Os exportadores de commodities para a China iniciaram 2023 com um sentimento misto de otimismo e desconfiança. Em especial, os brasileiros.

A expectativa da retomada econômica do país asiático após um ano de crescimento baixo começou a aparecer no horizonte no final de 2022, quando o governo chinês revogou as medidas duríssimas de restrições de sua política de tolerância zero à covid.  Mas esfriou com o aumento exponencial do número de casos que se seguiu à abertura.

O governo chinês, no entanto, seguiu firme em sua nova política de retomar o crescimento econômico a todo custo, confirmando a abertura das fronteiras do país para o próximo domingo, 8 de janeiro – quando, após exatos 1.016 dias, deixará de exigir quarentena a viajantes do exterior.

Num cenário de contração econômica global, o gigante asiático pode ser a tábua de salvação de muitos países para este ano, pelo simples fato de a economia chinesa ser uma devoradora de vários tipos de commodities.

A China consome cerca de 15% do petróleo mundial, mais da metade do cobre, níquel e zinco refinados e cerca de 60% do minério de ferro produzido no planeta.

Na safra 2020/21, segundo dados do USDA (Departamento de Agricultura dos Estados Unidos), o país foi o principal importador de soja, milho, algodão, carne bovina, carne suína e o segundo maior importador de trigo.

A lista das principais commodities brasileiras importadas pela China, com vários itens da relação acima, ajuda a entender o otimismo latente dos nossos exportadores.

A China comprou 68% da soja, 62,8% do minério de ferro, 38,7% do óleo bruto de petróleo ou de minerais betuminosos e nada menos que 72,8% das carnes de animais de origem bovina congeladas exportadas pelo Brasil em 2022.

Crescimento baixo

Apesar do “match” das exportações brasileiras com a demanda chinesa, há vários fatores que devem ser levados em conta no cenário da recuperação econômica do país asiático.

O primeiro deles é que a economia chinesa deve ter um primeiro trimestre de crescimento relativamente baixo. “A abertura será gradual, pois provavelmente teremos um elevado número de infectados e mortos pela covid-19 na China neste começo de ano”, afirma Leonardo Paiva, economista do BTG Pactual.

Além dos novos casos da covid após o fim das restrições (estimados em 3,7 milhões por dia no país, segundo a empresa de pesquisa britânica Airfinity), centenas de milhares de chineses devem viajar para comemorar o Ano Novo lunar chinês, no próximo 22 de janeiro.

Por enquanto, é impossível prever se haverá uma nova explosão em cima da atual explosão de contaminados. Mais previsível é o otimismo que alguns agentes econômicos estão demonstrando com a retomada.

Boa parte aposta que o período de extrema volatilidade da economia chinesa se estenderá até meados de março, sendo seguido por uma recuperação forte que deve estar consolidada no segundo semestre.

O Banco HSBC, por exemplo, calcula que, no final do primeiro trimestre de 2024, o PIB da China poderá ser até 10% maior do que nos primeiros três meses de 2023.

Preços voláteis

Esse otimismo a longo prazo é compartilhado pela expectativa a curtíssimo prazo dos exportadores brasileiros dos setores agrícola e de mineração.

“São os setores mais atentos ao curto e médio prazo, pois trabalham em mercados com preços mais voláteis”, afirma Paiva, do BTG Pactual.

O minério de ferro é um exemplo. Paiva lembra que o preço da tonelada caiu de US$ 200 para US$ 80 no ano passado, abrindo o ano com a tonelada cotada em torno de US$ 120.

“O aumento do consumo não deverá ser muito forte porque os chineses estão com estoques elevados”, diz o economista. “Com a China retomando a produção, mesmo que tenha um aumento no preço do minério, ele tende a cair mais para frente.”

O minério de ferro é a principal commodity da China, que responde por 70% das importações mundiais do mineral, usado para produzir aço em altos-fornos, entre outras aplicações.

Outras commodities significativamente influenciadas pela China tiveram um desempenho volátil nos últimos meses. O cobre subiu 11% desde outubro, a soja aumentou quase 10% e o petróleo Brent caiu 9%.

“No caso dos exportadores brasileiros, em especial de commodities agrícolas, a discussão gira mais em torno do preço do que da quantidade”, afirma o economista do BTG.

A soja é um exemplo. Em 2022, os produtores brasileiros sofreram mais com os preços no segundo semestre do que no primeiro.

No começo do ano, o conflito na Ucrânia elevou a cotação da soja, mas uma oferta mais elevada do produto no segundo semestre, por causa de uma boa safra nos EUA, derrubou a cotação.

“Agora em 2023, a previsão é que o Brasil produza uma supersafra de soja, acima de 150 milhões de toneladas, mas é difícil fazer um prognóstico da China se recuperando em meio a uma supersafra, pois se trata de algo inédito”, diz Paiva.

O perfil do mercado agrícola, normalmente mais otimista com os preços, reforça a expectativa em relação às exportações para a China. De acordo com Paiva, os grandes produtores exportam para cobrir o custo, mas adotam uma estratégia diferente de comercialização, dependendo do cliente, com o restante da produção, visando um lucro maior.

Como é comum os produtores esperarem um preço mais alto para vender, será necessário esperar o cenário com supersafra para avaliar o comportamento dos preços.

Já as exportações de carne bovina não deverão aumentar de forma significativa. “O setor exportou bem em 2022, com a carne bovina tendo reposição de consumo e de estoques depois dos problemas enfrentados com vaca louca em 2021”, diz Paiva. “Mas não deve ter recomposição grande em 2023.”

Uma nova onda de covid?

Os cenários previstos pelos exportadores brasileiros, que sempre levaram mais em conta os fatores do mercado, agora precisam ficar de olho na covid na China.

A Organização Mundial de Saúde advertiu na quarta-feira, 4 de janeiro, para a subnotificação de casos nos relatórios oficiais do governo chinês.

Segundo a OMS, as estatísticas oficiais chinesas indicam que nenhuma nova variante do coronavírus foi encontrada, mas é difícil acreditar na versão oficial chinesa, a mesma que assegura que o número de mortos pela covid não passa de 5 por dia – em meio a relatos de hospitais e crematórios superlotados.

Além da volatilidade da cotação das commodities, os exportadores brasileiros enfrentam o dilema do copo meio cheio para reforçar o otimismo que a China vai retomar o crescimento econômico rapidamente, apesar da covid.