A economia tropeça na política e três semanas após as eleições que garantiram o 3º mandado presidencial a Luiz Inácio Lula da Silva caem por terra as expectativas de que a transição poderia ocorrer sem percalços.

Termômetro de insegurança dos investidores em relação ao país, o câmbio estressa. Os juros também. E prometem mais trabalho ao Banco Central (BC).

O real perde força ante o dólar. Após valorizar quase 10% no ano até meados de novembro, a moeda brasileira ganha pouco mais de 3% sobre a americana. E Selic de 15% já está na conta do mercado.

À temida contestação do resultado da eleição pelo Partido Liberal (PL), do atual presidente Jair Bolsonaro, rejeitada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), somou-se a demora da equipe de transição de chegar a um consenso em torno da PEC da Transição, proposta que prevê despesas acima do teto de gastos e que viabilizará o cumprimento de promessas de campanha.

O atraso no envio do texto ao Congresso azeda o mercado que experimentou um alívio de pressões no início da semana com menor volatilidade dos ativos.

Uma enxurrada de declarações de economistas a favor da responsabilidade fiscal e social, a perspectiva de encaminhamento da PEC ao Senado e até o recolhimento de Lula, após uma cirurgia para tratar uma lesão na garganta, patrocinaram o alívio que ameaça esgotar.

E a um mês do recesso parlamentar, com início em 23 de dezembro até 1º de fevereiro, cresce a incerteza quanto à capacidade (e ao custo) de o governo eleito obter o apoio necessário para bancar o Bolsa Família de R$ 600, mais R$ 150 por criança até 6 anos, aumento real do funcionalismo.

A expectativa em relação a quem será indicado por Lula para comandar o Ministério da Fazenda segue elevada. Entretanto, a possibilidade de o cargo ser ocupado por um político já não assusta.

A economia não vai sair do lugar sem avanços na negociação política em torno da questão fiscal. E Lula precisará de um negociador eficiente – e de confiança.

Nesse contexto ganhou espaço nas mesas de operações de bancos e gestoras o nome de Fernando Haddad como provável titular na Pasta, a partir de 1º de janeiro.

É fato que a economia não está – e nunca esteve – divorciada da política partidária. E a urgência em arrumar a casa e manter a credibilidade do país quanto à solvência de sua dívida fala alto neste momento.

Não é segredo para ninguém que há uma troca de apoios entre o Congresso e o futuro governo. É do jogo. Contudo, o saldo das negociações preocupa porque, como uma espécie de indicador antecedente, poderá impactar decisões de um Congresso que terá nova configuração em 2023 – mais voltada à direita.

De um lado do tabuleiro, o governo eleito precisa de imediato apoio para gastar acima do teto e cumprir promessas de campanha. Do outro lado, o deputado Arthur Lira (PP-AL) e o senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG) precisam de apoio para serem reconduzidos, respectivamente, às presidências da Câmara e do Senado.

Futuros embates são favas contadas. Mas o calendário legislativo cobra rapidez no andamento da PEC da Transição.

As discussões sobre o texto, embora não conclusivas até esta sexta-feira, 25 de novembro, chegaram a animar o mercado financeiro nos últimos dias. Fortaleceram a ideia de que é possível caminhar para um consenso.

A licença para gastos acima do teto, acreditam os agentes econômicos, será inferior aos pretendidos R$ 198 bilhões. A vigência do “waiver”, que o governo eleito pretendia permanente, poderá ficar em quatro anos. E a redução para um ano não é descartada.

“Licença para comportar o pagamento do Bolsa Família de R$ 600, R$ 150 por criança até 6 anos e concessão de aumento real de salários de servidores, da ordem de 1,3% ou 1,4% em 2023, daria espaço para o futuro governo elaborar e discutir uma nova âncora fiscal”, avalia Gustavo Arruda, chefe de pesquisa para América Latina do BNP Paribas.

O economista reverbera avaliação compartilhada por seus pares. Restrição do ‘waiver’ a 2023 ajudaria a equilibrar as expectativas, uma vez que compromissos de despesas devem ser acompanhados por compromissos de receitas.

“E, até agora, fontes de receitas não foram apresentadas. E os agentes econômicos se ressentem da falta de perspectiva fiscal”, afirma Arruda.

O aumento da exposição e o discurso do vice-presidente eleito e coordenador da equipe de transição, Geraldo Alckmin, nas duas últimas semanas foi fator adicional para o alívio observado nos mercados.

Tucano de longa data hoje filiado ao PSB, o ex-governador de São Paulo toca a música que o mercado gosta de ouvir.

Além de ser visto como patrocinador da participação de André Lara Resende e Pérsio Arida – economistas de elevado prestígio – na equipe de transição, Alckmin tem afirmado que uma nova âncora fiscal será proposta em 2023 e deve contemplar teto de gastos, evolução da dívida e resultado primário das contas públicas.

Também conspira a favor de maior otimismo para 2023, o fato de o Brasil ganhar protagonismo na arena internacional.

A participação de Lula na Conferência da ONU para o Clima, COP 27, no Egito, foi o pontapé inicial para uma nova atuação do país. E, na última semana, o BC e suas políticas foram reverenciados.

O ex-presidente do BC, Ilan Goldfajn, foi eleito para o comando do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e será o primeiro brasileiro a assumir o posto.

O atual presidente da instituição, Roberto Campos Neto, foi escolhido por seus pares para liderar o Conselho Consultivo do Banco de Compensações Internacionais para as Américas – o BIS, na sigla em inglês, conhecido como o BC dos bancos centrais.

A possibilidade de Lula apresentar a composição do futuro gabinete mais adiante já não provoca reações negativas entre os agentes econômicos que dão sinais de maior compreensão da necessidade de Lula e do PT terem jogo de cintura para garantir uma bem-sucedida transição, revela pesquisa da Warren Renascença DTVM.

A instituição realizou a sondagem entre os dias 17 e 21 de novembro com um grupo de 87 profissionais do mercado financeiro composto por 45 trades e gestores, 28 estrategistas e economistas e 14 analistas com outras funções em assets, bancos e fundações.

Para 46% dos entrevistados, o próximo titular da Pasta é o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad. Na segunda posição, para 17,2% das respostas, o futuro ministro será o senador Wellington Dias (PT-PI). Na terceira posição, apontado por 13,8% dos entrevistados, está o deputado Alexandre Padilha (PT-SP).

Para o comando do Ministério do Planejamento, que deve ser ressuscitado com o desmonte do atual Ministério da Economia, o líder na preferência dos profissionais pesquisados pela Warren é Wellington Dias, com 26,4%, seguido por André Lara Resende, com 21,8%, e Pérsio Arida, com 17,2%.

A pesquisa Warren Renascença aponta ainda que, para 31% da amostra, a licença para despesas acima do teto de gastos, pleiteada pelo governo eleito, deve variar de R$ 150 bilhões a R$ 175 bilhões. Para apenas 8,2%, o “waiver” poderá variar de R$ 175 bilhões a R$ 200 bilhões.

Quanto à duração do “waiver”, que o governo eleito gostaria que fosse permanente, para 52,9% dos entrevistados o prazo admissível é 1 ano. Para 24,1%, a licença para gastar pode durar 2 anos. E, para 20,7%, o prazo pode chegar a 4 anos.