Dois ativos financeiros conservadores ancorados em mais de R$ 3,8 trilhões mudaram de direção nas últimas semanas: as cadernetas de poupança e os fundos de renda fixa.
A poupança tem saldo de R$ 992 bilhões. Os fundos de renda fixa têm patrimônio de R$ 2,87 trilhões.

Em agosto, a poupança perdeu liquidamente R$ 22 bilhões – o maior saque em quase 30 anos, desde o início da série histórica, informa o Banco Central (BC). Em igual período, os fundos de renda fixa atraíram R$ 18,5 bilhões, também acima dos resgates, segundo a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima).

A movimentação de recursos em direções opostas nessas duas classes de ativos populares reflete uma realidade brasileira: o orçamento apertado das famílias e o juro no topo do aperto monetário, onde deve permanecer até meados de 2023.

“É difícil cravar o motivo para a saída de recursos da poupança, mas vejo duas possibilidades: recomposição de renda e alternativas melhores de investimento”, avalia Lucas Queiroz, estrategista de renda fixa do Itaú BBA.

Saques para a recomposição de renda devem ser considerados, segundo Queiroz, que alerta para o aumento da inflação nos últimos trimestres e a consequente perda do poder de compra da população.

Após dois meses de deflação – julho e agosto – o IPCA passou a acumular alta de 8,73% em 12 meses. Durante 11 meses, porém, o indicador permaneceu em dois dígitos. E, apesar da queda recente e que deve ser reprisada em setembro, os preços em geral seguem pressionados.

E essa também é uma boa razão a explicar os saques na poupança, indica o estrategista do Itaú BBA, para quem o investidor consegue opções melhores em produtos com risco semelhante ao da caderneta. “Não vejo a poupança como uma aplicação que faça sentido ao investidor, tendo em vista as alternativas existentes no mercado de renda fixa”, pontua.

A variação negativa do IPCA (-0,68% em julho e -0,36% em agosto) ampliou o juro real praticado no Brasil e tornou mais atraente as opções em renda fixa, uma vez que a poupança tem retorno fixo de 0,50% ao mês.

Rodrigo Cabraitz, especialista em alocação de ativos da Claritas Investimentos – casa que administra R$ 8,4 bilhões e integra o Principal Financial Group, presente em 25 países e com US$ 632 bilhões sob gestão – credita o saque histórico da poupança ao orçamento das famílias.

“O aperto do orçamento tem sido uma dificuldade como confirmam dados da Serasa. Há recorde de endividamento agravado pelos juros altos. Boa parte do orçamento é destinado às despesas correntes e pagamento de dívidas”, diz Cabraitz.

Ele vem observando o deslocamento de recursos da renda variável para a renda fixa nos últimos meses, conforme o Banco Central foi avançando no aperto monetário.

“Há movimentação de pessoas físicas e também de outros agentes”, aponta o especialista, que chama atenção para o fato de as ações serem muito atrativas com a Selic a 2%, “mas o cenário muda com taxa a 13,75%”. “Esse juro torna mais vantajosa a renda fixa e os títulos indexados à inflação comparados ao risco de volatilidade da bolsa.”

O monitoramento da Anbima, referente a agosto, mostra que os fundos de renda fixa acolheram em oito meses deste ano R$ 103,7 bilhões. Em contrapartida, outras classes de ativos registraram mais saída do que entrada de dinheiro novo.

Em agosto, as carteiras de ações perderam R$ 5,5 bilhões – montante que elevou o resgate em oito meses a R$ 54,7 bilhões. Já os fundos multimercados tiveram resgate líquido de R$ 1,8 bilhão. Esse é o menor saque observado mensalmente no ano, período em que essa classe de ativo acumula perda de R$ 73,8 bilhões.

Esse entra e sai de recursos corrobora a avaliação de Cabraitz, da Claritas, que não vê apenas pessoas físicas se deslocando no mundo dos investimentos.

“Assets e tesourarias bancárias, que ficaram mais alocadas em renda variável lá atrás por conta da persistência do juro baixo por um bom tempo, também se movimentam", diz ele. "Além dos investidores institucionais, como fundos de pensão."

Cabraitz lembra que fundos de pensão com metas atuariais de 5% a 5,5% mais inflação conseguem bater essas metas aplicando em títulos, na parte curta da curva de juros com vencimento em 2024 e 2025, que estão pagando IPCA mais 6% “e sem correr o risco bolsa”.

O especialista da Claritas resume a mobilização atual dos investidores. Para ele, a pessoa física prefere a renda fixa, mesmo que a bolsa volte a andar, porque o juro é compensador.

“O institucional é cauteloso e aguarda um bom momento para voltar às ações, mas observa um cenário mais atrativo com empresas desalavancadas e oferecendo boas oportunidades", afirma. "E os estrangeiros estão entrando na bolsa porque acreditam que o BC já fez seu trabalho na política monetária.”

O retorno da poupança comparativamente a outras aplicações justifica, segundo os especialistas, a migração de investidores com orçamentos menos pressionados e com recursos disponíveis em busca de maior rentabilidade.

Com IPCA de -0,36% em agosto, a inflação acumulada no ano passou a 4,39%. Com isso, o rendimento real da poupança superou ligeiramente 0,50% o IPCA no consolidado de oito meses – durante quatro meses, o retorno real da poupança foi negativo.

Já os fundos de renda fixa – representados pelo índice IRF-M da Anbima – garantiram 1% acima da inflação entre janeiro e agosto deste ano, enquanto o Ibovespa encerrou o período praticamente no zero a zero.