O mercado financeiro pode ter motivos para reclamar do presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, mas nada que esteja ligado à falta de direcionamento. Na segunda-feira, 22, ele indicou os caminhos sobre a taxa básica de juros e a mudança da meta de inflação - mesmo que esses dois temas quentes tenham sido tocados nas entrelinhas.
Em seminário promovido pela Federação Brasileira de Bancos (Febraban), em parceria com o jornal Folha de S.Paulo, na segunda-feira, 22 de maio, sobre os dois anos de autonomia do BC, ele reconheceu que o debate sobre juros é “justo” e o BC está sempre aberto a discutir o tema. Ao ser questionado se a queda da inflação não abriria caminho para iniciar a queda de juros, o presidente do BC foi cauteloso: admitiu a “grande desaceleração” da inflação, mas disse que o núcleo de preços ainda segue alto.
“Temos esse problema das expectativas de inflação longas, que colaram ali nos 4%, e estão bastante persistentes”, disse Campos Neto, dando a entender que a Selic não deve cair na próxima reunião do Copom, que acontecerá entre os dias 20 e 21 de junho.
Horas antes, o Boletim Focus do Banco Central anunciou que as expectativas quanto à taxa de juros foram mantidas em 12,5% ao fim de 2023. Para 2024, a expectativa desse índice é de 10% e, para 2025, de 9%.
Campos Neto atribui a desaceleração lenta da inflação ao setor de serviços, que segue aquecido. Mas reconheceu que o ciclo de queda de juros está próximo, citando, além do Brasil, México, Chile e Colômbia.
“Quando pensamos na política monetária, vemos basicamente que os países que fizeram o trabalho antes e mais rápido têm uma precificação de queda de juros”, disse, acrescentando que “o processo em parte está funcionando”.
Manutenção da meta de inflação
O presidente do BC passou outro recado indireto, dessa vez ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que vem criticando não só a autonomia do BC como a demora de Campos Neto, à frente da autoridade monetária, em baixar os juros.
De acordo com ele, a autonomia do BC “vai no sentido contrário ao da personalização” das decisões do órgão, tomadas por um colegiado. “A personificação demonstra falta de conhecimento no processo que foi instalado e nesse amadurecimento institucional que o Banco Central vem passando”, afirmou.
O presidente do BC voltou a citar o fato de o banco ter elevado os juros em ano de eleição como uma prova de autonomia do órgão. E lamentou que o atual governo não tenha admitido a importância dessa iniciativa.
"Confesso que depois de ter subido os juros da forma como foi feita, para assegurar um processo inflacionário mais tranquilo e dar mais estabilidade à economia no próximo mandato, imaginei que isso fosse ser reconhecido", disse Campos Neto.
Em relação à suposta intenção do governo federal de mudar a meta de inflação (hoje em 3,25%), o presidente do BC foi mais direto. Reconheceu que o choque inflacionário pós-pandemia abriu o debate em torno do tema em vários países do mundo e muitos passaram a defender o aumento da meta.
No caso do Brasil, lembrou que quem decide a meta de inflação é o governo. Mas advertiu que uma mudança quando a inflação segue alta tende a aumentar as expectativas do mercado, elevando os prêmios de riscos. "O BC debateu isso internamente e entende que mudar a meta para cima não traria flexibilidade", disse ele.