda de prestígio. A contribuição do setor bancário para a economia suíça, que era 9,9% do PIB em 2002, caiu para 8,9% atualmente. Nesse período, o número de bancos suíços passou de 356 em 2002 para 239 instituições.

A indústria farmacêutica, por exemplo, se tornou mais importante para assegurar empregos e o posto de terceiro maior PIB per capita do mundo da Suíça.

Perda de excelência

A contração do sistema bancário suíço passa por mudanças no modelo global de finanças. Mas um aspecto da crise do Credit Suisse chamou a atenção: a perda dos padrões rígidos de governança que sempre marcaram seu sistema bancário.

Com 167 anos de história, o Credit Suisse é o segundo maior banco da Suíça, atrás apenas do UBS. Durante décadas simbolizou a eficiência e a discrição do sistema bancário do país. Nos últimos dez anos, porém, o banco foi envolvido em vários casos de evasão de divisas, lavagem de dinheiro e até espionagem.

Mais recentemente, o banco também enfrentou problemas de gestão, o que precipitou a atual crise. Em 2021, o banco teve de absorver uma perda de US$ 15 bilhões, após o colapso das empresas de investimento Greensill e Archegos.

Em outubro, o CS anunciou um plano de reestruturação, com corte de 15% em suas despesas, e a demissão de 9 mil funcionários (17% de sua força de trabalho global). Mesmo assim, ao final de 2022, o banco detinha US$ 575 bilhões em ativos, além de US$ 1,3 trilhão em ativos sob sua gestão.

A negociação com o UBS foi marcada por decisões arbitrárias. As autoridades suíças exortaram o UBS a assumir o controle de seu rival menor depois que a injeção de liquidez de US$ 54 bilhões do BC, em meio à crise bancária nos EUA, não ter evitado novos saques de investidores e clientes.

O acordo foi fechado depois que o governo, com apoio do BC e da FINMA, aprovou medidas de emergência para concretizar a venda do Credit Suisse por US$ 3,25 bilhões, sem aprovação dos acionistas.

O governo suíço ainda garantiu uma linha de crédito de US$ 109 bilhões para o UBS, caso seja necessário. Sobrou até para os contribuintes suíços, que estão sob risco de bancar o equivalente a US$ 9,8 bilhões de perdas potenciais futuras no UBS.

Manobras

Mais grave foi a manobra das autoridades suíças para amenizar o prejuízo da transação.

Pelo acordo de aquisição, os detentores de títulos do Credit Suisse AT1 - que valiam US$ 17 bilhões - não receberão nada, enquanto os acionistas, que geralmente são classificados abaixo dos detentores de títulos em termos de remuneração, receberão US$ 3,23 bilhões.

Duas outras consequências da venda do Credit Suisse para o UBS reforçam a perda de prestígio do outrora invejado sistema bancário suíço. O primeiro deles é o efeito prático da fusão dos dois maiores bancos do país: corte estimado de 12 mil funcionários, um baque para o setor que emprega 5% da força de trabalho da Suíça, estimada em 200 mil pessoas.

O outro efeito pode trazer consequências piores para o sistema financeiro local. A partir de agora, a dupla UBS-Credit Suisse passa a controlar 30% no setor bancário do país.

Com aproximadamente US$ 1,7 trilhão, os ativos combinados das duas instituições representam o dobro do PIB suíço, de US$ 800 bilhões – só os depósitos somam o equivalente a 45% do PIB.

O risco é de, numa situação de crise semelhante a qual passou o Credit Suisse, nem o BC nem o governo suíço tenham dinheiro para socorrer o maior banco do país.

Se isso acontecer, o desfecho seria tão trágico quanto irônico: o maior banco suíço poderia levar à bancarrota o país que, durante décadas, simbolizou a eficiência, o sigilo e a governança do sistema bancário internacional.