Num espaço de poucos dias, o Brasil se deu conta de que poderá ter investimentos de cerca de meio trilhão de reais de dinheiro público e privado nos próximos anos no setor de transportes.

A dúvida que permanece é se o País tem capacidade de melhorar a infraestrutura do setor, pois boa parte dos investimentos anteriores não saiu do papel ou terminou em desperdício de dinheiro.

A conta inclui o orçamento de R$ 349,1 bilhões do novo PAC (Programa de Aceleração de Crescimento) para rodovias, ferrovias, portos, aeroportos e hidrovias em todos os estados do Brasil, anunciado na semana passada pelo governo federal, e mais R$ 80 bilhões que poderão sair de um acordo que está sendo negociado pelo governo federal no Tribunal de Contas da União (TCU) para reestruturar até 15 contratos de concessão de rodovias federais.

Outros R$ 48,7 bilhões para a mobilidade urbana poderiam eventualmente ser agregados. Mas esse item ainda será formatado em editais de licitação para a seleção de outros projetos prioritários nos estados e municípios, além dos anunciados no próprio corpo do novo PAC.

A maior parte desses investimentos deverá migrar para os setores rodoviário e ferroviário, com cerca de 300 empreendimentos previstos pelo novo PAC, entre obras públicas, concessões e parcerias público-privadas (PPPs).

Marcus Quintella, diretor executivo da FGV Transportes, prefere manter a cautela em relação ao desenvolvimento dos projetos, citando os baixos índices de aproveitamento do PAC 1 (9% das obras concluídas) e PAC 2 (26%), de acordo com levantamento do TCU.

“É mais um plano de infraestrutura para os transportes, não dá para ter euforia sabendo que o governo terá três anos para tocar esses projetos, que dependem de processos licitatórios, resoluções regulatórias, liberação de R$ 200 bilhões de dinheiro público, além de investimentos do setor privado”, diz Quintella.

Segundo ele, o programa tem buracos, como a falta de investimentos em hidrovias. “Trata-se de um setor fundamental para escoamento de grãos, mas que foi praticamente ignorado.”

Drama rodoviário

De acordo com o especialista da FVG-RJ, os investimentos no modal rodoviário são essenciais dado o quadro desolador das rodovias federais – com apenas 14% da malha pavimentada, sendo 60% considerada péssima ou ruim.

“Se esse dinheiro fluir para duplicação, obras e manutenção de rodovias já seria um avanço. A possibilidade de acordo para reequilíbrio de contrato das concessões federais também é positiva”, diz Quintella.

Na semana passada, o ministro Renan Filho, dos Transportes, afirmou que o recente voto do ministro Vital do Rêgo, do TCU, autorizando o governo a renegociar até 15 concessões que pleiteavam reequilíbrio financeiro, ainda herança da crise de 2015-16, podem gerar R$ 80 bilhões de investimentos, sendo metade até o final do mandato do governo Lula.

Otimista, Renan estima que um total de R$ 300 bilhões de investimentos poderão ser alocados em rodovias para os próximos anos. A conta inclui os R$ 80 bilhões das reestruturações e 35 novas concessões rodoviárias que o governo deverá lançar até 2026.

O setor ferroviário, também contemplado pelo PAC, terá apenas R$ 6 bilhões de investimentos vindos do setor público. Outros R$ 88,2 bilhões sairão da iniciativa privada.

Entre as obras previstas estão um trecho da Transnordestina, em Pernambuco, e a construção das ferrovias de Integração Oeste-Leste (Fiol 2) e de Integração do Centro-Oeste (Fico 1). Outros seis estudos de novas concessões fazem parte do programa, como é o caso da EF-170, a Ferrogrão.

“O projeto de Ferrogrão não para de pé sem dinheiro público e a verba do governo é baixa”, adverte Quintella, referindo-se à ferrovia de 933 km de extensão, com orçamento estimado de R$ 23 bilhões.

Segundo ele, o problema das ferrovias contempladas pelo PAC é que o capital privado vai fazer investimentos visando a sua rentabilidade.

“Precisamos de planos de Estado, de longo prazo, que perpassem governos”, acrescenta, citando a falta de projetos estruturantes visando a interconexão da malha, unificação de bitolas, variante dentro das cidades e obras que interliguem modais.

"O País precisaria investir pelo menos 3% do PIB ao ano em transportes, mas o governo federal ainda não bateu a marca de 0,30% do PIB ao ano", diz o especialista.