O grupo da transição do futuro governo da área de energia e mineração defendeu o adiamento da votação do Projeto de Lei 414/2021, que trata da ampliação e abertura do Mercado Livre de Energia no Brasil.

O líder do grupo de transição do novo governo, Mauricio Tolmasquim, quer primeiro conhecer a versão final do PL, que ainda não foi apresentado pelo relator, deputado Fernando Coelho Filho (União-PE).

Na prática, o PL 414/21 deverá instituir um novo marco regulatório na comercialização de energia do setor elétrico, parte importante de um segmento que movimenta R$ 450 bilhões por ano, entre mercado regulado e livre – daí a expectativa em torno da versão final da proposta.

O objetivo do projeto lei, pelo menos na versão inicial, é diversificar a matriz energética, oferecendo aos consumidores o poder de escolha. Assim, as pessoas físicas poderão escolher de quem vão comprar energia. Hoje, elas são obrigadas a pagar pelo consumo residencial de energia a um distribuidor pré-determinado, como a Enel, em São Paulo.

“Um consumidor em São Paulo, por exemplo, poderá comprar energia eólica do Ceará ou biogás de Minas Gerais”, afirma Paulo Pedrosa, presidente da Abrace (Associação Brasileira dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e Consumidores Livres). “A novidade é que o consumidor vai pagar de forma separada: o uso do fio para a distribuidora, que continua a mesma, e o custo da energia que passa por aquele fio para a comercializadora que escolher. Trata-se de uma questão comercial.”

Esse modelo já está disponível apenas para grandes empresas que possuem uma demanda contratada igual ou maior a 500 quilowatts (kW) por unidade de negócio, o que resulta em custo de energia de R$ 50 mil por mês.

A última versão do PL previa a aplicação de um prazo de até 42 meses e, após esse período, todos os consumidores estarão aptos a contratar energia do fornecedor de sua preferência.

Modernização

O presidente da Abrace afirma que a negociação do PL 414/21 deverá indicar algo maior do que o eventual impacto no setor de energia em si. “Na prática, vai mostrar se o Congresso pretende adotar um caminho de diálogo com a equipe de transição do novo governo ou se pretende passar um recado, de que seguirá atendendo a interesses específicos e o novo governo terá de se conformar com isso”, diz Pedrosa.

Ele diz que o contexto dessa votação ocorre num momento especial. “Há uma mudança de governo em curso e o Brasil ocupa atualmente a melhor posição do mundo no que se refere à transição energética para fontes renováveis.”

Para Pedrosa, há a perspectiva de produzir energia barata, limpa e segura. “Mas nosso potencial de energia foi capturado por interesses políticos e econômicos locais, com uma agenda que aumenta o custo para os consumidores e afasta o setor da competição.” A dúvida, segundo ele, é se o país vai manter o curso da transição energética pelo modelo antigo, sem competição, “com os custos sendo jogados nas costas do consumidor”.

Com 36 anos de experiência no setor, Pedrosa foi diretor-geral da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), de 2001 a 2005. Entre 2016 e 1018, foi secretário-executivo do Ministério de Minas e Energia, onde também atuou brevemente como ministro interino.

Disputa política

Para o professor Nivalde de Castro, coordenador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o recado da equipe do governo de transição significa que o PL 414/21 dificilmente será votado este ano.

“Nossa avaliação é que o novo governo deverá mobilizar a base parlamentar da frente ampla que o ajudou a vencer a eleição para puxar o freio de mão nesse e em outros projetos que provoquem mudanças substanciais no setor elétrico”, afirma Castro. “Antes de 12 de dezembro, quando o novo governo deve anunciar o plano de 100 dias, o PL 414/21 dificilmente será votado.”

Segundo ele, Tolmasquim já pediu ao Ministério das Minas e Energia para “segurar tudo e não vender nada”, como ativos da Eletrobras. “O novo governo precisa fazer antes uma análise profunda do setor.” O professor da UFRJ concorda que a discussão entre um modelo mais pró-mercado e a opção por subsídios será o principal desafio do novo governo.

“Houve um vazio no diálogo qualificado entre e o Executivo e o atual Congresso no que se refere ao setor de energia”, diz Castro. “A base de sustentação do governo era frágil e focada na reeleição, aceitando jabuti da Petrobras, taxar o sol e outros interesses.”

Segundo ele, é preciso brecar subsídios que foram colocados de maneira excessiva na atual legislatura, sem discussão técnica nem interesse do governo em barrá-los. “A equipe de transição é altamente qualificada, tem dimensão clara dos desafios: aproveitar a produção de hidrogênio e diversificar a matriz, há muito o que fazer”, afirma Castro.